Os padres devem ter «a coragem de sair e ir aos doentes, levando
a força da Palavra de Deus e a Eucaristia, e acompanhar os agentes de
saúde, os voluntários , no trabalho que estão a fazer».
Na pequena capela da residência de Santa Marta, onde celebra privadamente a missa todas as manhãs, o papa Francisco lançou um vigoroso apelo na passada semana, quando a Itália, e outros países poucos dias depois, se confinaram, na tentativa de travar a propagação do coronavírus, e as missas comunitárias foram suspensas.
É preciso, portanto, continuar a visitar os doentes, a qualquer preço e com o risco da própria saúde, mas sobretudo com o risco da saúde das pessoas mais frágeis, às quais o vírus poderá ser transmitido? Por outras palavras: é preciso seguir os convites à prudência, ou obedecer ao imperativo evangélico de estar presente junto dos doentes?
Longe da igreja na hora do adeus
Em muitas dioceses seguem-se as disposições governativas, e foram suspensas as visitas para levar a Eucaristia aos doentes, e os velórios realizam-se no próprio dia do funeral, e são restringidos a familiares. Cada vez com maior frequência aqueles que morrem por causa do contágio do coronavírus são conduzidos diretamente ao cemitério, onde é celebrado o rito breve da sepultura, sem se passar pela igreja.
Segundo o médico reformado François Pernin, comprometido na diocese de Ajaccio, que já tem quatro dezenas de casos, «a exortação do papa não é boa ideia». «Até irresponsável», define-a Pernin, porque «ser-se pessoalmente responsável significa não expor-se inutilmente. Só se conseguirá travar o contágio se se seguirem estritamente as disposições das autoridades».
Em Lodi, epicentro da infeção que atingiu toda a região da Lombardia, o P. Alberto Curioni, responsável pela pastoral da saúde da diocese, obedece desde há duas semanas, «com sofrimento», à imposição de suspender as visitas aos doentes nos hospitais para levar a comunhão. «O objetivo é colaborar e conter o contágio», mas, sublinha, «a visita aos doentes graves no domicílio continua a ser legítima para nós, padres».
Semear o bem no meio do mal
«Seria curioso que deixássemos de ser cristãos pelo facto de termos de combater o mal», afirma num comunicado D. Luc Ravel, bispo de Estrasburgo, uma das dioceses onde as missas comunitárias foram suspensas. «Não somos nós, cristãos, precisamente chamados a isto com a graça de Cristo? Semear o bem no meio do mal, a calma no coração da tempestade, a coragem onde reina o medo?». É verdade que nesta «luta contra a propagação» do vírus «devemos colaborar totalmente com o Estado e com os municípios que têm a responsabilidade pelo bem de todos». E isto pode pedir-nos «renunciar temporariamente» às celebrações comunitárias.
«Mas a missão não se detém ampliando-se as medidas restritivas.» Antes, este tempo deve convidar-nos a refletir sobre as «modalidades novas com as quais podemos apoiar os mais frágeis, que arriscam viver mal o seu isolamento, para partilhar a Palavra de Deus através dos textos, para construir cadeias de oração, etc.». Como estão a fazer os capelães dos hospitais nas zonas em que é interdita a visita aos doentes.
Manter laços com a oração
«Os membros do Serviço Evangélico aos Doentes contactam aqueles que habitualmente visitam para lhes dizer que não os esqueceram, e que mantêm viva uma relação com eles na oração», diz Claudine Pabst, delegada para a pastoral da saúde da diocese de Estrasburgo. «É muito doloroso renunciar à visita aos doentes que sofrem e estão sós», salienta Lucien Lebon, voluntário da capelania do hospital de Beauvais. «Mas nestes últimos dias fiz um discernimento sobre isso na oração. Perguntei-me: o que é certo aos olhos de Deus? A partir do momento que poderei ser contagiado sem o saber, e que, consequentemente, poderei contagiar outras pessoas frágeis, não tenho o direito de assumir este risco».
«Não é preciso tentar Deus não tomando as devidas precauções», afirma o jesuíta François Fuvé, chefe de redação da revista “Études”. «É verdade que durante as grandes pestes, os cristãos foram muitas vezes aqueles que em primeiro lugar levaram socorro aos doentes ou assistiram os moribundos. Mas na sociedade medieval o “sistema de saúde” era gerido pela Igreja. Não vivemos nesse tempo, e hoje tratar requer competências específicas. Aquilo que os cristãos podem e devem fazer absolutamente é evitar que a epidemia se espalhe, sobretudo em detrimento dos mais fracos.» «Pode exercer-se a solidariedade também de maneiras diferentes da visita aos doentes, assegurando o apoio educativo às crianças se as escolas estiverem fechadas; ou organizando cursos para pessoas idosas e sós», acentua o médico corso François Pernin, que apesar de estar reformado, foi chamado a ajudar os colegas.
Tempo de conversão
Os cristãos podem manifestar a sua empatia com as pessoas em sofrimento. Em Crépy-en-Valois, o pároco – P. Guillaume Devaux – já foi chamado seis vezes para exéquias de pessoas falecidas por causa do coronavírus. «O contexto atual aumenta o desconforto destas famílias. Não só perdem uma pessoa que lhes é querida, mas a ninguém é permitido ir às exéquias, e isto transmite a sensação de que estão “empestados”. As famílias são muito sensíveis à presença da Igreja neste momento: devemos testemunhar-lhes a compaixão de Cristo».
As instruções transmitidas às pessoas mudam de dia para dia, ao ritmo da evolução da epidemia e dos conhecimentos que se adquirem sobre ela. Diz o P. Arnaud Calonne: «Procuro viver tudo isto espiritualmente, como um caminho de Quaresma, para aprender a docilidade, a confiança, e o colocar-me na graça de Deus. Estes dias pedem-nos profundamente para serem vividos como um tempo de conversão».
Na pequena capela da residência de Santa Marta, onde celebra privadamente a missa todas as manhãs, o papa Francisco lançou um vigoroso apelo na passada semana, quando a Itália, e outros países poucos dias depois, se confinaram, na tentativa de travar a propagação do coronavírus, e as missas comunitárias foram suspensas.
É preciso, portanto, continuar a visitar os doentes, a qualquer preço e com o risco da própria saúde, mas sobretudo com o risco da saúde das pessoas mais frágeis, às quais o vírus poderá ser transmitido? Por outras palavras: é preciso seguir os convites à prudência, ou obedecer ao imperativo evangélico de estar presente junto dos doentes?
Longe da igreja na hora do adeus
Em muitas dioceses seguem-se as disposições governativas, e foram suspensas as visitas para levar a Eucaristia aos doentes, e os velórios realizam-se no próprio dia do funeral, e são restringidos a familiares. Cada vez com maior frequência aqueles que morrem por causa do contágio do coronavírus são conduzidos diretamente ao cemitério, onde é celebrado o rito breve da sepultura, sem se passar pela igreja.
Segundo o médico reformado François Pernin, comprometido na diocese de Ajaccio, que já tem quatro dezenas de casos, «a exortação do papa não é boa ideia». «Até irresponsável», define-a Pernin, porque «ser-se pessoalmente responsável significa não expor-se inutilmente. Só se conseguirá travar o contágio se se seguirem estritamente as disposições das autoridades».
Em Lodi, epicentro da infeção que atingiu toda a região da Lombardia, o P. Alberto Curioni, responsável pela pastoral da saúde da diocese, obedece desde há duas semanas, «com sofrimento», à imposição de suspender as visitas aos doentes nos hospitais para levar a comunhão. «O objetivo é colaborar e conter o contágio», mas, sublinha, «a visita aos doentes graves no domicílio continua a ser legítima para nós, padres».
Semear o bem no meio do mal
«Seria curioso que deixássemos de ser cristãos pelo facto de termos de combater o mal», afirma num comunicado D. Luc Ravel, bispo de Estrasburgo, uma das dioceses onde as missas comunitárias foram suspensas. «Não somos nós, cristãos, precisamente chamados a isto com a graça de Cristo? Semear o bem no meio do mal, a calma no coração da tempestade, a coragem onde reina o medo?». É verdade que nesta «luta contra a propagação» do vírus «devemos colaborar totalmente com o Estado e com os municípios que têm a responsabilidade pelo bem de todos». E isto pode pedir-nos «renunciar temporariamente» às celebrações comunitárias.
«Mas a missão não se detém ampliando-se as medidas restritivas.» Antes, este tempo deve convidar-nos a refletir sobre as «modalidades novas com as quais podemos apoiar os mais frágeis, que arriscam viver mal o seu isolamento, para partilhar a Palavra de Deus através dos textos, para construir cadeias de oração, etc.». Como estão a fazer os capelães dos hospitais nas zonas em que é interdita a visita aos doentes.
Manter laços com a oração
«Os membros do Serviço Evangélico aos Doentes contactam aqueles que habitualmente visitam para lhes dizer que não os esqueceram, e que mantêm viva uma relação com eles na oração», diz Claudine Pabst, delegada para a pastoral da saúde da diocese de Estrasburgo. «É muito doloroso renunciar à visita aos doentes que sofrem e estão sós», salienta Lucien Lebon, voluntário da capelania do hospital de Beauvais. «Mas nestes últimos dias fiz um discernimento sobre isso na oração. Perguntei-me: o que é certo aos olhos de Deus? A partir do momento que poderei ser contagiado sem o saber, e que, consequentemente, poderei contagiar outras pessoas frágeis, não tenho o direito de assumir este risco».
«Não é preciso tentar Deus não tomando as devidas precauções», afirma o jesuíta François Fuvé, chefe de redação da revista “Études”. «É verdade que durante as grandes pestes, os cristãos foram muitas vezes aqueles que em primeiro lugar levaram socorro aos doentes ou assistiram os moribundos. Mas na sociedade medieval o “sistema de saúde” era gerido pela Igreja. Não vivemos nesse tempo, e hoje tratar requer competências específicas. Aquilo que os cristãos podem e devem fazer absolutamente é evitar que a epidemia se espalhe, sobretudo em detrimento dos mais fracos.» «Pode exercer-se a solidariedade também de maneiras diferentes da visita aos doentes, assegurando o apoio educativo às crianças se as escolas estiverem fechadas; ou organizando cursos para pessoas idosas e sós», acentua o médico corso François Pernin, que apesar de estar reformado, foi chamado a ajudar os colegas.
Tempo de conversão
Os cristãos podem manifestar a sua empatia com as pessoas em sofrimento. Em Crépy-en-Valois, o pároco – P. Guillaume Devaux – já foi chamado seis vezes para exéquias de pessoas falecidas por causa do coronavírus. «O contexto atual aumenta o desconforto destas famílias. Não só perdem uma pessoa que lhes é querida, mas a ninguém é permitido ir às exéquias, e isto transmite a sensação de que estão “empestados”. As famílias são muito sensíveis à presença da Igreja neste momento: devemos testemunhar-lhes a compaixão de Cristo».
As instruções transmitidas às pessoas mudam de dia para dia, ao ritmo da evolução da epidemia e dos conhecimentos que se adquirem sobre ela. Diz o P. Arnaud Calonne: «Procuro viver tudo isto espiritualmente, como um caminho de Quaresma, para aprender a docilidade, a confiança, e o colocar-me na graça de Deus. Estes dias pedem-nos profundamente para serem vividos como um tempo de conversão».
Clémence Houdaille
In Settimana News
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Artem Bolshakov/Bigstock.com
Publicado em 18.03.2020
SNPC
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