Uma família, independentemente de todas as
constipações que ela nos traga, é uma reserva natural contra todos os
perigos. E mesmo quando estamos atormentados e com medo de tudo aquilo
que nos tem acontecido, serve para nos sentirmos acompanhados por
dentro, adivinhados quando nos sentimos misteriosos e arrebatados sempre
que estamos sonolentos. E ensina-nos que perdoar é esquecer sem dar por
isso. Mesmo quando, no meio de uma pandemia, somos tolos e
“inflamáveis. E ora parecemos discretos e adequados como viramos uma
sala toda do avesso. Nas famílias de verdade cabe a educadora que nos
contava histórias quando íamos ao jardim de infância e a professora que
nos ralhava sempre que mordíamos a língua para pensar, antes do
confinamento. E o senhor da padaria, que nos sorria, de manhã, e nos
dava uma bolacha (e nos fazia sentir únicos e especiais) como muitos dos
nossos tios nunca o fizeram. E o Pai Natal e Deus, sempre que
ficávamos, noite fora, à calhandrice com eles, falando de vírus e da
morte que anda intrometida por aí, e nos assusta. Uma família é uma
barafunda. Antes e depois da nossa sala ser o reboliço em que, hoje, ela
se tornou. Uma família é amiga da verdade. E puxa os sentimentos, de
supetão, do fundo da alma para a superfície da pele. E desabotoa a
fantasia. E é dedicada com o colo. E afeiçoa-se ao brincar. E à
esperança, é claro. E a tudo o mais que quem fala dos valores da família
nunca nos disse. Na verdade, a ideia de família tem sido tão
enxovalhada que já não sei se gosto dela. Do que gostava – mesmo! – é
que a família fosse, simplesmente, o sindicato da bondade. Mas não sei
se conseguirei explicar que, só se for assim, será família. E será
feliz. Mas sei - isso sim, eu sei - que depois de tudo aquilo que,
entretanto, descobrimos dela uma família nunca será um lugar de
quarentenas para o nosso coração. Mas, ao contrário, o sítio a partir do
qual todos os perigos ficam assustados. Uma família, para ser uma
família, é uma “pandemia” de bondade.
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