Santuário recorre à comédia para que a Quaresma seja levada a sério

O santuário de Nossa Senhora de Montligeon, em França, criado no final do século XIX, é conhecido como «centro mundial de oração pelos defuntos”.
Na internet, presente com uma página e um perfil no Facebook, os monges têm ganho ultimamente popularidade e ressonância mediática para além do que lhes era habitual.
O mérito deve-se ao vídeo de um minuto, publicado a 4 de fevereiro, que tem como protagonista Bertrand Lesoing, um dos padres que animam a vida litúrgica e pastoral do santuário, e que visa promover um percurso quaresmal que prevê o envio diário, por via digital, de uma breve meditação bíblica e de um propósito para o dia.
No senso comum, a Quaresma, terá pensado o religioso, identifica-se com os dois jejuns da Quarta-feira de Cinzas e de Sexta-feira Santa, a par da abstinência das carnes a cada sexta-feira, ainda que a comunidade cristã, e seguramente os peregrinos de Montligeon, saibam que ela é muito mais do que isso.
Por outro lado, os “snacks” e doces simbolizam eficazmente todos os consumos supérfluos, embora se saiba que o pecado pessoal da gula remete para muitos outros pecados sociais.
É perante estes pressupostos que no vídeo vamos encontrar o P. Lesoing, sentado à sua secretária, advertindo que a Quaresma é «um tempo privilegiado para aprender a distanciar-se de determinados bens de consumo», para «redescobrir o sentido de uma sobriedade feliz, sem frenesim nem precipitação».
Ao mesmo tempo que lança estes alertas e fala da necessidade da «serenidade» para viver a Quaresma, vai enchendo a boca, de modo teatralmente compulsivo, com chocolates, caramelos e snacks de todo o género, até à última declaração, já depois de ter saído de cena: «Que bons!».
«[A Quaresma] é um tempo de conversão, que nos recorda os quarenta dias de jejum e de tentação de Cristo no deserto. Com Ele, somos chamados a viver um tempo de renúncia, de partilha e de oração. Um tempo para voltar ao essencial. Um tempo para alimentar a nossa fé. Um tempo para nos prepararmos para melhor viver os acontecimentos da paixão, morte e ressurreição de Cristo», lê-se na página do mosteiro.
A distância entre estas palavras e os gestos – sobretudo vindos de uma figura, o padre, da qual se espera um pouco mais de coerência –, a par da qualidade da interpretação, geram um notável efeito cómico. Sem “engolir” o valor da Quaresma.


 

Guido Mocellin
In Avvenire
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 21.02.2020

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