Escutar sem preconceitos, dialogar sem impor. Realidade, oração, discernimento

Nunca se pode dar uma orientação, um caminho, uma sugestão, sem a escuta. A escuta é precisamente a atitude fundamental de cada pessoa que quer fazer alguma coisa pelos outros. Escutar as situações, escutar os problemas, abertamente, sem preconceitos.
«Tu disseste aquilo…» Não, sem preconceitos. Porque há uma maneira de escutar que é «sim, sim, percebi, sim, sim…», e reduzo-o, uma redução às minhas categorias. E isto assim não funciona. Escutar é deixar-se tocar pela realidade. E, por vezes, as próprias categorias caem e reorganizam-se.
A escuta deve ser o primeiro passo, mas é preciso fazê-lo com a mente e o coração abertos, sem preconceitos. O mundo dos preconceitos, das “escolas de pensamento”, das posições tomadas, faz muito mal… Hoje, por exemplo, na Europa, estamos a viver o preconceito dos populismos, os países fecham-se e voltam as ideologias. Não apenas novas ideologias – há algumas –, mas regressam as velhas ideologias que fizeram a segunda guerra mundial. Porquê? Porque não se escuta a realidade como é. Há uma projeção daquilo que eu quero que se faça, que eu quero que se pense, que aconteça… É uma dificuldade que nos faz substituir a Deus criador: tomamos a situação nas mãos e trabalhamos; a realidade é aquilo que eu quero que seja. Colocamos filtros. Mas a realidade é outra coisa. A realidade é soberana. Agrade ou não agrade, mas é soberana. E eu tenho de dialogar com a realidade.
Segundo passo: escutar e dialogar, não impor caminhos de desenvolvimento, ou de solução para os problemas. Se eu tenho de escutar, tenho de aceitar a realidade como é, para ver qual deve ser a minha resposta. E aqui vamos ao nó do problema. Qual é a resposta de um cristão? Fazer um diálogo com a realidade, partindo dos valores do Evangelho, das coisas que Jesus nos ensinou, sem as impor dogmaticamente, mas com o diálogo e o discernimento.


Hoje não há “autoestradas” para a evangelização, não há. Apenas veredas humildes, humildes, que nos levarão por diante. Quem não se move por medo de cair, ou escorregar, ou errar, nunca, nunca será fecundo na vida



Um jesuíta na Tailândia, que trabalha com os refugiados, fez-me esta pergunta quando eu lá fui: «Qual é hoje o caminho para o nosso trabalho com os refugiados?». E a resposta é: não há um caminho, há pequenas veredas que cada um de nós deve procurar fazer observando a realidade, recorrendo à oração e fazendo discernimento. Realidade, oração e discernimento. E assim se vai para a frente na vida, mesmo com os problemas sociais, culturais… Mas se se partir de preconceitos ou posições pré-constituídas, de pré-decisões dogmáticas, nunca, nunca se chega a dar uma mensagem. A mensagem deve vir do Senhor, através de nós. Somos cristãos, e o Senhor fala-nos com a realidade, na oração e com o discernimento. (…)
Nunca, nunca cobrir a realidade. Dizer sempre: «É assim». Nunca a cobrir com aquela resignação do «veremos…, talvez depois mudará». Nunca a cobrir: a realidade tal como é. Depois, procurar compreendê-la na sua autonomia interpretativa, porque também a realidade tem um modo de se interpretar a si mesma. Deve-se compreendê-la. E depois o diálogo com o Evangelho, com a mensagem cristã; a oração, o discernimento, e desta forma fazer pequenas veredas para seguir em frente. Hoje não há “autoestradas” para a evangelização, não há. Apenas veredas humildes, humildes, que nos levarão por diante.
Alguns dirão: «Mas, padre, os problemas são tantos, e temos medos de escorregar, e errar, e cair». Graças a Deus! Se cais, agradece a Deus por teres a possibilidade de levantar-te e ir em frente, e de voltar a caminhar… Quem não se move por medo de cair, ou escorregar, ou errar, nunca, nunca será fecundo na vida. Andai em frente, corajosamente. E se a crítica é boa, far-vos-á crescer. Far-vos-á ver onde estiveram os erros. E se a crítica vem de um coração mau, far-vos-á “dançar” um pouco com o furor que acontece nesses casos. Mas mantei sempre a liberdade interior, e a liberdade interior que só tem quem ora, quem se coloca diante de Deus, quem toma o Evangelho, esta é a liberdade interior. Isto não é pietismo, não, é autenticidade. Com as mãos no trabalho, e com o coração a escutar o que acontece às pessoas. Escutar.


Papa Francisco
Vaticano, 6.12.2019
In Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 07.12.2019


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