Estamos no coração do tempo da Quaresma, um tempo que deveria ser dedicado à conversão, ao regresso ao caminho que conduz a Deus: conversão, com efeito, é sempre um deixar os ídolos para aderir ao Deus que nos atrai, nos chama à sua comunhão e perdoa os nossos renegamentos, as nossas contradições ao seu amor. Para o cristão, trata-se de deixar-se converter pela graça do Senhor, nunca merecida, mas nesta mudança de mentalidade, coração e comportamento torna-se também necessário reconhecer o mal realizado, assumir a responsabilidade por ele e viver o arrependimento. Mas devemos perguntar-nos: a experiência da dor pelas próprias culpas, das lágrimas de arrependimento, ainda é hoje praticável?
No cristianismo antigo, o “penthos” era o primeiro passo a dar no
caminho da vida espiritual, e sobre esta experiência do «coração
contrito e arrependido» (Salmo 51) a atenção e a meditação ampliava-se e
aprofundava-se, enquanto que hoje surge obscurecido por uma séria de
atitudes que evitam a assunção de responsabilidades pelo mal cometido:
diante do pecado procuram-se desculpas e justificações. O medo da
culpabilização fez evaporar o sentido de culpa, e o arrependimento
deixou de surgir como um processo decisivo na vida do crente.
No entanto, em muitas páginas bíblicas é atestado e apresentado como exemplar o pranto da parte de quem, tomando consciência do seu pecado, vive dentro de si uma dor que lhe esmaga o coração. Como esquecer o pranto de David pelo seu pecado, a ele revelado pelo profeta, e a oração do “Miserere”, confissão a Deus pelo delito cometido, pranto e dor na assunção de responsabilidade pela própria ação maléfica, que pedem a Deus misericórdia e perdão? E como não recordar as lágrimas de Pedro, naquele pranto amargo por ter renegado conhecer o seu mestre e profeta, depois de o ter confessado como enviado por Deus?
Quem faltou à fidelidade, quem contradisse o bem recebido, deveria saber chorar. As lágrimas que brotam do nosso corpo permanecem misteriosas: têm a ver não só com os órgãos que as segregam, mas também com a nossa inteligência, a nossa íntima afetividade, o nosso coração. Além disso, para nós, cristãos, têm também a ver com a graça de Deus que dela faz dom: os orgulhosos e os arrogantes não choram, os hipócritas não conseguem chorar a não ser lágrimas superficiais, interesseiras, encenadas. O “penthos”, a contrição, as lágrimas são o sinal de que o coração de pedra se estilhaça, se despedaça, e deixa pulsar um coração de carne, capaz de acolher a ternura misericordiosa de Deus. Por isso, as lágrimas eram consideradas pelos Padres da Igreja como um «segundo batismo», uma purificação do coração, uma comprovação de amor para com Deus, um pedido de reconciliação e perdão.
Não saber chorar o pecado cometido era considerado um impedimento para a graça, e por isso, inclusive nos livros de orações confiados à minha geração, havia uma oração «para obter o dom das lágrimas». As lágrimas, de facto, dissolvem o coração de pedra e vencem a aridez que nos torna rígidos, estéreis e incapazes de compaixão; derramar lágrimas humaniza, enquanto que não saber chorar é desumano. Na vida espiritual cristão é preciso, por isso, acolher a experiência das lágrimas, do pranto enquanto arrependimento. Isaac o Sírio escreve a propósito: «As lágrimas derramadas durante a oração são um sinal da misericórdia de Deus pelo qual a alma foi considerada digna no seu arrependimento: o arrependimento é acolhido e a oração através das lágrimas purifica, lava de todo o pecado cometido».
Sim, nenhuma lágrima será perdida, e quando a nossa história for lida, que é também história de pecados, se tivermos chorado com compunção, então ela será também história das nossas lágrimas, verdadeira epiclese de misericórdia. Escrevia um monge: «Quando de apresentar a Deus em juízo, verei junto de mim todos os pecados que cometi, mas pedirei a Deus para olhar também para as lágrimas que derramei na compunção e na dor. E as minhas lágrimas serão recolhidas por Deus como num odre, como pedido de purificação e de perdão».
No entanto, em muitas páginas bíblicas é atestado e apresentado como exemplar o pranto da parte de quem, tomando consciência do seu pecado, vive dentro de si uma dor que lhe esmaga o coração. Como esquecer o pranto de David pelo seu pecado, a ele revelado pelo profeta, e a oração do “Miserere”, confissão a Deus pelo delito cometido, pranto e dor na assunção de responsabilidade pela própria ação maléfica, que pedem a Deus misericórdia e perdão? E como não recordar as lágrimas de Pedro, naquele pranto amargo por ter renegado conhecer o seu mestre e profeta, depois de o ter confessado como enviado por Deus?
Quem faltou à fidelidade, quem contradisse o bem recebido, deveria saber chorar. As lágrimas que brotam do nosso corpo permanecem misteriosas: têm a ver não só com os órgãos que as segregam, mas também com a nossa inteligência, a nossa íntima afetividade, o nosso coração. Além disso, para nós, cristãos, têm também a ver com a graça de Deus que dela faz dom: os orgulhosos e os arrogantes não choram, os hipócritas não conseguem chorar a não ser lágrimas superficiais, interesseiras, encenadas. O “penthos”, a contrição, as lágrimas são o sinal de que o coração de pedra se estilhaça, se despedaça, e deixa pulsar um coração de carne, capaz de acolher a ternura misericordiosa de Deus. Por isso, as lágrimas eram consideradas pelos Padres da Igreja como um «segundo batismo», uma purificação do coração, uma comprovação de amor para com Deus, um pedido de reconciliação e perdão.
Não saber chorar o pecado cometido era considerado um impedimento para a graça, e por isso, inclusive nos livros de orações confiados à minha geração, havia uma oração «para obter o dom das lágrimas». As lágrimas, de facto, dissolvem o coração de pedra e vencem a aridez que nos torna rígidos, estéreis e incapazes de compaixão; derramar lágrimas humaniza, enquanto que não saber chorar é desumano. Na vida espiritual cristão é preciso, por isso, acolher a experiência das lágrimas, do pranto enquanto arrependimento. Isaac o Sírio escreve a propósito: «As lágrimas derramadas durante a oração são um sinal da misericórdia de Deus pelo qual a alma foi considerada digna no seu arrependimento: o arrependimento é acolhido e a oração através das lágrimas purifica, lava de todo o pecado cometido».
Sim, nenhuma lágrima será perdida, e quando a nossa história for lida, que é também história de pecados, se tivermos chorado com compunção, então ela será também história das nossas lágrimas, verdadeira epiclese de misericórdia. Escrevia um monge: «Quando de apresentar a Deus em juízo, verei junto de mim todos os pecados que cometi, mas pedirei a Deus para olhar também para as lágrimas que derramei na compunção e na dor. E as minhas lágrimas serão recolhidas por Deus como num odre, como pedido de purificação e de perdão».
Enzo Bianchi
In Monastero di Bose
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Yastremska/Bigstock.com
Publicado em 10.04.2019
SNPC
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