Evitemos uma vida insípida e desligada

Vós sois sal, vós sois luz (cf. Mateus 5, 13-16). Sal que conserva as coisas, mínima eternidade dissolvida no alimento. Luz que acaricia as coisas de alegria, nelas desperta cores e beleza. Tu és luz. Jesus anuncia-a à minha alma criança, àquela parte de mim que sabe ainda encantar-se, ainda acender-se. Tu és sal, não para ti mesmo, mas para a terra. A tarefa é séria, porque ser sal e luz do mundo quer dizer que do bom sucesso da minha aventura, humana e espiritual, depende a qualidade do resto do mundo.

Como fazer para viver esta responsabilidade séria, que é de todos? Menos palavras e mais gestos. Que o profeta Isaías elenca (cf. 58,7-10): «Reparte o teu pão», verbo seco, concreto, factível.
«Reparte o teu pão», e depois é todo um seguimento de outros gestos: dá abrigo, veste o nu, não vires a cara. «Então a tua luz surgirá como a aurora, a tua ferida não tardará em sarar». E sente a impaciência de Deus, a impaciência da Adão, e da aurora que se levanta e da fome que grita; a urgência do corpo do homem que tem dores e feridas, tem pressa de pão e de saúde.
A luz vem através do meu pão quando se torna pão nosso, partilhado e não ciosamente possuído. O gesto do pão vem antes de tudo: porque sobre a terra há criaturas que têm tanta fome, que para eles Deus só pode ter a forma de um pão.

Sou luz apagada quando não evidencio beleza e bondade nos outros, não me inebrio dos seus defeitos: então estou a extinguir a chama das coisas, sou um címbalo que tintila, um trombone de lata

Cura os outros e curar-se-á a tua ferida, cuida de alguém e Deus cuidará de ti; produz amor, e Ele envolver-te-á o coração, quando está ferido. Ilumina outros e iluminar-te-ás, porque quem olha só para si próprio nunca se ilumina. Quem não procura, mesmo às apalpadelas, o rosto que da escuridão pede ajuda, nunca se acenderá. É da noite partilhada que se ergue o sol de todos.
«Se me fecho no meu eu, ainda que adornado de todas as virtudes, rico de sal e de luz, e não participo na existência dos outros, se não me abro aos outros, posso estar privado de pecados, e todavia vivo numa situação de pecado» (G. Vannucci).
Mas se o sal perde sabor, com que coisa se pode salgar? Conhecemos bem o risco de nos afundarmos numa vida insípida e gasta. Acontece quando não comunico amor a quem me encontra, não sou generoso de mim, não sei querer bem: «Não somos chamados a fazer o bem, mas a querer bem» (Ir. Maria de Campello).
Eu sou luz apagada quando não evidencio beleza e bondade nos outros, não me inebrio dos seus defeitos: então estou a extinguir a chama das coisas, sou um címbalo que tintila, um trombone de lata. Quando amo três verbos obscuros: agarrar, subir, comandar; em vez de seguir os três do sal e da luz: dar, acender, servir.


Ermes Ronchi
Fonte: Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 06.02.2020


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