A nossa casa está fechada, mas no coração cabe o mundo inteiro: O «amor estreito» da comunhão

Na belíssima poesia eucarística “Ovelha perdida”, de Luis de Góngora, um dos grandes representantes do “Século d’Ouro” espanhol, há uma passagem que diz: «O que dará maior assombro?/ Que seja eu a levar-te aos ombros/ ou que sejas tu a levar-me no peito?/ De amor estreito garantias são/ que também os mais cegos veem».
No meio da crise sanitária e social que nos oprime, a referência de Góngora ao «amor estreito» abre um caminho e oferece uma chave para viver este tempo de isolamento, separação e distância entre nós, indo ainda mais fundo nas nossas relações e na nossa maneira de amar e de cuidarmos uns dos outros.
Muitos escrevem e fazem referência nestes dias à dureza do silêncio que acompanha esta quarentena social e ao sofrimento provocado pelas medidas de proteção para evitar o contágio. Não podemos tocar os nossos entes queridos, muito menos aqueles que estão doentes e os mais vulneráveis, incluindo aqueles que deixam este mundo… Não podemos visitá-los, abraçá-los, no máximo falamos-lhes atrás de uma máscara que nos esconde o rosto. Somos obrigados a passar muito tempo sós, em silêncio, aturdidos por notícias que, em muitos casos tornam mais agudo o vazio, semanas de espera sem saber quando tudo isto terminará.
É o tempo do «amor estreito» de que fala a poesia, quando aqueles que mais amamos podem acompanhar-se na forma mais profunda em que o ser humano pode amar: na interioridade, no coração, através da memória do afeto, na presença íntima que o amor cria dentro de nós, e faz que os outros, as pessoas a nós queridas, não só nos façam companhia de fora, mas verdadeiramente habitem em nós, vivam em nós por dentro. É a graça da inabitação. É a alegria da comunhão eucarística.


Convoca todos, convida todos, deixa que a casa se encha. É o sinal da vinda do Reino



Dizer o nome daqueles que amamos – e que talvez vivam muito próximos, na nossa própria cidade, mas com quem há muito não podemos estar; ou talvez distantes, e isso angustia-nos e preocupa-nos muito, e sentimos a sua falta –, recordar os seus rostos, guardar no coração a vida com eles, o seu afeto, o perfume, a voz, os gestos, trazer dentro de si a felicidade compartilhada, o espanto de os ter tido, de os continuar a ter ainda hoje, permitirá que, lentamente, a interioridade se preencha da sua presença viva, e assim o vazio, a solidão, a ausência, o medo, o silêncio negativo se transformem, pouco a pouco, num espaço de encontro e de oportunidade para o amor, um amor mais autêntico e conscientes inclusive do que aquele que exprimimos ao tocar e abraçar.
Aquilo que vivemos pela fé na comunhão com Deus estende-se aos irmãos por meio da comunhão dos santos. O ser humano é uma morada, uma casa em que muitos podem entrar e habitar e acomodar a sua tenda. Somos feitos para esta comunhão, para sermos habitados. É necessário abrir a porta interior e conduzi-los todos para dentro, até ao coração, os amigos e os familiares, as pessoas que amamos e que, agora, não são alcançáveis pelas nossas mãos.
É possível deixar entrar também todos aqueles que estão sós e têm fome de companhia e de ternura. E talvez, quando ouvirmos as notícias ou virmos a televisão, ou quando nos abeirarmos da varanda, possamos receber a visita de cada rosto e de cada vida. Convoca todos, convida todos, deixa que a casa se encha. É o sinal da vinda do Reino (cf. Lucas 14,23).
Viver a graça do «amor estreito» é permitir a cada pessoa que amamos de ser mais íntima a nós do que a nossa própria intimidade.


Carolina Blazquez Casado
Priora do Mosteiro da Conversão, Sotillo de la Drada, Ávila, Espanha
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: elwynn/Bigstock.com
Publicado em 23.03.2020


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