«Fé e solidariedade juntas fazem milagres»: Lech Walesa escreve sobre S. João Paulo II

A estrada comum, a história comum, os sonhos comuns, as ações comuns, um só objetivo: o bem do ser humano. E depois o nosso destino, o destino da Polónia tão próxima do nosso coração e – à luz desta proximidade – o destino do mundo que muda através da obra dos seres humanos, mas nem sempre para o seu bem. Mudar o rosto desta terra, restituí-la, respeitá-la, amá-la com fé, esperança e caridade. Deu-nos o verbo, e nós traduzimo-lo em vitória.

Fé e solidariedade juntas fazem milagres. O comunismo agia segundo uma filosofia simples: não permitir às pessoas unirem-se, organizarem-se em torno a uma ideia comum, na luta pacífica. O mundo inteiro dizia-nos: parem de fazer disparates, cada passo que dão é controlado no vosso país por duzentos mil militares soviéticos, à volta da Polónia há mais de um milhão, há silos cheios de armas nucleares.

Os movimentos pela liberdade não tinham qualquer possibilidade de derrotar o comunismo, mas então chegou João Paulo II. A eleição do papa polaco e a sua primeira peregrinação à Polónia, em 1979, mudaram o curso dos acontecimentos, de repente demo-nos conta de quantos éramos e que tudo era possível.

Este despertar impeliu os polacos a fazerem-se guiar por pequenos grupos de oposição, que confluíram depois num movimento muito forte como o Solidarność. Sem o papa polaco nunca teríamos sido capazes de nos organizarmos, não teríamos vencido.

Graças ao santo padre insurgimo-nos com fé e integridade moral, sempre fiéis à ideia da luta pacífica. Devemos muitíssimo ao papa. Como teriam acontecido as coisas se o cardeal Karol Wojtyla não se tivesse tornado papa? Um dia o comunismo haveria, de qualquer maneira, de cair, mas provavelmente com derramamento de sangue.

João Paulo II contribuiu para a queda do muro de Berlim e ao desmoronamento de todo o sistema. Exortou a sociedade a protestar, mas também a fazê-lo de uma maneira inteligente, pacífica e honesta. Defendeu sempre os pobres e os oprimidos, opunha-se com força e convicção aos conflitos armados, às guerras e injustiças, à repressão dos povos e dos indivíduos. Para ele, cada um era único e importante.

Encontrei-me com o santo padre muitas vezes. Estes encontros eram sempre emocionantes e comoventes, mas nunca lhes faltava uma substancial troca de opiniões. Tenho de dizer, francamente, que nos compreendíamos sem palavras, e sobre questões que os outros discutiam durante semanas sem chegarem a acordo, nós conseguíamos entender-nos em pouquíssimo tempo na plena compreensão, aceitação recíproca e satisfação para ambas as partes.

Estou convicto de que o Espírito Santo sempre guiou e continua a guiar as ações da Igreja e das pessoas graças às quais se podem fazem coisas que pareciam impossíveis, mudar fronteiras, mudar pessoas, mudar o rosto da Terra, desta terra. João Paulo II é um personagem absolutamente excecional que permanecerá para sempre no meu coração. 

Lech Walesa
Cofundador do sindicato Solidariedade, prémio Nobel da Paz, ex-presidente da Polónia
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: S. João Paulo II e Lech Walesa | D.R.
Publicado em 18.05.2020

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