«Diga-se o que se disser, a vida é a coisa mais bela»: Cardeal Tolentino sobre a eutanásia

«O sofrimento humano é uma realidade do percurso pessoal, que pode atingir formas devastadoras, é verdade.
Mas o próprio respeito devido ao sofrimento dos outros e ao nosso deve fazer-nos considerar duas coisas: 1) que temos de recorrer aos instrumentos médicos e paliativos ao nosso alcance para minorar a dor; 2) que temos de reconhecer que o sofrimento é vivido de modo diferente quando é acompanhado com amor e agrava-se quando é abandonado à solidão.»
Esta é uma das «10 razões civis contra a eutanásia» que o cardeal José Tolentino Mendonça enumera no seu mais recente texto publicado na “Revista” do semanário “Expresso”.
O responsável pela Biblioteca e Arquivo do Vaticano frisa que as sociedades «têm de se perguntar se já fizeram tudo o que podiam fazer para promover e amparar a vida, sobretudo daqueles que são mais frágeis».
«A vida dos fracos vale tanto como a dos fortes. A vida dos pobres vale o mesmo que a dos poderosos. A vida dos doentes tem um valor idêntico à vida dos saudáveis. Passar a ideia de que há vidas que, em determinadas situações, podem valer menos do que outras é um princípio que conflitua com os valores universais que nos regem», observa.

A entrada da petição na Assembleia da República, atingidas as 60 mil assinaturas, «suspenderá o processo legislativo em curso, e o Parlamento cumprirá o seu dever democrático de dar tempo ao povo português para que se pronuncie sobre uma iniciativa que viola valores da Constituição»

Perante a «desproteção familiar e social» que muitas pessoas experimentam quando, na iminência da morte, deveriam sentir-se apoiados «pela presença e pelo amor dos seus», a solução «não é avançar para medidas extremas como a eutanásia», mas favorecer «práticas solidárias em vez de deixar correr a indiferença e o descarte».
O primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura salienta que «os grandes textos civis e sagrados, médicos e filosóficos que são a matriz» da sociedade e formam a «consciência moral» de quem a habita «recordam-no incessantemente».
D. Tolentino Mendonça não duvida da reta consciência das pessoas que, movidas «pelos melhores sentimentos, veem na eutanásia um passo em frente» na civilização, sugerindo-lhes a leitura do conto “A última noite”, de James Salter (ed. Porto Editora).
O texto é publicado a pouco mais de 10 dias da discussão no Parlamento de propostas de lei do PS, Bloco de Esquerda, PAN , PEV e Iniciativa Liberal.

«Não podemos permitir que alguns deputados queiram decidir por nós, quando não apresentaram o assunto da eutanásia nos seus programas eleitorais»

Para contrapor a eventual aprovação, a 20 de fevereiro, de um destes projetos, foi lançada por estes dias uma petição para a realização de um referendo, que conta com as assinaturas do casal Ramalho Eanes e da ex-presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, do presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, do ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa, do historiador Henrique Leitão (prémio Pessoa 2014), do antigo procurador-geral da República, José Souto de Moura, e Walter Osswald, distinguido com o prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, entre outras.
«Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?» é a pergunta proposta para a consulta.
A petição, que está na internet e que vai passar por estádios de futebol, estabelecimentos prisionais, hospitais, escolas e igrejas, somava, na tarde deste domingo, perto de 4100 das 60 milhares de assinaturas necessárias para forçar a Assembleia da República a lançar um referendo de iniciativa popular sobre a eutanásia.
«A entrada da proposta suspenderá o processo legislativo em curso, e o Parlamento cumprirá o seu dever democrático de dar tempo ao povo português para que se pronuncie sobre uma iniciativa que viola valores da Constituição», nomeadamente quando esta declara que «a vida humana e a integridade moral e física das pessoas são invioláveis», assinala a presidente da Federação Portuguesa pela Vida.

«Aceitemos, também, o dever de expressar o que sentimos em relação à eutanásia. A morte é digna não quando é provocada, mas quando acontece amparada por todos os cuidados técnicos e afetivos. Amemos a vida e cuidemos da doença»

Isilda Pegado acrescenta que «os dois maiores partidos com assento na Assembleia não tomaram posição sobre a eutanásia no último ato eleitoral, e, por isso, os deputados não têm legitimidade moral para decidir».
A mesma posição foi assumida pelo arcebispo de Braga, em homilia pronunciada este sábado: «Não podemos permitir que alguns deputados queiram decidir por nós, quando não apresentaram o assunto da eutanásia nos seus programas eleitorais».
«Este problema não é meramente religioso. É civilizacional. A vida é inviolável. Foram necessários muitos séculos até aceitarmos este valor fundamental, este valor que está na base de todos os outros. Não deitemos fora uma conquista de séculos», apelou D: Jorge Ortiga, para quem «os cuidados paliativos são a única resposta para garantir uma morte digna».
«Neste momento concreto, não deixemos de assumir a responsabilidade de exigir uma rede de Cuidados Continuados e Paliativos onde possa ser oferecida uma verdadeira “terapia da dignidade”, e aceitemos, também, o dever de expressar o que sentimos em relação à eutanásia. A morte é digna não quando é provocada, mas quando acontece amparada por todos os cuidados técnicos e afetivos. Amemos a vida e cuidemos da doença», vincou o prelado.


Rui Jorge Martins
Fontes: Expresso, Público, Arquidiocese de Braga
Imagem: SoniaBonet/Bigstock.com
Publicado em 09.02.2020


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