Há sempre mais do que as aparências nos Evangelhos, e a história da cura da mulher com hemorragia e ressuscitação da menina morta é um exemplo. Repetidos nos três sinópticos, os dois milagres, narrados no Evangelho proclamado a 6 de julho (Mateus 9,18-26), são engenhosamente combinados com questões relativas ao toque ritualmente proibido nos preceitos judaicos, ao número 12 e à profunda consideração de Jesus pela vida das mulheres.
Jesus está a caminho de fazer ressurgir a filha de 12 anos de um chefe, quando uma mulher que há 12 anos sofria de hemorragia menstrual penetra por entre a multidão para tocar na sua capa. Fica instantaneamente curada. Jesus sente o seu toque e elogia a sua fé, ignorando a proibição ritual do contacto com a sua condição de sangramento, o que desde logo o tornou "impuro".
Ao chegar à casa do chefe, Jesus abre caminho entre a multidão de carpidores profissionais, pega na mão da menina morta, incorre novamente em impureza ritual, e ergue-a, restaurando-a à vida no limiar da sua idade adulta.
Os dois milagres têm implicações profundas para essas duas mulheres e para as suas famílias. Jesus liberta-as para viverem plenamente, e desafia uma cultura que limitou o seu potencial com preceitos religiosos e restrições sociais aplicadas às mulheres.
Não há dúvida de que esta história foi importante para as comunidades cristãs emergentes num mundo patriarcal que tornara as mulheres invisíveis e sem poder legal para determinar as suas próprias vidas. Fazia parte da memória dos extraordinários relacionamentos de Jesus com as mulheres, o acompanhamento que elas fizeram do seu ministério, inclusive na hora da morte, bem como o papel que desempenharam como testemunhas-chave da ressurreição.
Verdade seja dita, não haveria Evangelho sem as mulheres seguidores de Jesus, que o amaram com uma lealdade que os homens não ousaram mostrar quando Ele foi crucificado. E na sua tristeza, as mulheres recusaram desistir dele. O facto de Ele lhes ter aparecido pela primeira vez na Páscoa, atestado pelos quatro Evangelhos, testemunha que a sua fé foi o fundamento da Igreja.
In National Catholic Reporter
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 06.07.2020
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