Discurso no Dia Arquidiocesano da Família
– Programa Pastoral: “Apoiar as famílias na redescoberta do que significa ser e viver como «Igreja Doméstica»”.
– Estamos a viver tempos especiais. Desejamos a normalidade mas passamos, assim o desejamos, por uma tempestade que não deixou as coisas na mesma. Ouvimos muitas vezes, “nada ficará na mesma”. Ainda não descortinamos todas as coordenadas desta nova era.
– No meio da borrasca, entre outras possíveis hipóteses, chegamos a duas conclusões evidentes. A fragilidade e a vulnerabilidade afectam todos. Ninguém tem privilégios. Ricos e pobres. Países grandes e pequenos. O império da técnica, como sinal de progresso e alarde das capacidades de uma sociedade dita evoluída, desmoronou-se. Somos todos iguais. Com muitas potencialidades mas sempre pequenos. Por outro lado, a única porta de saída desta situação foi a consciência de uma interligação. Salvamo-nos juntos. Sozinhos perecemos. Estamos no mesmo barco.
– No meio desta borrasca/tempestade existiu uma âncora. A família. Ninguém duvida. Os factos provam esta evidência. Viver em confinamento não é e nunca será fácil. Onde as famílias foram famílias as dificuldades aligeiraram-se, mais ainda, vieram confirmar o que a Igreja sempre foi sublinhando. As famílias são as células de uma sociedade, para o bem e para o mal.
– Esta é outra lição a retirar da vivência dos últimos acontecimentos. A Igreja pode sentir-se consolada por tudo quanto tem realizado. Mas, de um modo inequívoco e imperioso, teremos de reconhecer, sem complexos nem ambições, que teremos de fazer muito mais. Uma palavra que temos usado nos últimos tempos, acolhendo-a do Papa Francisco, é que teremos de sonhar, mais alto e teremos de o fazer juntos. Sonhar juntos um presente e um futuro para a família deve tornar-se um imperativo, um verdadeiro compromisso eclesial.
– Neste Dia Arquidiocesano da Família, ouso pedir a toda a Igreja Arquidiocesana um novo impulso e ardor capaz de colocar a família no centro das preocupações e atenções. Urge uma atitude criativa, aberta a novas experiências, atractiva, capaz de mostrar a beleza da família, e renovada, pois não se prende a esquemas do habitual e repetitivo.
– Nos últimos tempos temos começado a falar da ministerialidade dentro da Igreja. Reconhecemo-nos dotados de dons e talentos que se tornam carismas colocados ao serviço do todo eclesial. Inevitável é o protagonismo que as pessoas terão de assumir. Já fazemos muito, e um Dia Arquidiocesano da Família é oportunidade para que o Arcebispo testemunhe a sua gratidão, e da Igreja Diocesana, a todos quantos estão a viver esta responsabilidade a nível Arquidiocesano, arciprestal e paroquial, mas teremos de nos fixar neste novo panorama das famílias com todos os desafios que nos lança.
Não podemos deixar de convocar para esta tarefa. Faço-o, convocando o maior número de casais para que juntos tornemos a família naquilo que ele é de verdade, sem outras conexões ou imagens. Mas terão de ser os casais a ir ao encontro de amigos, conhecidos, vizinhos para os motivar. Todos os meios são úteis. Ninguém ignora a força do presencial, dos contactos directos. Hoje não poderemos desperdiçar tudo quanto servirá para aproximar e comprometer. Indo ao encontro das famílias, não permanecendo na expectativa, aderimos à propostas do Papa Francisco.
Compreendendo os desafios destes novos tempos, pediu que dedicássemos um ano à Exortação Apostólica Amoris Laetitia. Ao mesmo tempo, determinou que vivêssemos um ano especial dedicado a S. José. Para este ofereceu-nos uma Carta Apostólica, Patris Corde, Com Coração de Pai, onde, entre outras interessantíssimas considerações a transportar para o seio da família, refere que “S. José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação”. É este protagonismo que importa suscitar e reconhecer. Teremos, por isso, que tornar a Exortação Apostólica Amoris Laetitia o manual das famílias como explicitação do amor e de um amor que dá alegria e felicidade. Precisamos de a recuperar na sua integridade e não só nos pormenores que suscitaram curiosidade por parte da Comunicação social. Mais do que apresentar um manual de procedimentos que responde a interrogações e dúvidas terá de ser uma permanente bússola que se vai compreendendo nos seus conteúdos e fazendo com que, como diz o Papa e disseram os Bispos na Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “o anúncio cristão sobre a família seja verdadeiramente uma boa notícia”. Importa, por isso, redescobrir a beleza da vida familiar e sublinhar o sentido de festa que nela se respira.
Diz-nos o Papa: “Como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimónio, para não contradizer a sensibilidade atual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer. É verdade que não tem sentido limitar-nos a uma denúncia retórica dos males atuais, como se isso pudesse mudar qualquer coisa.
De nada serve também querer impor normas pela força da autoridade. É-nos pedido um esforço mais responsável e generoso, que consiste em apresentar as razões e os motivos para se optar pelo matrimónio e a família, de modo que as pessoas respondam à graça que Deus lhe oferece” (A.L. 35) “Temos dificuldades em apresentar o matrimónio mais como um caminho dinâmico de crescimento e realização do que como um fardo a carregar a vida inteira”. Teremos, por isso, de apostar numa pastoral positiva que mostra que o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja”. (A.L. 31)
Esta proposta positiva e dinâmica, conscientes de que não podemos privar as famílias de algo que lhes dará alegria e felicidade, terá de acontecer em Igreja. Cada membro de uma equipa arquidiocesana, arciprestal ou paroquial sente o conforto de ser Igreja, nunca se sentindo sozinho, e aceita a responsabilidade e agir em seu nome. Esta realidade sinodal, que conjuga a certeza de caminhar juntos com um grande sentido de imprescindível responsabilidade, terá de ser o rosto, a imagem com que nos apresentaremos perante o mundo. Muitos poderão pensar que somos retóricos e de outros tempos. Sabemos sempre respeitar a diferença, mas nunca podemos desistir da nossa originalidade. Caminhamos com o mundo, com quem pensa e age diferente de nós. Não ignoramos mentalidades e ideologias contrastantes. Temos consciência, e sempre com maior necessidade de conhecer o que se diz e o que se pensa, mas somos ousados e corajosos. Não optamos pelo mais fácil mas por aquilo que é verdadeiramente humano e que mais convém à sociedade.
É neste mundo complexo e enigmático que nos movemos sempre com maior consciência. São programáticas a últimas da Exortação Apostólica do Papa. Ele conhece muito bem as dificuldades. Não baixa a fasquia. “Todos somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos nossos limites, e cada família deve viver neste estímulo constante. Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! Aquilo que se nos promete é sempre mais. Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida.” (A.L. 325)
“Não renunciemos a procurar a plenitude do amor e comunhão”. Faço minhas estas palavras. Entrego-as à Pastoral familiar neste contexto de um ano dedicado à Amoris Laetitia e a olhar para o exemplo e estímulo que S. João oferece a quem trabalha para edificar uma família segundo os valores evangélicos.
A Amoris Laetitia termina com um capítulo dedicado à espiritualidade conjugal e familiar. Podemos ter muitos sonhos e projectos. Mais do que nunca é necessário trabalhar pela família e com a família. Deveremos elaborar agendas devidamente preparadas. Nada pode ser improvisado. Acontece, porém, que se tudo não partir do encontro com Cristo, na palavra, na oração, na eucaristia, na vida interna de cada família e em todas as atividades a realizar pela pastoral familiar, não atingiremos os melhores resultados.Só com Cristo discerniremos os melhores caminhos e só com Ele os percorreremos. Não tenho dúvidas. A espiritualidade condiciona todo o trabalho pastoral.
Num período de desconfinamento progressivo procuremos tirar as conclusões que a pandemia nos impôs. A família não só não perdeu a sua actualidade mas readquiriu o protagonismo que sempre teve ou deveria ter tido. Saibamos aproveitar estes momentos e acreditemos que não podemos deixar de propor a Alegria do Amor. Com Maria e S. José seremos capazes de o fazer.
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
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