A palavra “amor” é talvez abusada, e todavia necessária para dizer aquilo que pode salvar a nossa vida, ou, se o amor é negado, conduzi-la à morte. Amar e ser amado é o que dá sentido a uma vida ou lhe elimina o significado, a orientação. Como conhecemos o amor? Conhecemo-lo mesmo antes de vir ao mundo. Cada um de nós, com efeito, foi transportado durante a gestação no ventre de uma mulher, e nessa vida intrauterina – dizem-nos as ciências humanas – a pouco e pouco começa a sentir, não no plano racional, mas com o seu ser, se é acolhido ou rejeitado. Por isso é decisivo para cada humano o ser desejado e amado “em antecipação”.
Uma vez saídos do ventre materno, somos bem-sucedidos no viver se pudermos ter confiança em alguém que nos ama e cuida de nós, normalmente a mãe, o pai, os familiares. Desta vivência dependerá um dia a nossa capacidade de amar, porque é através do amor de que somos objeto, o amor “passivo”, que aprendemos a amar. Não é um caminho fácil, porque acidentado e, por vezes, contradito nos acontecimentos da vida, começando precisamente pelos familiares. No entanto, é fundamental para um caminho de verdadeira humanização.
Chega depois a hora em que sentimos a necessidade de amar para além do círculo da família. Descoberta maravilhosa do outro, em muitas formas: relações que nos atraem e nos pedem para iniciar a aventura do amor. Sobretudo, aprendemos que para amar é preciso conhecer o outro, e isso exige empreender uma relação em que se caminha juntos. Então o amor torna-se história, conduz ao milagre de duas pessoas que colocam a confiança uma na outra, até partilhar a vida, a estreitar uma aliança. Há grandeza nesta relação de amor que queima como fogo, mas que pode ser também miséria: não são fáceis as histórias de amor, e exigem não só empenho e renovamento dos sentimentos de afeto, mas também paciência, perseverança, fidelidade ao pacto que sustém o amor.
O amor pode, além disso, manifestar-se como “amor pelo próximo”. Insisto nesta expressão, de ascendência bíblica, porque no amor concreto é decisiva a proximidade, ou seja, uma vizinhança que cada pessoa decide: o próximo é aquele que eu escolho tornar próximo, e encontrar. Pois bem, num tempo em que dominam as relações mediadas e mediáticas – a tal ponto que se chegou a falar de «morte do próximo» –, a grande arte em tendência oposta é a de tornar próximo o outro, dar-lhe a nossa presença, olhá-lo no rosto, e depois discernir a sua necessidade, assumindo o cuidado por ele, por ela.
E assim o amor se manifesta como com-paixão, como sofrer juntos. A este respeito, é exemplar uma história da tradição judaica hassídica. Uma noite em que dois amigos estavam juntos num bar, quando o vinho tornou alegres e verdadeiros os seus corações, um perguntou ao outro: «Amas-me?». Assim por três vezes, recebendo sempre resposta afirmativa. No fim, pergunta-lhe: «Sabes o que me faz sofrer?». «Não», responde o amigo. E o primeiro conclui: «Se não sabes aquilo que me faz sofrer, como podes dizer que me amas?».
In Monastero di Bose
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Keith Haring | D.R.
Publicado em 02.07.2020
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