Quando eu pedir a morte, abracem-me

Daqui a uns anos, se viver até lá, espero que os meus filhos tomem conta de mim. Não quero ir para um lar, ficam já a saber: quero morrer perto, com a minha família por perto.
Farei tudo por isso e rezo para que também o façam. Espero que tenham paciência para me aturar sempre que eu fizer dez vezes a mesma pergunta, quando eu perder o juízo, entornar a sopa e levantar-me a meio da noite para fazer a cama. E também espero que me mintam sobre os resultados das análises. Quero que poupem o meu sofrimento e não me levantem a voz. Se tiverem de me lavar, alimentar, transportar, tratar, que o façam com jeito e com amor. Sem impaciência, sem rispidez. No fundo, espero que tenham piedade de mim e que me mimem como os meus pais me mimaram. Vocês são seis, podem dividir o sacrifício por todos e compensar a ausência dos que têm mais que fazer. São seis também por causa disso: para poderem partilhar as coisas más com menos sacrifício e as boas com muito mais alegria, até os pais.
E se eu estiver a sofrer, a sofrer mesmo muito, deixem-me morrer em paz, mas não me matem. Mesmo que a eutanásia seja legal, não deixem, nem me deixem pedi-la. Curem o meu sofrimento com amor e companhia, com cuidado, e aliviem-me a dor para afastar o desespero. O meu e o vosso. Mas não me matem. Quando eu morrer que seja pela doença que me está a matar e não porque a quis matar acabando com a minha vida. Quero morrer com dignidade e não por desespero. Por isso não acreditem quando vos disser que não vale a pena, que a minha vida não vale a pena, que a minha vida não vale o meu sofrimento. Se eu disser isto, mesmo que chore a dizer isto, estou a mentir: é para vos querer livrar do meu sofrimento, porque tenho vergonha da minha fragilidade, porque sou o vosso peso. Será por vocês que implorarei e não por mim. Por mim, ficarei com vocês até ao fim, mesmo a sofrer; prefiro que cuidem de mim, mesmo que não me tratem. Não quero ser um fardo, mas se calhar vou ser. De certeza que vou ser, é a vida. E quando a batalha estiver perdida, deixem a doença levar-me, larguem-me. Não sei se quero despedidas, acho que não. Disfarcem a minha morte, por favor.
Espero que daqui a uns anos, se eu viver até lá e se for legal vocês matarem-me mesmo que seja para acabar com o meu sofrimento e porque eu vos peço, não me oiçam, não me matem. Se a lei não me proteger, protejam-me vocês. Quando eu pedir a morte, abracem-me, não me matem.

DN

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