Uma história que não esteja suficientemente ligada às dinâmicas
reais da vida não se sustém, não convence, fica velha mesmo antes de
nascer. Sobretudo hoje, precisamos de ligar a língua à experiência.
Aquilo que escrevemos e dizemos deveria brotar da nossa existência, e ser legitimado por aquilo que fazemos. De outro modo, há o risco de uma expressão instrumental, estéril, privada de força e de substância.
Tudo isto vale também para a oração, e ainda mais num tempo de deserto e de radical jejum como este: jejum eucarístico, jejum de todas as falsas seguranças e da aparente tranquilidade da vida de “antes”, jejum forçado das habituais maneiras de comunicar. «Canta-me alguma coisa igual à vida», escreve o poeta Mario Luzi; a isto são chamados agora também grupos, paróquias, sacerdotes, religiosos, simples grupos de amigos que querem ajudar-se a suportar, a “portar juntos” a angústia e a distúrbio que atinge todos.
As palavras de antes, só por si não chegam, são precisos testemunhos, imagens, vozes, ficheiros áudio, vídeos artesanais publicados à pressa para repetir que aquilo que tínhamos como verdadeiro continua agora verdadeiro. Nascem grupos no Whatsapp e recorre-se às ligações por Skype para ajuda mútua à oração, com o convite aos encontros em horários fixos durante o dia para trocar conselhos práticos. Um pai canta para a sua filha «um deserto me parece a cidade… mas Deus lá em cima permanece»; canta e toca a guitarra na varanda de casa, sem medo de fazer uma ou outra fífia; para que ela não se assuste, para a fazer sorrir; o importante é ela, a sua filha, não a sua performance.
Religiosas internautas organizem encontros virtuais para os jovens, jogos, fóruns de debate, e partilham antigos cantos em gregoriano, a par de sugestões práticas para procurar no Zoom ou no Google Meet.
Aquilo que escrevemos e dizemos deveria brotar da nossa existência, e ser legitimado por aquilo que fazemos. De outro modo, há o risco de uma expressão instrumental, estéril, privada de força e de substância.
Tudo isto vale também para a oração, e ainda mais num tempo de deserto e de radical jejum como este: jejum eucarístico, jejum de todas as falsas seguranças e da aparente tranquilidade da vida de “antes”, jejum forçado das habituais maneiras de comunicar. «Canta-me alguma coisa igual à vida», escreve o poeta Mario Luzi; a isto são chamados agora também grupos, paróquias, sacerdotes, religiosos, simples grupos de amigos que querem ajudar-se a suportar, a “portar juntos” a angústia e a distúrbio que atinge todos.
As palavras de antes, só por si não chegam, são precisos testemunhos, imagens, vozes, ficheiros áudio, vídeos artesanais publicados à pressa para repetir que aquilo que tínhamos como verdadeiro continua agora verdadeiro. Nascem grupos no Whatsapp e recorre-se às ligações por Skype para ajuda mútua à oração, com o convite aos encontros em horários fixos durante o dia para trocar conselhos práticos. Um pai canta para a sua filha «um deserto me parece a cidade… mas Deus lá em cima permanece»; canta e toca a guitarra na varanda de casa, sem medo de fazer uma ou outra fífia; para que ela não se assuste, para a fazer sorrir; o importante é ela, a sua filha, não a sua performance.
Religiosas internautas organizem encontros virtuais para os jovens, jogos, fóruns de debate, e partilham antigos cantos em gregoriano, a par de sugestões práticas para procurar no Zoom ou no Google Meet.
Ao lado das litanias dos santos (S. Roque domina as dez mais, mas há
também S. Giuseppe Moscati e os santos médicos Cosme e Damião), surgem
vídeos burlescos sobre máscaras improváveis improvisadas
Também os médicos e enfermeiros precisam de sentir o calor, o apoio de quem está do lado de fora. E quem está do lado de fora precisa de saber que aquilo em que acredita permanece válido, mesmo quando a batalha se encarniça, entre os ventiladores de uma enfermaria Covid-19. Por isso, na carta em que se comunica que, este ano, os exercícios espirituais de uma comunidade de católicos serão diferentes do habitual, de forma remota, não se pode deixar de incluir o testemunho de uma médica que narra o seu trabalho no hospital:
«De repente, fui catapultada para as trincheiras. Parece que estamos em guerra. Entre mim e os meus doentes está uma máscara, uma viseira, e o seu escafandro. Muitas vezes são idosos, e vivem sozinhos este momento. E os parentes, isolados em casa, não podem assistir a sua pessoa querida, e recebem telefonemas na noite em que lhes comunico a morte do seu familiar; entre mim e eles está um telefone. E eu, que posso fazer por eles, humanamente, como cristã? (…) Sou chamada a reconhecer o essencial, o verdadeiro. A certeza que sustenta a nossa vida é um ligame, e há um caminho a fazer para chegar a esta certeza definitiva. A fé é confiar que Ele nos está a chamar. Só quando domina uma esperança fundada somos capazes de enfrentar as circunstâncias sem fugir; é esta certeza que posso dar aos meus doentes, aos familiares, além de fornecer os tratamentos médicos».
Ao lado das litanias dos santos (S. Roque domina as dez mais, mas há também S. Giuseppe Moscati e os santos médicos Cosme e Damião), surgem vídeos burlescos sobre máscaras improváveis improvisadas.
O teatro e a música tornam-se oração nos muitos excertos de obras-primas partilhadas nas redes sociais, e a oração torna-se teatral e musical em sentido profundo; precisa de brotar da vida real das pessoas, de ter carne e sangue para ser verdadeiramente aquilo que é chamada a ser, um grito do ser humano a Deus, “de profundis”, do profundo do mistério do seu ser. Lágrimas e sorrisos entretecem-se nos nossos "e-mails", nos ecrãs que brilham no escuro.
As várias plataformas digitais que povoam os nossos telemóveis marcam o compasso do tempo e repetem-nos que o tempo tem um sentido, a Grande Beleza continua a existir, como o Céu, mesmo que agora só se vejam nuvens. Mesmo no caso mais difícil em absoluto, quando o destinatário da mensagem tem um familiar ou amigo que não é candidato à reanimação porque está em estado terminal. «A morte é o último dom que fazemos aos outros, como morremos permanece na memória de todos. A morte obriga-nos a dar tudo, querendo ou não querendo. O dom que podem fazer-nos as pessoas que estão a morrer agora é de fazer-nos compreender a importância da relação com quem já morreu, para permanecermos verdadeiramente humanos», escreve o monge Guidalberto Bormolini.
Silvia Guidi
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Mangostar/Bigstock.com
Publicado em 16.03.2020
SNPC
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