Hora de ir recomeçando


Nota Pastoral para organizar a pastoral após o estado de emergência nacional

“Vou realizar algo de novo que já está a aparecer: não o notais? Vou abrir um caminho no deserto” (Is 43,19)

Após o estado de emergência é hora de recomeçar, reconfigurando a vida pessoal, comunitária e pastoral da nossa Arquidiocese. Tendo em vista a defesa da vida e a saúde de todos, o retomar da vida das comunidades terá de ser um processo gradual, prudente e paciente. Fomos vencendo algumas batalhas mas ainda não vencemos a guerra. Temos de ser rigorosos no cumprimento de todas as determinações oficiais. Por nós, para além da luta contra o vírus, é também importante o testemunho e o exemplo. Não podemos ter pressa nem ser precipitados. O momento é de grande ponderação e responsabilidade. Que a nossa intervenção seja pedagógica. Temos o dever de elucidar os cristãos e de o fazer com paciência e perseverança. O perigo do contágio não passou.

 

1. Durante o período de emergência e de isolamento social, emergiu um aspecto essencial do ministério sacerdotal e da vida cristã: a oração. Houve mais tempo para rezar, para meditar. Reconhecemos, antes de mais, a nossa impotência e confiamos em Deus que caminha connosco. Ao mesmo tempo, experimentamos a alegria de rezar pelos outros, tendo presente as suas intenções e necessidades.

Não sei se podemos dizer que temos hoje uma renovada consciência do que significa rezar e interceder uns pelos outros. O invisível vírus, com a sua capacidade de se intrometer na vida de todos, conduziu-nos a encontros gratuitos com Deus omnipotente. A oração deverá ser sempre uma constante na vida do cristão. É nela que encontramos o sentido para muitas coisas inexplicáveis. Continuemos, por isso, a redescoberta da oração.

 

2. Imitando a primeira comunidade cristã de Jerusalém, sem descuidar a oração e o anúncio da Palavra de Deus, chegou a hora de recomeçar exercendo o ministério de “acompanhamento pastoral” a cada pessoa e família.

O que significa, hoje, este “acompanhamento pastoral”? É o agir eclesial que parte da fé para ir ao encontro das pessoas nas suas circunstâncias reais: ser solidário com quem está em crise, dialogar com quem sofre, ajudar os mais necessitados. Podemos ser chamados a atender necessidades imediatas (alimentos, rendas, medicamentos) como as mais profundas, muitas vezes latentes (luto, desemprego, depressão). Há que procurar, na medida do possível, ajudar pessoas e famílias concretas a reencontrarem um projecto de vida fecundo e feliz. “Acompanhar pastoralmente” implica prestar atenção às necessidades espirituais, psicológicas, físicas e inter-relacionais que resultam de situações cruciais como pobreza, doença, morte, violência doméstica, isolamento e de tantas outras situações, sem esquecer o vazio interior e a falta de sentido da vida, tão presentes na actual sociedade. 

É hora de os ministros ordenados, religiosos e todos os cristãos empenhados na pastoral tornarem presente a fragrância solidária de Jesus com o seu olhar de misericórdia e compaixão. Nesta missão de “acompanhamento pastoral”, queremos aprender a descalçar as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3,5), a caminhar ao ritmo da proximidade, a olhar respeitosamente e cheios de compaixão, ao mesmo tempo que se cura, liberta e anima (cf. EG 169).

Neste acompanhamento estão envolvidos os grupos da pastoral social que já existem e tanto bem fazem nas comunidades cristãs. Pensemos nos Centros Sociais Paroquiais, nas Conferências Vicentinas, Caritas e em tantos outros. Trabalham gratuitamente e, por isso, sinto-me no dever de, a todos, testemunhar profunda gratidão. A Igreja está agradecida a tantos voluntários que vivem, todos os dias, a sua vocação de discípulos missionários. Por outro lado, causa-nos dor saber que em muitas paróquias ainda não existe um núcleo operativo da pastoral social. Esta situação de confinamento deverá levar-nos a um sério exame de consciência sobre esta responsabilidade.

 

3. Para além dos cuidados sanitários, temos de olhar para os efeitos que o vírus criou nas nossas comunidades. Estamos a viver uma crise social que se agravará. A crise económica vai suceder à crise sanitária. Não estamos em tempo de pedir, nem muito menos de exigir. Teremos de trabalhar para criar um clima de fraternidade. Não podemos permitir que nas comunidades haja pessoas sem o indispensável para viver. É chegada a hora de uma maior atenção a todos, particularmente aos pobres envergonhados. Com a perda de emprego ou diminuição de trabalho, assistiremos a situações de desemprego que gerarão pobreza e fome. Urge que encontremos modos de responder às necessidades sem envergonhar ninguém. 

Talvez seja chegada a hora, à semelhança da Igreja primitiva, de estruturarmos um fundo paroquial capaz de responder a estas e outras necessidades. A pandemia conduziu-nos a uma experiência de interdependência total. Ninguém sobrevive sozinho.

 

4. As circunstâncias actuais exigem que nos aproximemos cristamente das pessoas conservando a distância sanitária. Todos precisamos de sentir o amor e os sacerdotes devem estruturar a sua vida para estarem na linha da frente. Tudo deve ser aproveitado para testemunhar a nossa proximidade de pastores, estando junto das ovelhas. Mesmo sem proximidade física, há sempre modos de inventar gestos que mostrem que o amor não é uma simples palavra. Talvez tenhamos vivido até agora em ambientes demasiado formais. A criatividade pastoral tem de sugerir muitas iniciativas onde se mostre a predominância do amor entre todos, privilegiando os idosos, doentes ou outros marcados por qualquer tipo de vulnerabilidade. A pastoral do luto, dentro dos actuais constrangimentos, deverá ser cuidada com atenções particulares. 

 

5. Sabemos que iremos conviver com o vírus durante muito tempo e teremos de nos predispor para gradualmente nos adaptarmos. Estávamos habituados a procedimentos uniformes e homogéneos. Preparemo-nos para irmos caminhando conforme as circunstâncias o permitirem. Devemos, por isso, estar atentos ao que vai sendo determinado, acolher as orientações e educar as pessoas a iguais propósitos. Não podemos aceitar que o cansaço seja razão de incumprimento. Sabemos que a crise sanitária será ultrapassada apenas com a ajuda de todos e de cada um.

 

6. Consciente desta interdependência, elenco agora algumas orientações concretas. Fundamental é que procuremos conhecer todas as orientações da Organização Mundial da Saúde, da Direcção Geral da Saúde, do Governo, da Conferência Episcopal e da Arquidiocese de Braga. A evolução da pandemia trará novas orientações. Aconselho ainda a leitura das orientações da Conferência Episcopal, as que já saíram e outras que poderão sair.

6.1. Ainda não é oportuno celebrar missas com o povo, particularmente ao Domingo. Poderemos fazê-lo a partir de 30 de Maio. Entretanto, temos de ir preparando os espaços litúrgicos para a reabertura. É importante conservar a distância de dois metros entre as pessoas e fazer com que a distribuição da comunhão não se dê com grande proximidade. Quando iniciarmos as celebrações, devemos seguir todas as orientações litúrgicas emanadas pela Conferência Episcopal Portuguesa. Entretanto, o sacerdote deverá celebrar sozinho, todos os dias, e, se for o caso, transmitindo a eucaristia pela internet, desde que com qualidade. Colocaremos na página da Arquidiocese todas as orientações à medida que forem surgindo.

6.2. Estimulemos as pessoas a viverem o mês de Maio nas suas famílias. Temos o esquema em formato digital. Digamos às famílias como o encontrar. Também transmitiremos esta devoção mariana a partir de quatro santuários. Que Maria nos acompanhe nesta hora de grande perplexidade.

6.3. Catequeses, reuniões e outras actividades de formação não devem ser feitas presencialmente. Se o forem, sempre a título extraordinário, devem ter os cuidados necessários. É uma área onde importa seguir o que está determinado para as escolas. Há já muitos subsídios que ajudam a não interromper esta tarefa imprescindível na vida das comunidades paroquiais. Só podemos regressar à normalidade no próximo ano pastoral.

6.4. As celebrações dos crismas ficam adiadas. Voltaremos a organizá-la quando as circunstâncias o permitirem ou adiando para o próximo ano pastoral.

6.5. Primeiras Comunhões e Profissões de Fé devem ser canceladas ou adiadas. Os párocos saberão ver quando será possível a celebração com segurança, mas nunca nos próximos meses. Convém adiar para o próximo ano pastoral.

6.6. Festas, procissões e peregrinações devem ser canceladas. No dia de festa, as eucaristias poderão ser a única celebração possível, sempre dentro das orientações gerais, sendo transmitidas pela internet se for o caso. Sempre respeitando o distanciamento social, e com todos os sistemas de protecção individual, poder-se-à encontrar modos para uma celebração festiva sem a participação dos fiéis. Ao mesmo tempo, a devoção individual deve ser conservada, desde que as igrejas ou capelas estejam devidamente preparadas para evitar a proximidade entre as pessoas.

6.7. A celebração dos funerais ou exéquias continuará a acontecer só com os familiares, com todo o cuidado e respeito pelas normas de segurança. Podem ser celebradas nos cemitérios ou nas igrejas com a celebração da Palavra ou da Eucaristia. Os párocos deverão preparar tudo com os familiares.

6.8. Sempre com os habituais cuidados de segurança, o sacramento da reconciliação deverá considerar o devido distanciamento entre o confessor e o penitente, tendo sempre todo o cuidado com tudo o que possa violar o segredo de confissão.

 

7. As igrejas poderão e deverão estar abertas durante algumas horas. Para um bom funcionamento das futuras celebrações, deverá ser constituída uma equipa de acolhimento que orientará as pessoas. É conveniente a colocação de avisos sobre o modo como as pessoas se deverão movimentar. A Livraria Diário do Minho tem preparado um cartaz que ajudará neste trabalho. Mesmo assim, elencamos alguns pormenores a ter em consideração: 

— Colocar os bancos de forma a evitar aglomerados de pessoas e permitindo que estas se mantenham à distância de dois metros.

— Ter as portas abertas de tal modo que ninguém precise de tocar nelas para entrar ou sair. 

— Colocar à entrada da porta um cartaz (disponível na livraria) com as seguintes instruções: 

* Damos-lhe as boas vindas!
Pela sua saúde e saúde dos outros, cumpra todos as orientações e use máscara. É obrigatório! Em tempo de pandemia, não nos responsabilizamos, nesta igreja, por possíveis contágios.

* Não toque nas portas ou em qualquer superfície. Mesmo assim, não esqueça de lavar as mãos. À entrada e à saída da igreja foi colocado um dispensador de gel desinfectante. 

Ouso aconselhar a que usemos sempre máscaras. É para protecção mútua. Para além disso, quero oferecer uma viseira a todos os sacerdotes. Está disponível nos Serviços Centrais. Agradeço aos arciprestes que verifiquem se todos os sacerdotes do arciprestado a levantaram e que se responsabilizem pela entrega. É mais um sinal para encararmos a situação com esmerada preocupação. Usemo-la! É um sinal de amor aos nossos paroquianos e a todas as pessoas.

Concluindo, à medida que os dias vão passando corremos o risco de nos irmos desleixando. Não podemos condescender com facilitismos na nossa vida pessoal e na relação com os outros. Haverá sempre novas regras de higiene, saúde e segurança que deveremos conhecer e respeitar. As restrições não condicionam a liberdade quando sabemos que um bem maior está em causa.

Nada nos impede de criar novos hábitos pastorais, uma vez que a sociedade não vai ser o que era. Muita coisa vai mudar. A renovação inadiável que estamos a interpretar sugere-nos que aproveitemos este tempo para ultrapassar rotinas já não adequadas e criarmos novos dinamismo que manifestem uma pastoral em consonância com a época nova que vivemos. Temos a responsabilidade de antecipar os tempos. Não tenhamos medo e sejamos audazes, sempre abertos a novas experiências. 

Muita coisa nova deverá acontecer, desde que sejamos dóceis ao Espírito Santo. Ousemos inovar numa criatividade pastoral fiel à doutrina eclesial. Posteriormente, partilhe quanto experimentou. Saberemos, juntos, encontrar um caminho novo para a pastoral arquidiocesana.

O fundamental é que estes tempos se tornem uma graça para que, como crentes, cresçamos no conhecimento e vivência da Palavra, assim como no amor concreto aos outros, conscientes de que isto poderá exigir muitos sacrifícios e renúncias a gostos e hábitos. Trabalhemos para que isso aconteça. Vivamos o presente a pensar num futuro novo. Façamo-lo com muita alegria e unidade. A crise não nos atemoriza, desde que consolidemos os laços que, sacramental e existencialmente, nos unem. Acredito, seriamente, que sairemos deste momento muito mais unidos e empenhados na alegria do anúncio do Evangelho.

Sigamos o exemplo de S. Bartolomeu dos Mártires. Estimulemo-nos e estimulemos os outros. Iluminemos o mundo que nos rodeia com o nosso compromisso feliz e apaixonante.

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


DIOCESEDEBRAGA

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