Defende que brincar ao ar livre é a solução para o regresso às aulas. Porquê?
Brincar é um comportamento fundamental, não é um comportamento opcional. É um comportamento também ancestral, o que significa que todos os seres humanos, independentemente da cultura, do espaço geográfico, todos brincaram. Sempre se brincou na história e o homem, como animal, brinca na infância durante um largo período de tempo. E isso dá-nos a possibilidade de termos mecanismos adaptativos únicos. Depois de estar em confinamento durante um largo período de tempo, as crianças vão necessitar de despender muita energia, vão precisar de estar com os amigos. E vão precisar de estar numa escola que tenha um novo significado para o seu desenvolvimento. Ontem [dia 19 de maio], uma colega minha [Margarida Gaspar de Matos] publicou um estudo do Health Behaviour in School-aged Children (HABS), feito de quatro em quatro anos pela Organização Mundial da Saúde, que concluía que só 9,5% de crianças e jovens gostam da escola. Por outro, sabemos que os níveis de atividade física são muito baixos: cerca de 70 a 80% das crianças não são ativas o suficiente para poderem ter uma vida saudável. E temo que neste momento estejamos a viver uma situação deplorável do ponto de vista da saúde física e da saúde mental. Se antes da pandemia já tínhamos um problema sério sobre a autonomia das crianças e se havia falta de liberdade para brincar, e de terem aquilo que eu chamo o confronto com o risco e a adversidade, hoje em dia a situação está ainda bem pior.
Esta bolha do confinamento veio potenciar essas tendências?
Exatamente. Ter mais aulas ao ar livre e em espaços exteriores, com mais contacto com a natureza, quer ao nível das escolas quer à volta, penso que será agora a melhor solução para combater isso. E para integrar as crianças no meio escolar. A escola não é só a sala de aula. Esse é o modelo tradicional, conservador, que considera que a aprendizagem só se faz dentro da sala de aula. Não é verdade. Temos que construir um novo paradigma de ensino, que seja mais participativo no sentido de que as crianças e jovens tenham possibilidade de ter mais curiosidade, que seja mais baseado nas experimentação, na capacidade de resolução de problemas e que traga cooperação. E também será importante as escolas fazerem um cruzamento de saberes no sentido de darem respostas às diferentes crianças que têm, e não apenas um modelo que seja demasiado estruturado e que dê respostas iguais para todos.
A pandemia pode ser uma oportunidade para se repensarem os modelos e para se mudar o paradigma para esse que descreve e que defende e investiga há tanto tempo?
Acho que sim. Vamos necessitar de viver com a incerteza e nada vai ficar como dantes. Vivemos um tempo de exceção, que pode trazer o aparecimento de uma nova era e civilização. Acho que estamos perante um período de transição, no caminho entre, por um lado, querer regressar à natureza, viver mais devagar, e a aprender a ter mais noção do corpo e do silêncio mas, ao mesmo tempo, vivendo a sedução das novas tecnologias. É uma cultura de facto híbrida. Diria que esta pandemia trouxe uma coisa extraordinária: como é que uma microestrutura, como um vírus, despertou a macroestrutura para grandes mudanças. Mudanças inesperadas para a saúde dos seres humanos e também na estabilidade das economias. E por isso convidava agora a escola a ter uma nova mensagem e a funcionar como um novo paradigma. Isto é: necessitamos de uma maior consciência ecológica e de uma visão mais comunitária, mais fraterna, no sentido de percebermos que, como espécie animal, só tivemos grande sucesso quando trabalhámos em grupo. As escolas têm que desenvolver processos de convidar os seus alunos a poderem ser ativos, a poder ser ouvidos em função dos seus projetos pessoais numa perspetiva mais dinâmica, mais autónoma, em que os alunos deixam de ser crianças prisioneiras dentro de quatro paredes, em lógicas lineares de aprendizagem do conhecimento, reféns de corpos sentados e quietos, em silêncio, memorizando saberes que de algum modo são impostos.
E que, como sabemos, são esquecidos rapidamente.
Exato, porque são o resultado de uma escola reprodutiva e que usa a memória para avaliações que não têm sentido. Penso que se os conteúdos forem trabalhados com uma visão prazerosa, a brincar, e tornando as crianças ativas, serão melhor apreendidos. O homem não veio ao mundo para estar no sofá. E na escola não entra só o cérebro, entra o corpo todo. A escola tem que ter uma visão diferente de se tornar num meio mais harmonioso entre o contacto com a natureza e a tal sedução da cultura digital. Obviamente, esta é uma nova forma de entender o ensino. Mas se virmos este regresso às escolas, com as medidas de segurança que estão a ser implementadas, os professores têm agora a oportunidade de ter menos alunos. E têm a oportunidade também de poder desfrutar de um clima excecional que este país tem para poder fazer as aulas no exterior, com mais entrega e trazendo mais curiosidade.
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