As crianças podem rezar de coração a coração com Deus? Sim,
responde Anne-Marie Le Bourhis, formadora de catequistas e membro do
instituto secular Notre-Dame de Vie, em Venasque, próximo da cidade
francesa de Marselha.
Propõe conduzir as crianças a um tempo de oração silenciosa durante a sua formação catequética. Porquê?
O propósito de toda a catequese é colocar alguém não apenas em contacto, mas também em comunhão, em intimidade com Jesus Cristo: «Só Ele (…) nos pode fazer participar na vida da Trindade Santa», dizia João Paulo II na “Catechesi tradendae”. A oração interior, portanto silenciosa, é uma das formas de oração que permite religar-nos a Deus. Nos anos 60, educadoras do pré-escolar perguntaram ao P. Marie-Eugène do Menino Jesus, fundador do Instituto Notre-Dame de Vie, como fazer para rezar com os pequenos. Ele encorajou-as: «As crianças são capazes de Deus… Conhecê-lo e amá-lo é a experiência fundamental a propor-lhes». Começou então, com as crianças, uma longa experiência de aprendizagem do diálogo de amor com Deus. Não sem dificuldades.
Esta aprendizagem da vida interior não se tornou um verdadeiro desafio em 2020?
A oração interior é mais difícil de transmitir hoje. A sociedade impele sem cessar para o exterior e não facilita a interiorização. Distraídas por múltiplas solicitações, as crianças mostram-se muitas vezes agitadas e pouco concentradas. Outra das razões é que a fé das crianças é levada pela fé dos adultos. Elas começam naturalmente pera oração vocal ou gestual (por exemplo, dando um beijo a Jesus), porque elas observam e imitam a oração dos seus pais.
Porque é que as crianças estão tão pouco à vontade com o silêncio?
Para as crianças, o silêncio é muitas vezes sinónimo de ausência. Elas vivem, por vezes, coisas duras, têm medos, angústias… Não querem ficar sozinhas face a elas. É bom fazer-lhes descobrir, aos poucos, que o silêncio é habitado e revela-lhes Alguém que as ama, que as compreende, que lhes faz bem e que as quer felizes. Por vezes talvez esqueçamos que a oração diz respeito à pessoa na sua integralidade. Desenvolver uma antropologia cristã que manifesta a beleza da pessoa, imagem de Deus, capaz de relações, e introduzir a grandeza do seu projeto de amor no mundo não será uma das urgências atuais? A questão não é apenas «quem sou eu?», mas «para quem sou eu?».
A partir de que idade se pode conduzir à criança à interioridade?
Isso supõe uma progressão de acordo com a sua maturidade psicológica e espiritual. É possível fazer algumas experiências de oração silenciosa a partir dos 5-6 anos. Mas, geralmente, um ponto de viragem ocorre pela idade da razão, em que a criança coloca questões existenciais. Por exemplo: «Tu disseste-me que Deus é que fez tudo. E Deus, quem o fez?». É preciso acompanhá-la e ensiná-la a ter confiança em Deus, que ela não vê nem ouve, e introduzi-la no mistério da fé: «Com Deus, é normal, não podes explicar tudo. Quanto mais avançares, mais questões terás sobre Deus, e isso está muito bem. Mas a um dado momento, Deus chamar-te-á a dares um salto na fé, a acreditar nele. Ele revelar-se-á a ti, e far-te-á compreender quem Ele é e quanto te ama».
Todas as crianças são chamadas a esta oração?
As crianças batizadas receberam todo “o equipamento necessário”: a fé, a esperança e a caridade, bem como a capacidade de receber os dons do Espírito Santo. Este dom do Batismo permite entrar livremente num verdadeiro intercâmbio com o Senhor. Obviamente, Deus é livre de intervir fora dos sacramentos… O seu desejo é de se dar, de converter o coração de cada pessoa. Que ela se possa assemelhar cada vez mais a Jesus Cristo.
Quais são os desafios do encontro pessoal com Jesus?
Este encontro permite fazer a experiência de amor do Senhor no fundo do coração. Em primeiro lugar, ele transfora o ser e a vida. Algumas crianças vivem por vezes tragédias. Recordo-me de uma delas me confiar: «A minha mãe detesta-me e diz-me isso todas as manhãs». Quando a criança descobre o amor eterno e gratuito de Deus por ela, nasce uma esperança.
O encontro pessoal com o Senhor pode também viver-se em qualquer lugar, nas férias, com os outros… Uma vez, uma criança estava sentada no coração do recreio. Perguntei-lhe: «Não estás a brincar, estás doente?». Respondeu: «Estás a perturbar-me, estou numa grande conversa com Deus!». Este encontro é sempre possível, em todo o lugar, e atravessa o tempo e as experiências humanas.
Como preparar um tempo de oração silenciosa?
É importante que o enquadramento seja bonito, calmo e sóbrio, com algumas imagens belas, mas não em demasia, senão a criança só olhará para os detalhes.
Na oração, o lugar do corpo é importante. A exemplo dos amigos de Deus, a criança aprende como os seus gestos têm sentido e se tornam sagrados. Mais vale não enclausurar a criança numa posição imóvel.
A oração interior é um caminho pessoal. Evitemos fazer que a criança reze custe o que custar, e interroguemo-nos: ou está o lugar da sua resposta de amor livre?
A criança deve também estar disponível. Como poderá ela rezar se está demasiado inquieta, se não pôde exprimir antes aquilo que a preocupa?
Uma vez bem instalada, pode nutrir-se a sua inteligência com a Palavra de Deus, que a levará para o diálogo vivo com o Senhor. O contacto estabelecer-se-á através de um ato de fé, de esperança e de caridade: é a parte do ser humano. A parte de Deus não lhe pertence, ultrapassa tudo.
A interioridade não á algo que se adquire de uma vez por todas, ela tem de ser retomada sem cessar, reatualizada em todas as idades. A relação com Deus evolui, e isso leva toda a vida. Vale a pena semeá-la no coração da criança. O papa Francisco disse, a 28 de junho de 2019: «Ensinai as crianças a orar. Porque elas chegam muito depressa ao Coração de Jesus. Jesus quere-as. A oração é um grande caminho para avançar na vida».
Pistas para um tempo de oração interior (Véronique Bourillon)
- Preparar um espaço belo e fazer entrar as crianças em procissão, cada uma com uma vela.
- Apresentar-se a Jesus em voz alta: «Aqui estou eu, chamo-me…».
- Instalar-se tranquilamente e entoar um canto ao Espírito Santo escolhido pelas crianças.
- Fazer um ato de fé na presença do Senhor.
- Fechar os olhos e pedir às crianças para convidarem Jesus a entrar no seu coração.
- Colocar à sua disposição pequenas frases meditativas, que poderão ler de tempos a tempos, em alternância com o silêncio.
- Respeitar a oração das crianças e deixá-las ser protagonistas.
Propõe conduzir as crianças a um tempo de oração silenciosa durante a sua formação catequética. Porquê?
O propósito de toda a catequese é colocar alguém não apenas em contacto, mas também em comunhão, em intimidade com Jesus Cristo: «Só Ele (…) nos pode fazer participar na vida da Trindade Santa», dizia João Paulo II na “Catechesi tradendae”. A oração interior, portanto silenciosa, é uma das formas de oração que permite religar-nos a Deus. Nos anos 60, educadoras do pré-escolar perguntaram ao P. Marie-Eugène do Menino Jesus, fundador do Instituto Notre-Dame de Vie, como fazer para rezar com os pequenos. Ele encorajou-as: «As crianças são capazes de Deus… Conhecê-lo e amá-lo é a experiência fundamental a propor-lhes». Começou então, com as crianças, uma longa experiência de aprendizagem do diálogo de amor com Deus. Não sem dificuldades.
Esta aprendizagem da vida interior não se tornou um verdadeiro desafio em 2020?
A oração interior é mais difícil de transmitir hoje. A sociedade impele sem cessar para o exterior e não facilita a interiorização. Distraídas por múltiplas solicitações, as crianças mostram-se muitas vezes agitadas e pouco concentradas. Outra das razões é que a fé das crianças é levada pela fé dos adultos. Elas começam naturalmente pera oração vocal ou gestual (por exemplo, dando um beijo a Jesus), porque elas observam e imitam a oração dos seus pais.
Porque é que as crianças estão tão pouco à vontade com o silêncio?
Para as crianças, o silêncio é muitas vezes sinónimo de ausência. Elas vivem, por vezes, coisas duras, têm medos, angústias… Não querem ficar sozinhas face a elas. É bom fazer-lhes descobrir, aos poucos, que o silêncio é habitado e revela-lhes Alguém que as ama, que as compreende, que lhes faz bem e que as quer felizes. Por vezes talvez esqueçamos que a oração diz respeito à pessoa na sua integralidade. Desenvolver uma antropologia cristã que manifesta a beleza da pessoa, imagem de Deus, capaz de relações, e introduzir a grandeza do seu projeto de amor no mundo não será uma das urgências atuais? A questão não é apenas «quem sou eu?», mas «para quem sou eu?».
A partir de que idade se pode conduzir à criança à interioridade?
Isso supõe uma progressão de acordo com a sua maturidade psicológica e espiritual. É possível fazer algumas experiências de oração silenciosa a partir dos 5-6 anos. Mas, geralmente, um ponto de viragem ocorre pela idade da razão, em que a criança coloca questões existenciais. Por exemplo: «Tu disseste-me que Deus é que fez tudo. E Deus, quem o fez?». É preciso acompanhá-la e ensiná-la a ter confiança em Deus, que ela não vê nem ouve, e introduzi-la no mistério da fé: «Com Deus, é normal, não podes explicar tudo. Quanto mais avançares, mais questões terás sobre Deus, e isso está muito bem. Mas a um dado momento, Deus chamar-te-á a dares um salto na fé, a acreditar nele. Ele revelar-se-á a ti, e far-te-á compreender quem Ele é e quanto te ama».
Todas as crianças são chamadas a esta oração?
As crianças batizadas receberam todo “o equipamento necessário”: a fé, a esperança e a caridade, bem como a capacidade de receber os dons do Espírito Santo. Este dom do Batismo permite entrar livremente num verdadeiro intercâmbio com o Senhor. Obviamente, Deus é livre de intervir fora dos sacramentos… O seu desejo é de se dar, de converter o coração de cada pessoa. Que ela se possa assemelhar cada vez mais a Jesus Cristo.
Quais são os desafios do encontro pessoal com Jesus?
Este encontro permite fazer a experiência de amor do Senhor no fundo do coração. Em primeiro lugar, ele transfora o ser e a vida. Algumas crianças vivem por vezes tragédias. Recordo-me de uma delas me confiar: «A minha mãe detesta-me e diz-me isso todas as manhãs». Quando a criança descobre o amor eterno e gratuito de Deus por ela, nasce uma esperança.
O encontro pessoal com o Senhor pode também viver-se em qualquer lugar, nas férias, com os outros… Uma vez, uma criança estava sentada no coração do recreio. Perguntei-lhe: «Não estás a brincar, estás doente?». Respondeu: «Estás a perturbar-me, estou numa grande conversa com Deus!». Este encontro é sempre possível, em todo o lugar, e atravessa o tempo e as experiências humanas.
Como preparar um tempo de oração silenciosa?
É importante que o enquadramento seja bonito, calmo e sóbrio, com algumas imagens belas, mas não em demasia, senão a criança só olhará para os detalhes.
Na oração, o lugar do corpo é importante. A exemplo dos amigos de Deus, a criança aprende como os seus gestos têm sentido e se tornam sagrados. Mais vale não enclausurar a criança numa posição imóvel.
A oração interior é um caminho pessoal. Evitemos fazer que a criança reze custe o que custar, e interroguemo-nos: ou está o lugar da sua resposta de amor livre?
A criança deve também estar disponível. Como poderá ela rezar se está demasiado inquieta, se não pôde exprimir antes aquilo que a preocupa?
Uma vez bem instalada, pode nutrir-se a sua inteligência com a Palavra de Deus, que a levará para o diálogo vivo com o Senhor. O contacto estabelecer-se-á através de um ato de fé, de esperança e de caridade: é a parte do ser humano. A parte de Deus não lhe pertence, ultrapassa tudo.
A interioridade não á algo que se adquire de uma vez por todas, ela tem de ser retomada sem cessar, reatualizada em todas as idades. A relação com Deus evolui, e isso leva toda a vida. Vale a pena semeá-la no coração da criança. O papa Francisco disse, a 28 de junho de 2019: «Ensinai as crianças a orar. Porque elas chegam muito depressa ao Coração de Jesus. Jesus quere-as. A oração é um grande caminho para avançar na vida».
Pistas para um tempo de oração interior (Véronique Bourillon)
- Preparar um espaço belo e fazer entrar as crianças em procissão, cada uma com uma vela.
- Apresentar-se a Jesus em voz alta: «Aqui estou eu, chamo-me…».
- Instalar-se tranquilamente e entoar um canto ao Espírito Santo escolhido pelas crianças.
- Fazer um ato de fé na presença do Senhor.
- Fechar os olhos e pedir às crianças para convidarem Jesus a entrar no seu coração.
- Colocar à sua disposição pequenas frases meditativas, que poderão ler de tempos a tempos, em alternância com o silêncio.
- Respeitar a oração das crianças e deixá-las ser protagonistas.
Bénédicte de Saint-Germain
In Famille Chrétienne
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Croiança em oração | D.R.
Publicado em 10.02.2020
SNPC
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