O Cântico dos Cânticos por João Ferreira d’Almeida, José Tolentino Mendonça, Ilda David e Luís Miguel Cintra

Cantares de Salomão
Capítulo I
1 Cântico de cânticos, que é de Salomão:
2 Beije-me ele com os beijos de sua boca: porque melhor é teu amor que o vinho.
3 Para cheirar teus unguentos são bons, unguento derramado é teu nome: pelo que as donzelas te amam.
4 Puxa por mim, correremos após ti: meteu-me o Rei em suas recâmaras, em ti nos gozaremos e alegremos, de teu amor nos lembraremos mais que do vinho: os retos te amam a ti.
5 Morena sou, porém bem estreada, (ó filhas de Jerusalém): como as tendas de Kedar, como as cortinas de Salomão.
6. Não atenteis que sou morena, porque o Sol resplandeceu sobre mim: os filhos de minha mãe se indignaram contra mim; puseram-me por guarda de vinhas, minha vinham, que me pertence não guardei.
7 Diz-me, tu a quem minha alma ama: Aonde apascentas o gado, aonde o recolhes ao meio-dia? Porque, por que razão seria eu como a que se cobre junto aos gados de teus companheiros?
8 Se tu o não sabes, ó a mais formosa entre as mulheres: sai-te pelos rastos das ovelhas, e apascenta tuas cabras junto às moradas dos pastores.
8 Às éguas dos carros de Faraó te comparo, ó amiga minha.
10 Agradáveis são tuas faces entre enfeites, tua garganta entre os colares.
11 Enfeites de ouro te faremos, com bicos de prata.
12 Enquanto o Rei está assentado à sua mesa redonda, meu nardo dá seu cheiro.
13 Meu amado é para mim um ramalhete de mirra, que tresnoita entre meus peitos.
14 Um cacho de Cypro nas vinhas de Engedi, é para mim meu amado.
15 Eis que és formosa, amiga minha; eis que és formosa, teus olhos são olhos de pomba.
16 Eis que és gentil homem, e agradável, ó amado meu; e nosso leito reverdece.
17 As traves de nossa casa são de cedro, nossas varandas de cipreste.


Imagem Ilda David | D.R.

Capítulo II
1 Eu sou a rosa de Saron, o lírio dos vales.
2 Qual o lírio entre os espinhos, tal é minha amiga entre as filhas.
3 Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é meu amado entre os filhos: desejo muito sua sombra, e debaixo dela me assento; e seu fruto é doce a meu paladar.
4 Leva-me à casa do vinho, e o amor é sua bandeira sobre mim.
5 Sustentai-me com frascos, esforçai-me com maçãs: porque estou enferma de amor.
6 Sua mão esquerda esteja debaixo de minha cabeça, e sua direita me abrace.
7 Esconjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que andais com as corças ou cervas do campo; que não acordeis, nem desperteis o meu amor, até que queira.
8 Esta é a voz de meu amado, vede-lo aqui, que já vem; saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros.
9 Meu amado é semelhante ao gamo, ou ao filho dos veados: eis que está detrás de nossa parede, olhando pelas janelas, reluzindo pelas grades.
10 Meu amado responde, e me diz: Levanta-te, amiga minha, minha formosa, e vem-te.
11 Porque eis que passou o inverno: a chuva se acabou, e se foi.
12 As flores se mostram na terra, o tempo de cantar chega: e a voz da rola se ouve em nossa terra.
11 A figueira produz seus figuinhos, e as vides em agraço dão cheiro: levanta-te, amiga minha, minha formosa, e vem-te.
14 Pomba minha, andando pelas fendas das penhas no oculto das ladeiras, mostra-me tua vista, faz-me ouvir tua voz: porque tua voz é doce, e tua vista agradável.
15 Tomai-nos as raposas, as raposinhas, que danificam as vinhas: porque nossas vinhas estão em agraço.
16 Meu amado é meu, e eu sou a sua: ele apascenta entre os lírios.
17 Antes que chegue aquele dia, e as sombras se acolham: torna-te, amado meu, faz-te semelhante ao gamo, ou ao filho dos veados, sobre os montes de Bether.

Capítulo III
1 Às noites busquei em minha cama a quem minha alma ama: o busquei, e não o achei.
2 Pois levantar-me-ei. e rodearei pela cidade, pelas ruas, e pelas praças, buscarei a quem minha alma ama: o busquei e não o achei.
3 Acharam-me os guardas, que rondavam pela cidade; eu lhes perguntei: Viestes a quem minha alma ama?
4 Apartando-me eu um pouco deles logo achei a quem minha alma ama: peguei dele, e não o deixei ir, até que o meti em casa de minha mãe, e na recâmara da que me pariu.
5 Esconjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que com as corças ou cervas do campo andais; que não acordeis, nem desperteis ao amor, até que queira.
6 Quem é esta que sobe do deserto, como colunas de fumo; perfumada com mirra, e com incenso, e com toda sorte de pós de especieiro?
7 Eis que a cama de Salomão, sessenta heróis estão ao redor dela, dos heróis de Israel.
8 Todos com espadas nas mãos, dextros na guerra, cada qual com sua espada à ilharga, à causa do pavor da noite.
9 O Rei Salomão se fez um tálamo de madeira do Líbano.
10 Suas colunas faz de prata, seu soalho de ouro, seu sobrecéu de púrpura: o de dentro coberto com o amor das filhas de Jerusalém.
11 Saí, ó filhas de Sião, e contemplai ao Rei Salomão, com a coroa, com que o coroou sua mãe, no dia de seu desposório, e no dia do gozo de seu coração.


Imagem Ilda David | D.R.

Capítulo IV
1 Eis que és formosa, amiga minha, eis que és formosa; teus olhos são olhos de pomba entre tuas tranças: teu cabelo como rebanho de cabras, que pastam a erva do monte de Guilead.
2 Teus dentes são como rebanho de ovelhas tosquiadas, que sobem do lavatório: e todas elas produzem gémeos, e nenhuma delas é estéril.
3 Teus beiços são como um fio de grã, e tua fala suave: a fonte de tua cabeça como um pedaço de romã entre tuas tranças-
4 Teu pescoço como a torre de David, edificada para pendurar armas: mil escudos pendem dela, todos rodelas de Heróis.
5 Teus dois peitos como dois filhos gémeos de gama, que pastam entre os lírios.
6 Antes que venha aquele dia, e se acolham as sombras: irei ao monte da mirra, e ao outeiro do incenso.
7 Tu toda és formosa, amiga minha, e não há tacha em ti.
8 Vem comigo do Líbano, ó esposa; comigo do Líbano vem: atenta desde o cume de Amaná, desde o cume de Senir e de Hermon, desde as moradas das leoas, desde os montes dos leopardos.
9 Tiraste-me o coração, minha irmã, ó esposa: tiraste-me o coração com um de teus olhos, com um colar de teu pescoço.
10 Quão formosos são teus amores, irmã ó esposa minha! Quanto melhores são teus amores, do que o vinho! E o cheiro de teus unguentos, do que todas as especiarias!
11 Favos de mel estão manando de teus beiços, ó esposa: mel e leite estão debaixo de tua língua; e o cheiro de teus vestidos como o cheiro do Líbano.
12 Horta fechada és tu irmã minha ó esposa: manancial fechado, fonte selada.
13 Teus renovos são paraíso de romãs, com frutos excelentes, Cypro com nardo.
14 Nardo, e açafrão, cálamo, e canela, com toda sorte de árvores de incenso: a mirra, e aloés, com todas as principais especiarias.
15 Ó fonte das hortas, poço das águas vivas, que correm do Líbano!
16 Levanta-te vento Norte, e vem tu vento Sul, assopra por minha horta, para que destilem suas especiarias: ah se viesse meu amado à sua horta, e comesse de excelentes frutos!


Imagem Ilda David | D.R.

Capítulo V
1 Já vim à minha horta, irmã minha, ó esposa, colhi minha mirra com minha especiaria, comi meu favo com meu mel, bebi meu vinho com meu leite: comei amigos, bebei, ó amados, e embebedai-vos.
2 Eu estava dormindo, mas meu coração vigiava: a voz de meu amado era, que estava batendo: abre-me irmã minha, amiga minha, pomba minha, perfeita minha, porque minha cabeça está cheia de orvalho, minhas gadelhas das gotas da noite.
3 Já despi meus vestidos, como os tornarei a vestir? Já lavei meus pés, como os tornarei a sujar?
4 Meu amado meteu sua mão pelo buraco da porta, e minhas entanhas rugiram por amor dele.
5 Eu me levantei para abrir a meu amado: e minhas mãos destilavam mirra, e meus dedos gotejavam de mirra sobre as aldrabas da fechadura.
6 Eu abri a meu amado, mas já meu amado se desviara, e passara: minha alma se saía à causa de seu falar; o busquei, e não o achei; o chamei, e não me respondeu.
7 Acharam-me os guardas, que rondavam pela cidade, espancaram-me, feriram-me: tiraram-me o meu véu os guardas dos muros.
8 Esconjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que se achardes a meu amado, lhe digais, que de amor estou enferma.
9 Que é teu amado mais do que o outro amado, ó tu a mais formosa entre as mulheres? Que é teu amado mais, do que o outro amado, que tanto nos esconjuraste?
10 Meu amado é branco e vermelho ele traz a bandeira entre dez mil!
11 Sua cabeça é do mais fino e maciço ouro: suas gadelhas crespas, pretas como o corvo.
12 Seus olhos como os das pombas junto às correntes das águas; lavados em leite, encastoados como em anéis.
13 Suas faces como um canteiro de especiaria, como caixas aromáticas, que gotejam mirra destilante.
14 Suas mãos como anéis de ouro encastoados de turquesas: seu ventre como alvo marfim, coberto de safiras.
15 Suas pernas como colunas de mármore, fundadas sobre bases do ouro mais maciço: seu parecer como o Líbano, escolhido como os cedros.
16 Seu paladar a mesma doçura, e todo ele totalmente desejável: tal é meu amado, e tal meu amigo, ó filhas de Jerusalém.

Capítulo VI
1 Aonde foi teu amado, ó a mais formosa entre as mulheres? Para onde virou a vista teu amado, e o buscaremos contigo?
2 Meu amado descendeu à sua horta, aos canteiros da especiaria; para pastar nas hortas, e a colher os lírios.
3 Eu sou de meu amado, e meu amado é meu: ele pasta entre os lírios.
4 Formosa és, amiga minha, como Thirsá, aprazível como Jerusalém; formidável como bandeiras de exércitos.
5 Desvia teus olhos de mim, porque eles me violentam: teu cabelo é como rebanho de cabras, que pastam a erva de Guilead.
6 Teus dentes como rebanho de ovelhas, que sobrem do lavatório; e todas produzem gémeos, e estéril não há entre elas-
7 Como um pedaço de romã, assim são tuas faces entre tuas gadelhas.
8 Sessenta são as Rainhas, e oitenta as concubinas; e as donzelas sem número.
9 Porém uma é minha pomba, minha perfeita; a única de sua mãe, e a mais querida daquela que a pariu; a vendo as filhas a chamarão bem-aventurada; as Rainhas e as concubinas a louvarão.
10 Quem é esta que aparece como a alva do dia? Formosa como a lua, lustrosa como o Sol, formidável como bandeiras de exércitos?
11 À horta das nogueiras descendi, para ver os novos frutos do vale: a ver se floresciam as vides, e brotavam as romeiras.
12 Antes de eu o sentir, me pôs minha alma nos carros de meu povo voluntário.
13 Torna-te, torna-te, Sulamita; torna-te, torna-te, e ver-te-emos: que é o que vedes na Sulamita? É como fileiras de dois exércitos?


Imagem Ilda David | D.R.

Capítulo VII
1 Quão formosos são teus passos nos sapatos, ó filha do Príncipe: as voltas de tuas coxas são como cadeias preciosas, de obra de mãos de artífice.
2 Teu umbigo como uma taça redonda, a que não falta bebida: teu ventre como montão de trigo, sitiado de lírios.
3 Teus dois peitos como dois filhos gémeos de gama.
4 Teu pescoço, como torre de marfim: teus olhos como os viveiros de Hesbon junto à porta de Bathrabbin; teu nariz como a torre do Líbano, que está em fronte de Damasco.
5 Tua cabeça sobre ti como o monte Carmelo, e o trançado dos cabelos de tua cabeça como púrpura: o Rei está como atado às varandas-
6 Quão formoso és? Quão aprazível és, ó amor em delícias!
7 Esta tua estatura é semelhante à palma, e teus peitos são semelhantes aos cachos de uvas.
8 Dizia eu: Eu subirei à palma, pegarei de seus ramos: e então teus peitos serão como cachos na vide, e o cheiro de teus narizes como o das maçãs.
9 E teu paladar como o bom vinho, que se entra a meu amado suavemente, e faz falar aos beiços dormente.
10 Eu sou de meu amado, e ele me tem afeição.
11 Vem, ó amado meu, saiamos nós ao campo, passemos as noites nas aldeias.
12 Madruguemos ir às vinhas, vejamos se florescem as vides, se se abre o agraço, se já brotam as romeiras: ali te darei meu grande amor.
13 Os Dudaim dão cheiro, e a nossas portas há toda sorte de excelentes frutos, novos e velhos: ó amado meu, eu os guardei para ti.

Capítulo VIII
1 Ah quem me dera que me foras como irmão, e mamaras os peitos de minha mãe! Que te achara na rua, e te beijara! E nem me desprezariam!
2 Levaria e introduzir-te-ia na casa de minha mãe, e tu me ensinarias: e te daria a beber vinho aromático, e do mosto de minhas romãs.
3 Sua mão esquerda esteja debaixo de minha cabeça, e sua direita me abrace.
4 Esconjuro-vos, ó filhas de Israel, que não acordeis, nem desperteis ao amor, até que queira.
5 Quem é esta que sobe do deserto, e vem encostrada tão aprazivelmente sobre seu amado? Debaixo de uma macieira te despertei, ali te produziu tua mãe com dores; ali te produziu com dores aquela que te pariu.
6 Põe-me como selo sobre teu coração, como selo sobre teu braço; porque forte é, como a morte, o amor, e duros, como a sepultura, os ciúmes: suas brasas são brasas de fogo, labaredas do Senhor.
7 As muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo: ainda que desse alguém toda a fazenda de sua casa por este amor, certamente o desprezariam.
8 Temos uma irmã pequena, que ainda não tem peitos: que faremos a esta nossa irmã, no dia quando dela se falar?
9 Se ela for um muro, edificaremos sobre ela um palácio de prata: e se ela for porta, a cercaremos com tábuas de cedro.
10 Eu sou um muro, e meus peitos como torres: então eu era em seus olhos, como aquela que acha paz.
11 Teve Salomão uma vinha em Baal Hamon; entregou a esta vinha a uns guardas: e cada qual lhe trazia por seu fruto, mil moedas de prata.
12 A minha vinha que tenho, está perante minha face: as mil moedas de prata são para ti, ó Salomão, e duzentas para os guardas de seu fruto.
13 Ó tu a que habitas nas hortas, para tua voz os companheiros atentam; faz-ma pois também ouvir.
14 Vem depressa, amado meu, e faz-te semelhante ao gamo, ou ao filho dos veados, nas montanhas aromáticas.


Teatro e teologia leem o Cântico dos Cânticos from Pastoral da Cultura on Vimeo.

Luís Miguel Cintra lê o Cântico dos Cânticos from Pastoral da Cultura on Vimeo.


Tradução: João Ferreira Annes d’Almeida
Fixação do texto: José Tolentino Mendonça
Ilustração: Ilda David
In Bíblia ilustrada – Salmos-Isaías, ed. Assírio & Alvim
Publicado em 11.02.2020


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