E se Deus tirasse férias da gente?

Alguns países têm o costume de estabelecer férias escolares nos períodos climáticos de maior intensidade, como o verão e o inverno. No Brasil, essas férias coincidem respectivamente com os meses de janeiro e julho. O descanso é um elemento fundamental para a saúde do ser humano, por isso Deus descansou no sétimo dia da criação (cf. Gn 2,3).

Não que Deus se canse fisicamente, pois não tem corpo, e muito menos espiritualmente. Mas assim como Jesus não precisava do batismo de conversão dado por João Batista (cf. Mc 1,9-11), o descanso de Deus é simbólico nesta perspectiva. Assim como Deus descansou no sétimo dia, Ele estabelece na sua Lei que também o seu povo descanse (cf. Ex 20,8-11). O corpo e a mente se afadigam e é preciso dar-lhes descanso, para que nenhum dos dois se adoentem. Sempre é bom lembrar a recomendação do filósofo romano Juvenal: “uma mente sã em um corpo são”. Esse sempre foi o ensinamento da Igreja ao longo dos séculos, a harmonia entre uma vida terrena e uma vida sobrenatural. Não reza direito quem está fatigado de tanto trabalhar.

O Catecismo da Igreja Católica (n. 464) afirma categoricamente que Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e a humanidade dele também se cansava (cf. Jo 4,6). E como ser humano equilibrado que era, também sabia que sua mente precisava estar em ordem, por isso se retirava do meio das multidões, do trabalho missionário e ia rezar (cf. Mc 1,35), e fazia o mesmo antes de tomar decisões importantes (cf. Lc 6,12).

Assim como ele encontra no Pai o seu descanso, convida-nos a encontrarmos nele, no seu Sagrado Coração, que é manso e humilde, o nosso descanso (cf. Mt 11,28-30). Às vezes pode parecer desnecessário defender o descanso, dado que um dos pecados capitais é a preguiça. Este é um pecado contrário à caridade, conforme ensina Santo Tomás de Aquino (Suma teológica, II-II, q. 34), e o Catecismo da Igreja Católica (n. 2094) o confirma ao falar principalmente da preguiça espiritual ou acídia. Mas há também os que são hiperativos, não no sentido psicológico, como se tem popularizado hoje, mas no sentido dos que nunca param de fazer e têm pouco tempo para ser. A estes, Jesus dá o mesmo recado que deu para Marta, quando ela repreendeu o repouso de Maria (cf. Lc 10,41-42).

Se, como ensina Aristóteles na Ética a Nicômaco, a virtude está no meio termo entre dois extremos, qual é então o meio termo virtuoso do descanso, entre a preguiça (e entre elas a espiritual) e o ativismo (e entre eles o pastoral)? São Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975) com certeza pode nos ajudar a pensar nisso: “Vou prosseguir estes momentos de conversa diante do Senhor servindo-me de uma nota que utilizei anos atrás e que conserva toda a atualidade. Apontei então umas considerações de Santa Teresa de Ávila: Tudo o que acaba e não contenta a Deus é nada e menos que nada [Livro da vida, 20,26]. Compreendemos agora por que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade? Esforçai-vos por não perder nunca este ‘ponto de mira’ sobrenatural, mesmo à hora do lazer ou do descanso, tão necessários quanto o trabalho na vida de cada um (Amigos de Deus, 10, p. 33, grifo meu). O descanso que tanto tem sido recomendado aqui jamais pode ser um descanso das coisas de Deus, ou do próprio Deus. O agente de pastoral que nas férias viaja e não vai à missa dominical ou não reza não entendeu nada.

Não nos esqueçamos do que nos diz o Salmo 91,1: “Aquele que habita sob a proteção do Altíssimo descansará à sombra do Onipotente”. Pois “o Senhor é meu pastor, nada me falta: em pastagens verdejantes faz-me deitar, para águas repousantes me conduz e conforta minha alma” (Sl 23,1-3). E agora digo a todos: o cristão que tira férias da missa dominical e da oração não entendeu nada, e São Josemaría concorda comigo: “Estar ocioso é coisa que não se compreende num homem com alma de apóstolo” (Caminho, 358). Quem vê um cristão tirando férias da vida espiritual pode até pensar que tudo isso é um fardo, e não é esse o testemunho dos apóstolos. Muito pelo contrário, eles se alegravam pelas consequências desagradáveis do anúncio da mensagem do mestre (cf. At 5,41). O amor, único mandamento do Senhor (cf. Jo 13,34-35), não é um fardo pesado, mas é a própria presença de Deus em nossa vida (cf. 1Jo 4,16). A oração é um ato de amor para com Deus, ela não fatiga, ela revigora.

Portanto, os dois extremos opostos ao descanso virtuoso devem ser evitados. Por um lado, a preguiça e, principalmente a preguiça espiritual. Pois, “quem se entrega a trabalhar por Cristo não há de ter um momento livre, porque o descanso não é não fazer nada; é distrair-se em atividades que exigem menos esforço” (São Josemaría, Caminho, 357). E por outro lado, o ativismo e, principalmente o pastoral. ’Maria escolheu a melhor parte’, lê-se no Santo Evangelho. – Aí está ela, bebendo as palavras do Mestre. Em aparente inatividade, ora e ama. – Depois, acompanha Jesus em suas pregações por cidades e aldeias. Sem oração, como é difícil acompanhá-Lo!” (São Josemaría, Caminho, 89). Fiquemos com o meio termo? Nosso corpo e nossa mente precisam descansar para poderem servir melhor a Deus no irmão (cf. Mt 25,31-46). Mas sempre descansar em Deus, sem nunca descuidar da oração. “Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar que se lança para o Céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no seio da provação, como no meio da alegria; enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que me expande a alma e me une a Jesus” (Santa Teresinha do Menino Jesus, A história de uma alma, C 25r). Cristão não tira férias de Deus. Já pensou se ele tirasse da gente?

 

Artigo desenvolvido por Rafael Ferreira de Melo Brito da Silva

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