«Gostei sempre muito de uma pungente recolha de dez poesias, escritas por Cesare Pavese entre 11 de março e 10 de abril de 1950. Intitula-se “Virá a morte e terá os teus olhos”. Hoje, pensando naquilo que vivi e no quanto desejo fazer, animado por um premente sentido de restituição, posso, por minha vez, dizer: “Virá a vida e terá os seus olhos”, incluindo nesse olhar Deus, que esteve junto de mim, e todos aqueles a que conseguirei chegar com a minha pobre voz.»
Quem escreve estas palavras é D. Derio Olivero, bispo da diocese italiana de Pinerolo, que, como ele próprio descreve, esteve a um passo da morte durante a Semana Santa, por causa do Covid-19.
O prelado, que partilhou este sofrimento com outros bispos e sacerdotes, muitos dos quais não conseguiram sobreviver, quis recolher em livro aquelas semanas de luta vividas no hospital.
“Verrà la vita e avrà i suoi occhi” (Virá a vida e terá os seus olhos) (ed. San Paolo), escrito com o chefe de redação da revista “Famiglia Cristiana”, Alberto Chiara, é fruto do sofrimento de D. Olivero, que, mesmo quando tudo à sua volta parecia estar mais escuro do que a noite, nunca perdeu a esperança.
O bispo não quis guardar para si a sua experiência dramática, da qual diz ter saído como um homem novo e um pastor novo, mas quis partilhá-la com quem esteve junto dele naquelas semanas dolorosas e rezou por ele. Mas também com quem, dentro e fora da Igreja em Itália, subvalorizou a gravidade da pandemia. O livro é também uma maneira de dizer obrigado aos médicos e enfermeiros que o ajudaram com profissionalismo e humanidade a vencer a luta entre a vida e a morte. Uma experiência que, como escreveu, lhe deu olhos novos para ver o mundo.
«Aqui é dura dura dura. Uma batalha. Reza por mim!» «Quando li, no telemóvel, a mensagem de D. Derio Olivero – escreve o cardeal de Bolonha, Matteo Zuppi, no prefácio –, compreendi de maneira física o drama que víamos através das imagens, as descrições que enchiam aqueles dias agitados, de medo, ignorância, sofrimento, isolamento, perturbação que se sobrepunham. E o sofrimento de uma pessoa ajuda a derrotar o anonimato, pensar que se trata de números, de estatísticas, de nomes sem rosto, e, no fim, sem humanidade. O seu nome acompanhou-me na oração insistente, intensa, daqueles dias que uniram muitos, verdadeira rebelião contra o mal e decisão de não o aceitar passivamente.»
O cardeal recorda que «três semanas depois, inesperadamente, recebi outra mensagem, que todos aqueles que viveram a amargura da separação, a angústia de não ter notícias, a frustração de não poder fazer visitas e a dor de não acompanhar na luta pela vida a pessoa amada, desejariam ter lido: «Querido amigo desde ontem respiro. Deus fez o milagre. Obrigado pelas orações!». Sim, graças a Deus. Derio sentiu-o presente naquele duelo entre morte e vida que nos ajuda a compreender que o Evangelho está na história, aquela que o mundo do bem-estar tinha como ilusão poder observar como espetador, pensando que continuaria de saúde mesmo se tudo à sua volta estivesse doente.
«Deram-me baixa – narra o bispo – 40 dias exatos após o meu internamento. Interessante, não? Essa experiência representa a minha travessia pessoal do deserto.» E acrescenta: «Nos dias do regresso à vida escutei também uma voz muito especial: a de Jorge Mario Bergolgio. Francisco telefonou na sexta-feira 17 de abril. Fiquei tão surpreendido, que não quis acreditar. Mas o médico—chefe insistia: “Atenda, é mesmo o papa”. Ouvi-lo deu-me muita força. Disse-me que a partir do momento que soube que estava internado orou por mim. Pediu-me para saudar os amigos valdenses e abençoou-me, aos outros doentes e a todo o pessoal médico presente».
O livro de D. Olivero não recolhe apenas a narrativa daquelas semanas dolorosas vividas no hospital. Mas ao considerar como tesouro aqueles dias de luta, o bispo extrai ensinamentos para o futuro, olhando principalmente para a Igreja.
«Um dos grandes riscos que a Igreja e a sociedade estão a correr é o de pensar que quando este terrível período, mais tarde ou mais cedo, ficar definitivamente encerrado, poderemos voltar ao que éramos antes. Estou convicto, ao contrário, pela experiência que fiz e por quanto agora observo, que esta tragédia não é, absolutamente, um mau parêntesis a superar para voltar ao antigamente: é um tempo que nos fala, um “kairòs”. É um tempo que grita e nos pede para mudar», assinala.
In Il Fatto Quotidiano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D. Derio Olivero | D.R.
Publicado em 21.07.2020
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