Foi assim, também, naquele dia em que um pai
soltava um papagaio com o seu filhinho pequeno.
O menino queria voar, nem que fosse na cauda do papagaio.
«Ele vive e confia no vento.
É o vento que dirige a mão do menino e sussurra
ao seu ouvido: solta a linha, dá mais linha, deixa ir mais longe.
E o menino sobe com o papagaio, e chega a misturar-se nas nuvens.»
O vento faz o papagaio flutuar e subir e planar
e ficar quieto como se estivesse no chão.
Com o pescoço levantado, a criança espreita atenta, pula,
sobe nas pontas dos pés, estica o corpo e os braços, em abraços,
a cada subida do papagaio.
Era um papagaio colorido, vistoso, que se movia
ou colava no céu azul, como se fosse uma estrela.
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Um papagaio é um sonho de liberdade,
o coração voa, carregando tudo o que acontece no chão.
Não é sem razão que tanto os adultos, como os jovens e as crianças
se “apaixonam” por soltar papagaios.
A mão que mantém o papagaio preso na linha
e que o aproxima e o deixa ir, e o volta a recolher,
tem a sensação de ter domínio sobre a liberdade
ou de ser livre no sopro do vento,
tal como o papagaio voa no céu imenso.
No fim da tarde, o coração está livre, a mente está leve,
o corpo distendido repousa na terra
como se estivesse deitado no céu.
Todas as crianças gostam de voar,
nem que seja suspensas na cauda de um papagaio,
foram criadas para o alto, para crescer até ao infinito.
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Fico a pensar no vento que sopra,
«e não sabemos de onde vem nem para onde vai»,
e como aí começa a grande interrogação de tudo o que existe,
a interrogação que nos liga ao infinito do mistério da vida.
Sabemos que o vento sopra, sentimo-lo e vamos sendo levados por ele,
mas não sabemos de onde vem nem onde vai parar.
É como um ato de fé na vida.
É também como dizer: ninguém prova a existência de Deus,
apenas sabemos que vamos no sopro da vida de Deus
no qual somos, existimos e nos movemos.
E no sopro, somos felizes; sem sopro, morremos, deixamos de ser.
A vida é um ato de fé.
Voamos até na cauda de um papagaio, presos por um fio.
Imagina, agora, voar sem ter fio nenhum que nos prenda.
A loucura é ainda maior.
É assim a vida de fé, entrega no Espírito que sopra e nos leva.
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Coisas boas borbulham dentro de nós:
O papagaio pode significar a pessoa de Jesus
que faz a terra subir e o céu descer num encontro de liberdade;
A linha pode lembrar-nos a fé que nos sustenta na esperança
e no caminho do seguimento;
O vento, o sopro, é o Espírito, a liberdade de Deus que nos leva;
O céu é o infinito que nos acolhe, é como o amor de Deus, Trindade Santa
que nos envolve em todas as dimensões;
A terra é como o amor que nos dá chão, onde dormimos, caminhamos,
trabalhamos, vivemos, fazemos a história e somos,
na graça do amor criador de Deus Pai e Mãe.
O papagaio é um sonho de liberdade.
O desejo de voar constitui o nosso ser
que continua a voar nas asas do amor.
Voar no Espírito transforma o nosso chão.
O ar que respiramos, o vento forte ou a brisa leve e suave
convidam-nos a experimentar a vida e a liberdade do Espírito.
A vida torna-se leve e flui quando é «amor, alegria, paz, paciência, bondade,
benevolência, fé, mansidão e domínio de si» (Gálatas 5,22-23).
São os frutos da presença do Espírito, assim como a solidariedade,
a contemplação, o desejo ser mais doação, a vida em comunidade,
a missão, a entrega da vida pela verdade e pela justiça, na misericórdia.
Mas a vida torna-se pesada e oprimida quando se prende
nas tendências que nos fecham em nós mesmos (cf. Gálatas 5,19-21).
O pai, o filho e o papagaio podem ser até um símbolo da beleza da Trindade:
Todos centrados numa experiência de liberdade
que unifica o prazer de ser e de viver.
Deus continua livre na Criação como alegria e amor.
Como é bela a liberdade do amor de Deus.
O Espírito Santo renova a face da Terra.
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Publicado em 04.06.2020
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