Já nos dias anteriores à “clausura” era requerida esta distância, e, ainda que de má vontade, sorríamo-nos de longe, elevávamos a voz para nos fazermos ouvir, sem nos aproximarmos. Não foi fácil aprender de repente a regra da não-proximidade. Mesmo na minha convivência em comunidade obedecemos a estas normas: lugares à mesa afastados, nenhum abraço na liturgia, nada de sinais de atenção e confiança que pusessem em ação o sentido do tato.
Por espontânea reação tornámo-nos mais do que nunca digitais para comunicar, para não nos sentirmos sós, numa espécie de bulimia de contactos, ainda que virtuais. Paradoxal: negação do contacto corpóreo e doida necessidade de estar sempre “em contacto”, muito mais do que antes (que já não era pouco!). Eu próprio o verifiquei: muitos que não ouvia ou via desde há muito voltaram a procurar-me desta maneira. Vivemos, por isso, sem contactos físicos, reprimindo a afeição e a empatia que só o encontro pessoal pode dar. E fomos feridos por saber que os doentes caminhavam para a morte isolados e privados da possibilidade de contactos físicos, quando deles mais precisavam.
Tudo isto me fez refletir sobre o tato, o sentido mais “antigo”, ativo em cada um de nós desde a condição de feto no ventre materno. O tato está sempre em exercício para todo o animal vivo. Cada dia da nossa vida, até ao da morte, quando alguém, tocando-nos, dirá «já não respira». O tato é recíproco, acende-se graças ao con-tato. É mediante o tato que realizamos as relações do corpo com o mundo: o nosso corpo toca e toma alguma coisa do mundo que, à sua volta, é tangível. E é o tato que, mais do que outros sentidos, atesta a experiência certa.
O tato diz-nos, em particular, onde o outro se situa, próximo ou distante, tocado ao de leve ou apertado, abraçado; é o sentido que mais nos acende de alegria e prazer nas relações, até à exultação. Por isso precisamos não só de trocar palavras ou olhares, mas de sentir reciprocamente os corpos junto de nós, de acariciar ou imprimir um beijo. No exercício do tato as mãos são a linguagem comum, bem para além das palavras. Qual inefável arte a carícia…
Quando – esperamos que em breve – voltarmos a apertar-nos a mão, a abraçar-nos e a beijar-nos, procuremos estar conscientes deste sentido e da sua qualidade decisiva para a nossa vida. Sem demonizar a comunicação virtual, tão útil neste tempo de pandemia, voltemos a usar as mãos e o corpo para viver a comunicação como obra de arte. E o coração acompanhe o tato, para que a epiderme viva e vibre graças à arte consciente do tocar, capaz de iluminar os nossos dias.
Enzo Bianchi
In Monastero di Bose
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Mangostar/Bigstock.com
Publicado em 15.05.2020
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