EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
CHRISTUS VIVIT
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
FRANCISCO
AOS JOVENS E A TODO O POVO DE DEUS
ÍNDICE
Cristo vive [1-4]
No Antigo Testamento [6-11]
No Novo Testamento [12-21]
No Novo Testamento [12-21]
A juventude de Jesus [23-29]
A sua juventude ilumina-nos [30-33]
A juventude da Igreja [34]
Uma Igreja que se deixa renovar[35-38]
Uma Igreja atenta aos sinais dos tempos[39-42]
Maria, a jovem de Nazaré [43-48]
Jovens santos [49-63]
A sua juventude ilumina-nos [30-33]
A juventude da Igreja [34]
Uma Igreja que se deixa renovar[35-38]
Uma Igreja atenta aos sinais dos tempos[39-42]
Maria, a jovem de Nazaré [43-48]
Jovens santos [49-63]
Em positivo [65-67]
Muitas juventudes [68-70]
Algumas coisas que sucedem aos jovens [71]
Jovens dum mundo em crise[72-80]
Desejos, feridas e buscas [80-85]
O ambiente digital [86-90]
Os migrantes como paradigma do nosso tempo [91-94]
Acabar com todas formas de abuso [95-102]
Há uma via de saída [103-110]
Muitas juventudes [68-70]
Algumas coisas que sucedem aos jovens [71]
Jovens dum mundo em crise[72-80]
Desejos, feridas e buscas [80-85]
O ambiente digital [86-90]
Os migrantes como paradigma do nosso tempo [91-94]
Acabar com todas formas de abuso [95-102]
Há uma via de saída [103-110]
Um Deus que é amor [112-117]
Cristo salva-te [118-123 ]
Ele vive! [124-129]
O Espírito dá vida [130-133]
Cristo salva-te [118-123 ]
Ele vive! [124-129]
O Espírito dá vida [130-133]
Tempo de sonhos e opções [136-143]
A vontade de viver e experimentar [144-149]
Na amizade de Cristo [150-157]
O crescimento e a maturação [158-162]
Percursos de fraternidade [163-167]
Jovens comprometidos [168-174]
Missionários corajosos [175-178]
A vontade de viver e experimentar [144-149]
Na amizade de Cristo [150-157]
O crescimento e a maturação [158-162]
Percursos de fraternidade [163-167]
Jovens comprometidos [168-174]
Missionários corajosos [175-178]
Que não te arranquem da terra [180-186]
A tua relação com os idosos [187-191]
Sonhos e visões [192-197]
Arriscar juntos [198-201]
A tua relação com os idosos [187-191]
Sonhos e visões [192-197]
Arriscar juntos [198-201]
Uma pastoral sinodal [203-208]
Grandes linhas de ação [209-215]
Ambientes adequados [216-220]
A pastoral das instituições educacionais [221-223]
Diferentes áreas de desenvolvimento pastoral [224-229]
Uma pastoral juvenil popular [230-238]
Sempre missionários [239-241]
O acompanhamento pelos adultos [242-247]
Grandes linhas de ação [209-215]
Ambientes adequados [216-220]
A pastoral das instituições educacionais [221-223]
Diferentes áreas de desenvolvimento pastoral [224-229]
Uma pastoral juvenil popular [230-238]
Sempre missionários [239-241]
O acompanhamento pelos adultos [242-247]
A chamada à amizade com Ele [250-252]
Ser para os outros [253-258]
O amor e a família [259-267]
O trabalho [268-273]
Vocações para uma consagração especial[274-277]
Ser para os outros [253-258]
O amor e a família [259-267]
O trabalho [268-273]
Vocações para uma consagração especial[274-277]
Como discernir a tua vocação [283-286]
A chamada do Amigo [287-290]
Escuta e acompanhamento [291-298]
E para concluir... um desejo[299]
A chamada do Amigo [287-290]
Escuta e acompanhamento [291-298]
E para concluir... um desejo[299]
Cristo vive
1. CRISTO VIVE: é Ele a nossa esperança e
a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca torna-se jovem, fica
novo, enche-se de vida. Por isso as primeiras palavras, que quero
dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e quer-te vivo!
2. Está em ti, está contigo e jamais te
deixa. Por mais que te possas afastar, junto de ti está o Ressuscitado,
que te chama e espera por ti para recomeçar. Quando te sentires
envelhecido pela tristeza, os rancores, os medos, as dúvidas ou os
fracassos, Jesus estará a teu lado para te devolver a força e a
esperança.
3. Com afeto, escrevo a todos os jovens
cristãos esta Exortação Apostólica, ou seja, uma carta que recorda
algumas convicções da nossa fé e, ao mesmo tempo, encoraja a crescer na
santidade e no compromisso em prol da própria vocação. Mas, dado que é
um marco miliário dentro dum caminho sinodal, dirijo-me simultaneamente a
todo o Povo de Deus, aos pastores e aos fiéis, porque a reflexão sobre
os jovens e para os jovens nos interpela e estimula a todos nós. Por
isso, nalguns parágrafos falarei diretamente aos jovens, enquanto
noutros oferecerei abordagens mais gerais para o discernimento eclesial.
4. Deixei-me inspirar pela riqueza das
reflexões e diálogos do Sínodo do ano passado. Aqui não poderei recolher
todas as contribuições – podereis lê-las no Documento Final –,
mas procurei assumir, na redação desta carta, as propostas que me
pareceram mais significativas. Assim, a minha palavra será enriquecida
por milhares de vozes de crentes de todo o mundo, que fizeram chegar ao
Sínodo as suas opiniões. Mesmo os jovens não crentes, que quiseram
participar com as suas reflexões, propuseram questões que fizeram nascer
em mim novos interrogativos.
Capítulo I
5. Vamos respigar alguns tesouros da
Sagrada Escritura, onde várias vezes se fala de jovens e do modo como o
Senhor vai ao seu encontro.
No Antigo Testamento
6. Numa época em que os jovens contavam
pouco, alguns textos mostram que Deus vê com olhos diferentes. Por
exemplo, vemos José que era quase o mais novo da família (cf. Gn
37, 2-3) e, todavia, Deus comunicou-lhe em sonho coisas grandes e
superou todos os seus irmãos em cargos importantes quando tinha cerca de
vinte anos (cf. Gn 37 – 47).
7. Em Gedeão, reconhecemos a sinceridade
dos jovens, que não costumam dulcificar a realidade. Quando lhe foi
dito que o Senhor estava com ele, retorquiu: «Se o Senhor está connosco,
então porque é que nos aconteceu tudo isto?» (Jz 6, 13). Mas Deus não se aborreceu com esta censura e redobrou a aposta nele: «Vai com toda a tua força, e salva Israel» (Jz 6, 14).
8. Samuel era um adolescente inseguro,
mas o Senhor comunicava com ele. Graças ao conselho dum adulto, abriu o
seu coração para escutar a chamada de Deus: «Fala, Senhor; o teu servo
escuta» (1 Sm 3, 9-10). Por isso, foi um grande profeta que
interveio em momentos importantes da sua pátria. O rei Saul também era
um jovem, quando o Senhor o chamou para cumprir a sua missão (cf. 1 Sm 9, 2).
9. Quando o rei David foi escolhido, era
ainda rapaz. O profeta Samuel andava à procura do futuro rei de Israel,
e um homem apresentou-lhe, como candidatos, os seus filhos mais velhos e
mais experientes. Mas o profeta disse que o escolhido era David, o
rapaz que cuidava das ovelhas (cf. 1 Sm 16, 6-13), porque «o
homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (16, 7). A glória
da juventude está mais no coração do que na força física ou na impressão
que provoca nos outros.
10. Salomão, quando teve de suceder a
seu pai, sentiu-se perdido e disse a Deus: «Eu não passo de um jovem
inexperiente que não sabe ainda como governar» (1 Re 3, 7). No
entanto, a audácia da juventude impeliu-o a pedir a Deus a sabedoria e
entregou-se à sua missão. Algo parecido aconteceu com o profeta
Jeremias, chamado a despertar o seu povo quando era ainda muito jovem.
Temeroso, disse: «Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, pois ainda sou um
jovem» (Jr 1, 6). Mas o Senhor pediu-lhe para não falar assim (cf. Jr 1, 7), acrescentando: «Não terás medo diante deles, pois Eu estou contigo para te livrar» (Jr
1, 8). A entrega do profeta Jeremias à sua missão mostra o que é
possível fazer-se, se se unem o frescor da juventude e a força de Deus.
11. Uma donzela judia, que estava ao
serviço do militar estrangeiro Naaman interveio com fé para o ajudar a
curar da sua doença (cf. 2 Re 5, 2-6). A jovem Rute foi um exemplo de generosidade ao ficar na companhia da sua sogra, que acabara viúva e só (cf. Rt 1, 1-18), e mostrou também a sua audácia para triunfar na vida (cf. Rt 4, 1-17).
No Novo Testamento
12. Conta uma parábola de Jesus (cf. Lc
15, 11-33) que o filho «mais jovem» quis partir da casa paterna para um
país distante (cf. 15, 12-13). Mas, os seus sonhos de autonomia
transformaram-se em libertinagem e devassidão (cf. 15, 13), e provou a
dureza da solidão e da pobreza (cf. 15, 14-16). Todavia, foi capaz de
reconsiderar e começar de novo (cf. 15, 17-19): decidiu levantar-se (cf.
15, 20). É típico do coração jovem estar disposto a mudar, ser capaz de
levantar-se e deixar-se instruir pela vida. Como não acompanhar o filho
nesta nova tentativa? Mas o irmão mais velho já tinha o coração
envelhecido e deixou-se possuir pela ganância, o egoísmo e a inveja (cf.
15, 28-30). Jesus louva mais o jovem pecador que retoma o bom caminho
do que aquele que se julga fiel, mas não vive o espírito do amor e da
misericórdia.
13. Jesus, o eternamente jovem, quer
dar-nos um coração sempre jovem. Assim no-lo pede a Palavra de Deus:
«Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa» (1 Cor 5, 7). Ao mesmo tempo convida-nos a despojar-nos do «homem velho» para nos revestirmos do «homem novo» (Col 3, 9.10), do homem jovem.[1]E,
quando quer explicar o que é revestir-se desta juventude que «não cessa
de se renovar» (3, 10), diz que significa ter «sentimentos de
misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência,
suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém
tiver razão de queixa contra outro» (3, 12-13). Isto significa que a
verdadeira juventude é ter um coração capaz de amar. Pelo contrário,
aquilo que envelhece a alma é tudo o que nos separa dos outros. Por isso
mesmo conclui: «Acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço
da perfeição» (3, 14).
14. Notemos que Jesus não gostava que os
adultos olhassem com desprezo para os mais jovens ou os mantivessem,
despoticamente, ao seu serviço. Pelo contrário, pedia: «O que for maior
entre vós seja como o menor» (Lc 22, 26). Para Ele, a idade não
estabelecia privilégios; e o facto de alguém ter menos anos não
significava que valesse menos ou tivesse menor dignidade.
15. A Palavra de Deus diz que os jovens devem ser tratados «como irmãos» (1 Tm 5, 1), e recomenda aos pais: «Não irriteis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo» (Col
3, 21). Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar
coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de
conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e
desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo
superior. Por isso, insisto com os jovens para não deixar que lhes
roubem a esperança, repetindo a cada um: «Ninguém escarneça da tua
juventude» (1 Tm 4, 12).
16. Ao mesmo tempo, porém, recomenda-se aos jovens: «Sede submissos aos anciãos» (1 Ped
5, 5). A Bíblia sempre convida a um respeito profundo pelos idosos,
porque abrigam um tesouro de experiência, experimentaram os êxitos e os
fracassos, as alegrias e as grandes tribulações da vida, as esperanças e
as desilusões, e, no silêncio do seu coração, guardam tantas histórias
que nos podem ajudar a não errar nem enganar-nos com falsas miragens. A
palavra dum idoso sábio convida a respeitar certos limites e a saber-se
dominar a tempo: «Exorta igualmente os jovens a serem moderados» (Tit
2, 6). Não é bom cair no culto da juventude, nem numa postura juvenil
que despreze os outros pelos seus anos ou porque são doutro tempo. Jesus
dizia que a pessoa sábia é capaz de tirar do seu tesouro coisas novas e
velhas (cf. Mt 13, 52). Um jovem sábio abre-se ao futuro, mas permanece capaz de valorizar algo da experiência dos outros.
17. No Evangelho de Marcos, aparece uma
pessoa que, ao ouvir Jesus recordar-lhe os mandamentos, exclama: «Tenho
cumprido tudo isso desde a minha juventude» (10, 20). Já o dizia o
Salmo: «Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus, e a minha confiança
desde a juventude. (...) Instruíste-me, ó Deus, desde a minha juventude e
até hoje anunciei sempre as tuas maravilhas» (71/70, 5.17). Nunca nos
arrependeremos de gastar a própria juventude a fazer o bem, abrindo o
coração ao Senhor e vivendo contracorrente. De tudo isto, nada nos tira a
juventude, antes fortalece-a e renova-a: «É [o Senhor] quem (…) te
rejuvenesce como a águia» (Sal 103/102, 5). Por isso, Santo Agostinho lamentava-se: «Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde Vos amei!»[2]Mas
aquele homem rico, que fora fiel a Deus na sua juventude, deixou que os
anos lhe roubassem os sonhos, preferindo ficar agarrado aos seus bens
(cf. Mc 10, 22).
18. Entretanto, na passagem paralela do Evangelho de Mateus, aparece um jovem (cf. Mt
19, 20.22) que se aproxima de Jesus desejoso de mais (cf. 19, 20), com
aquele espírito aberto típico dos jovens, que busca novos horizontes e
grandes desafios. Na realidade, o seu espírito já não era assim tão
jovem, porque se apegara às riquezas e comodidades. Com a boca, dizia
querer algo mais, mas, quando Jesus lhe pede para ser generoso e
distribuir os seus bens, deu-se conta de que não era capaz de
desprender-se do que possuía. «Ao ouvir isto, o jovem retirou-se
contristado» (19, 22). Renunciara à sua juventude.
19. O Evangelho fala-nos também dalgumas
jovens prudentes que estavam prontas e vigilantes, enquanto outras
viviam distraídas e adormentadas (cf. Mt 25, 1-13). Com efeito,
é possível transcorrer a própria juventude distraído, planando à
superfície da vida, dormindo, incapaz de cultivar relações profundas e
entrar no coração da vida; deste modo, porém, prepara-se um futuro
pobre, sem substância. Ou, pelo contrário, pode-se gastar a juventude
cultivando coisas nobres e grandes e, assim, preparar um futuro cheio de
vida e riqueza interior.
20. Se perdeste o vigor interior, os
sonhos, o entusiasmo, a esperança e a generosidade, diante de ti está
Jesus, como parou diante do filho morto da viúva, e o Senhor, com todo o
seu poder de Ressuscitado, exorta-te: «Jovem, Eu te ordeno:
Levanta-te!» (Lc 7, 14).
21. Há, sem dúvida, muitos outros textos
da Palavra de Deus que nos podem iluminar acerca desta fase da vida.
Analisaremos alguns deles nos próximos capítulos.
Capítulo II
22. Jesus é «jovem entre os jovens, para ser o exemplo dos jovens e consagrá-los ao Senhor».[3]Por
isso, o Sínodo disse que «a juventude é um período original e
estimulante da vida, que o próprio Jesus viveu, santificando-a».[4] Que nos refere o Evangelho sobre a juventude de Jesus?
A juventude de Jesus
23. O Senhor «entregou o seu espírito» (Mt 27, 50) numa cruz, quando tinha pouco mais de 30 anos de idade (cf. Lc
3, 23). É importante tomar consciência de que Jesus foi um jovem. Deu a
sua vida numa fase que hoje se define como a dum jovem adulto. Em plena
juventude, começou a sua missão pública e, assim, brilhou «uma grande
luz» (Mt 4, 16), sobretudo quando levou até ao extremo o dom da
sua vida. Este final não foi improvisado, mas teve uma preciosa
preparação em toda a sua juventude, em cada um dos seus momentos, porque
«tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério»[5]e «toda a vida de Cristo é mistério de redenção».[6]
24. O Evangelho não fala da meninice de
Jesus, mas conta-nos alguns factos da sua adolescência e juventude.
Mateus coloca este período da juventude do Senhor entre dois episódios: o
regresso da sua família a Nazaré, depois do tempo de exílio, e o seu
batismo no Jordão, onde começou a sua missão pública. As últimas imagens
de Jesus menino são a dum pequeno refugiado no Egito (cf. Mt 2, 14-15) e, depois, a dum repatriado em Nazaré (cf. Mt
2, 19-23). As primeiras imagens de Jesus, jovem adulto, são as que
no-Lo apresentam na multidão ao pé do rio Jordão, para ser batizado pelo
primo João Batista, como qualquer um do seu povo (cf. Mt 3, 13-17).
25. Aquele batismo não era como o nosso,
que nos introduz na vida da graça, mas foi uma consagração antes de
começar a grande missão da sua vida. O Evangelho diz que o seu batismo
foi motivo de júbilo e comprazimento do Pai: «Tu és o meu Filho muito
amado» (Lc 3, 22). Imediatamente Jesus apareceu cheio do
Espírito Santo e foi levado pelo Espírito ao deserto. Assim, estava
pronto para ir pregar e fazer prodígios, libertar e curar (cf. Lc
4, 1-14). Cada jovem, quando se sente chamado a cumprir uma missão
nesta terra, é convidado a reconhecer dentro de si as mesmas palavras
que Deus Pai dissera a Jesus: «Tu és o meu filho muito amado».
26. No intervalo entre estes dois
episódios, aparece um que mostra Jesus em plena adolescência: quando
regressou para Nazaré com seus pais, depois que estes O perderam e
reencontraram no Templo (cf. Lc 2, 41-51). Em Nazaré, diz o texto que Jesus «era-lhes submisso» (Lc
2, 51), pois não tinha rejeitado a sua família. Então Lucas acrescenta
que «Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e
dos homens» (2, 52). Por outras palavras, estava-Se preparando e,
naquele período, ia aprofundando a sua relação com o Pai e com os
outros. São João Paulo II explicou que não crescia apenas fisicamente,
mas «houve em Jesus também um crescimento espiritual», porque «a
plenitude de graça em Jesus era relativa à idade: havia sempre
plenitude, mas uma plenitude crescente com o crescer da idade».[7]
27. Com base nestes dados evangélicos,
podemos afirmar que Jesus, na sua fase juvenil, foi-Se «formando»,
foi-Se preparando para realizar o projeto que o Pai tinha. A sua
adolescência e juventude orientaram-No para esta missão suprema.
28. Na adolescência e juventude, a sua
relação com o Pai era a do Filho muito amado; atraído pelo Pai, crescia
ocupando-Se das coisas d’Ele: «Não sabíeis que devia estar em casa de
meu Pai?» (Lc 2, 49). Mas, não devemos pensar que Jesus fosse
um adolescente solitário ou um jovem fechado em si mesmo. A sua relação
com as pessoas era a dum jovem que compartilhava a vida inteira duma
família bem integrada na aldeia. Aprendera o ofício do pai e, depois,
substituiu-o como carpinteiro. Por isso no Evangelho, uma vez, é chamado
«o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55) e, outra, simplesmente «o carpinteiro» (Mc
6, 3). Este detalhe mostra que era um rapaz da aldeia como os outros,
relacionando-Se com toda a normalidade. Ninguém O considerava um jovem
estranho ou separado dos outros. Por isso mesmo, quando Jesus começou a
pregar, as pessoas não sabiam explicar donde Lhe vinha aquela sabedoria:
«Não é este o filho de José?» (Lc 4, 22).
29. A verdade é que «Jesus também não
cresceu numa relação fechada e exclusiva com Maria e José, mas de bom
grado movia-Se na família alargada, onde encontrava os parentes e os
amigos».[8]Assim
se compreende que, ao regressar da peregrinação a Jerusalém, os pais
estivessem tranquilos pensando que aquele adolescente de doze anos (cf. Lc
2, 42) Se movia livremente entre as pessoas a ponto de não O verem
durante um dia inteiro: «pensando que Ele Se encontrava na caravana,
fizeram um dia de viagem» (Lc 2, 44). Com certeza – supunham
eles –, Jesus estaria lá indo e vindo entre os demais, brincando com os
da sua idade, ouvindo as histórias dos adultos e compartilhando as
alegrias e tristezas da caravana. Para expressar a «caravana» de
peregrinos, Lucas usou o termo grego synodía, que indica
precisamente esta «comunidade em caminho», na qual se integrou a sagrada
Família. Graças à confiança que n’Ele depositam seus pais, Jesus
move-Se livremente e aprende a caminhar com todos os outros.
A sua juventude ilumina-nos
30. Estes aspetos da vida de Jesus podem
servir de inspiração a todo o jovem que cresce e se prepara para
cumprir a sua missão. Isto implica amadurecer na relação com o Pai, na
consciência de ser um dos membros da família e da aldeia, e na
disponibilidade a ser cumulado do Espírito e guiado no cumprimento da
missão que Deus lhe confia, a sua vocação. Nada disto deveria ser
ignorado na pastoral juvenil, para não criar projetos que isolem os
jovens da família e do mundo, ou que os transformem numa minoria seleta e
preservada de todo o contágio. Precisamos, sim, de projetos que os
fortaleçam, acompanhem e lancem para o encontro com os outros, o serviço
generoso, a missão.
31. Não é de longe nem de fora que Jesus
vos ilumina, a vós jovens, mas a partir da própria juventude que
partilha convosco. É muito importante contemplar o Jesus jovem que os
Evangelhos nos mostram, porque foi verdadeiramente um de vós e, n’Ele, é
possível reconhecer muitos traços dos corações jovens. Vemo-lo, por
exemplo, nas seguintes caraterísticas: «Jesus teve uma confiança
incondicional no Pai, cuidou da amizade com os seus discípulos e, até
nos momentos de crise, permaneceu fiel a eles. Manifestou uma profunda
compaixão pelos mais fracos, especialmente os pobres, os doentes, os
pecadores e os excluídos. Teve a coragem de enfrentar as autoridades
religiosas e políticas do seu tempo; viveu a experiência de Se sentir
incompreendido e descartado; experimentou o medo do sofrimento e
conheceu a fragilidade da Paixão; dirigiu o seu olhar para o futuro,
colocando-Se nas mãos seguras do Pai e confiando na força do Espírito.
Em Jesus, todos os jovens se podem rever».[9]
32. Por outro lado, Jesus ressuscitou e
quer fazer-nos participantes da novidade da sua ressurreição. Ele é a
verdadeira juventude dum mundo envelhecido, e é também a juventude dum
universo que espera, por entre «dores de parto» (Rm 8, 22), ser
revestido com a sua luz e com a sua vida. Junto d’Ele, podemos beber da
verdadeira fonte que mantém vivos os nossos sonhos, projetos e grandes
ideais, lançando-nos no anúncio da vida que vale a pena viver. Em dois
detalhes interessantes do Evangelho de Marcos, podemos notar a chamada à
verdadeira juventude dos ressuscitados: na paixão do Senhor, aparece um
jovem medroso que procurava seguir Jesus, mas fugiu nu (cf. 14, 51-52),
um jovem que não teve a força de arriscar tudo para seguir o Senhor;
enquanto, junto do túmulo vazio, vemos um jovem «vestido com uma túnica
branca» (16, 5), que convidava a vencer o medo e anunciava a alegria da
ressurreição (cf. 16, 6-7).
33. O Senhor chama-nos a acender
estrelas na noite doutros jovens; convida-nos a olhar os verdadeiros
astros, ou seja, aqueles sinais tão variados que Ele nos dá para não
ficarmos parados, mas imitarmos o semeador que observava as estrelas
para poder lavrar o campo. Deus acende estrelas para nós, a fim de
podermos continuar a caminhar: «Às estrelas que brilham alegremente nos
seus postos, Ele chama-as e elas respondem» (Br 3, 34-35). Mas o
próprio Cristo é, para nós, a grande luz de esperança e guia na nossa
noite, pois Ele é «a brilhante estrela da manhã» (Ap 22, 16).
A juventude da Igreja
34. Ser jovem, mais do que uma idade, é
um estado do coração. Assim, uma instituição antiga como é a Igreja pode
renovar-se e voltar a ser jovem em cada uma das várias fases da sua
longa história. Com efeito, nos seus momentos mais dramáticos, sente a
chamada a retornar ao essencial do primeiro amor. Ao recordar esta
verdade, o Concílio Vaticano II afirmava que, «rica de um longo passado
sempre vivo, e caminhando para a perfeição humana no tempo e para os
destinos últimos da história e da vida, ela é a verdadeira juventude do
mundo». Nela, é sempre possível encontrar Cristo, «o companheiro e o
amigo dos jovens».[10]
Uma Igreja que se deixa renovar
35. Peçamos ao Senhor que liberte a
Igreja daqueles que querem envelhecê-la, ancorá-la ao passado, travá-la,
torná-la imóvel. Peçamos também que a livre doutra tentação: acreditar
que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar que
se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros.
Não! É jovem quando é ela mesma, quando recebe a força sempre nova da
Palavra de Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu
Espírito em cada dia. É jovem quando consegue voltar continuamente à sua
fonte.
36. Certamente nós, membros da Igreja,
não precisamos de aparecer como sujeitos estranhos. Todos nos devem
sentir irmãos e vizinhos, como os Apóstolos que «tinham a simpatia de
todo o povo» (At 2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13). Ao mesmo tempo,
porém, devemos ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros sonhos
que este mundo não oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do
serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria
vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos
pobres, da amizade social.
37. A Igreja de Cristo pode sempre cair
na tentação de perder o entusiasmo, porque deixa de escutar o apelo do
Senhor ao risco da fé, a dar tudo sem medir os perigos, e volta a
procurar falsas seguranças mundanas. São precisamente os jovens que a
podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar, não
se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e
testemunhal, estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça,
deixar-se interpelar com humildade. Os jovens podem conferir à Igreja a
beleza da juventude, quando estimulam a capacidade «de se alegrar com o
que começa, de se dar sem nada exigir, de se renovar e de partir para
novas conquistas».[11]
38. Quantos de nós já não são jovens
precisam de ocasiões em que tenham próxima a voz e o estímulo dos
jovens, e «a proximidade cria as condições para que a Igreja seja espaço
de diálogo e testemunho de fraternidade que fascina».[12]Precisamos
de criar mais espaços onde ressoe a voz dos jovens: «A escuta torna
possível um intercâmbio de dons, num contexto de empatia. (…) Ao mesmo
tempo, estabelece as condições para um anúncio do Evangelho que alcance
verdadeiramente, de modo incisivo e fecundo, o coração».[13]
Uma Igreja atenta aos sinais dos tempos
39. «Enquanto Deus, a religião e a
Igreja não passam de palavras vazias para numerosos jovens, os mesmos
mostram-se sensíveis à figura de Jesus, quando ela é apresentada de modo
atraente e eficaz».[14]Por
isso é necessário que a Igreja não esteja demasiado debruçada sobre si
mesma, mas procure sobretudo refletir Jesus Cristo. Isto implica
reconhecer humildemente que algumas coisas concretas devem mudar e, para
isso, precisa de recolher também a visão e mesmo as críticas dos
jovens.
40. No Sínodo, reconheceu-se que «um
número consistente de jovens, pelos motivos mais variados, nada pede à
Igreja, porque não a consideram significativa para a sua existência.
Aliás, alguns pedem-lhe expressamente para ser deixados em paz, uma vez
que sentem a sua presença como importuna e até mesmo irritante. Muitas
vezes este pedido não nasce dum desprezo acrítico e impulsivo, mas
mergulha as raízes mesmo em razões sérias e respeitáveis: os escândalos
sexuais e económicos; a falta de preparação dos ministros ordenados, que
não sabem reconhecer de maneira adequada a sensibilidade dos jovens;
pouco cuidado na preparação da homilia e na apresentação da Palavra de
Deus; o papel passivo atribuído aos jovens no seio da comunidade cristã;
a dificuldade da Igreja dar razão das suas posições doutrinais e éticas
perante a sociedade atual».[15]
41. Embora haja jovens a quem agrada ver
uma Igreja que se manifesta humildemente segura dos seus dons e também
capaz de exercer uma crítica leal e fraterna, outros jovens reclamam uma
Igreja que escute mais, que não passe o tempo a condenar o mundo. Não
querem ver uma Igreja calada e tímida, mas tão-pouco desejam que esteja
sempre em guerra por dois ou três assuntos que a obcecam. Para ser
credível aos olhos dos jovens, precisa às vezes de recuperar a humildade
e simplesmente ouvir, reconhecer, no que os outros dizem, alguma luz
que a pode ajudar a descobrir melhor o Evangelho. Uma Igreja na
defensiva, que perde a humildade, que deixa de escutar, que não permite
ser questionada, perde a juventude e transforma-se num museu. Como
poderá uma Igreja assim receber os sonhos dos jovens? Embora possua a
verdade do Evangelho, isto não significa que a tenha compreendido
plenamente; antes, deve crescer sempre na compreensão deste tesouro
inesgotável.[16]
42. Por exemplo, uma Igreja demasiado
temerosa e estruturada pode ser constantemente crítica de todos os
discursos sobre a defesa dos direitos das mulheres, e apontar
constantemente os riscos e os possíveis erros dessas reclamações. Ao
passo que uma Igreja viva pode reagir prestando atenção às legítimas
reivindicações das mulheres, que pedem maior justiça e igualdade; pode
repassar a história e reconhecer uma longa trama de autoritarismo por
parte dos homens, de sujeição, de várias formas de escravidão, abusos e
violência machista. Com este olhar, poderá fazer suas aquelas
reclamações de direitos e dará, convictamente, a sua contribuição para
uma maior reciprocidade entre homens e mulheres, embora não concorde com
tudo o que propõem alguns grupos feministas. Nesta linha, o Sínodo quis
renovar o empenho da Igreja «contra toda a discriminação e violência
com base no sexo».[17]Esta é a reação duma Igreja que se mantém jovem e se deixa interpelar e estimular pela sensibilidade dos jovens.
Maria, a jovem de Nazaré
43. No coração da Igreja, resplandece
Maria. É o grande modelo para uma Igreja jovem, que deseja seguir Cristo
com frescor e docilidade. Era ainda muito jovem quando recebeu o
anúncio do anjo, não se coibindo de fazer perguntas (cf. Lc 1, 34). Mas tinha uma alma disponível e disse: «Eis a serva do Senhor» (Lc 1, 38).
44. «Sempre impressiona a força do “sim”
de Maria, jovem. A força daquele “faça-se em Mim”, que disse ao anjo.
Foi uma coisa distinta duma aceitação passiva ou resignada. Foi qualquer
coisa distinta daquele “sim” que por vezes se diz: “Bem; provemos a ver
que sucede”. Maria não conhecia a frase “provemos a ver que sucede”.
Era determinada: compreendeu do que se tratava e disse “sim”, sem
rodeios de palavras. Foi algo mais, qualquer coisa de diferente. Foi o
“sim” de quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo,
sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portadora
duma promessa. Pergunto a cada um de vós: Sentes-te portador duma
promessa? Que promessa trago no meu coração, devendo dar-lhe
continuidade? Maria teria, sem dúvida, uma missão difícil, mas as
dificuldades não eram motivo para dizer “não”. Com certeza teria
complicações, mas não haveriam de ser idênticas às que se verificam
quando a covardia nos paralisa por não vermos, antecipadamente, tudo
claro ou garantido. Maria não comprou um seguro de vida! Maria embarcou
no jogo e, por isso, é forte, é uma “influenciadora”, é a
“influenciadora” de Deus! O “sim” e o desejo de servir foram mais fortes
do que as dúvidas e dificuldades».[18]
45. Sem ceder a evasões nem miragens,
«Ela soube acompanhar o sofrimento do seu Filho (...), apoiá-Lo com o
olhar e protegê-Lo com o coração. Que dor sofreu! Mas não A abateu. Foi a
mulher forte do “sim”, que apoia e acompanha, protege e abraça. É a
grande guardiã da esperança (...). D’Ela, aprendemos a dizer “sim” à
paciência obstinada e à criatividade daqueles que não desanimam e
recomeçam».[19]
46. Maria era a donzela de alma grande que exultava de alegria (cf. Lc
1, 47), era a jovenzinha com os olhos iluminados pelo Espírito Santo,
que contemplava a vida com fé e guardava tudo no seu coração (cf. Lc
2, 19.51). Não ficava quieta, punha-se continuamente a caminho: quando
soube que sua prima precisava d’Ela, não pensou nos próprios projetos,
mas «dirigiu-Se à pressa para a montanha» (Lc 1, 39).
47. E, sendo necessário proteger o seu menino, partiu com José para um país distante (cf. Mt 2, 13-14). Pelo mesmo motivo, permaneceu no meio dos discípulos reunidos em oração à espera do Espírito Santo (cf. At
1, 14). Assim, com a presença d’Ela, nasceu uma Igreja jovem, com os
seus Apóstolos em saída para fazer nascer um mundo novo (cf. At 2, 4-11).
48. Aquela jovenzinha é, hoje, a Mãe que
vela pelos filhos: por nós, seus filhos, que muitas vezes caminhamos na
vida cansados, carentes, mas desejosos que a luz da esperança não se
apague. Isto é o que queremos: que a luz da esperança não se apague. A
nossa Mãe vê este povo peregrino, povo jovem amado por Ela, que A
procura fazendo silêncio no próprio coração, ainda que haja muito
barulho, conversas e distrações ao longo do caminho. Mas, diante dos
olhos da Mãe, só há lugar para o silêncio cheio de esperança. E, assim,
Maria ilumina de novo a nossa juventude.
Jovens santos
49. O coração da Igreja está cheio
também de jovens santos, que deram a sua vida por Cristo, muitos deles
até ao martírio. Constituem magníficos reflexos de Cristo jovem, que
resplandecem para nos estimular e tirar fora da sonolência. O Sínodo
salientou que «muitos jovens santos fizeram resplandecer os
delineamentos da idade juvenil em toda a sua beleza e foram, no seu
tempo, verdadeiros profetas de mudança; o seu exemplo mostra do que os
jovens são capazes, quando se abrem ao encontro com Cristo».[20]
50. «Através da santidade dos jovens, a
Igreja pode renovar o seu ardor espiritual e o seu vigor apostólico. O
bálsamo da santidade gerada pela vida boa de muitos jovens pode curar as
feridas da Igreja e do mundo, levando-nos àquela plenitude do amor para
a qual, desde sempre, estamos chamados: os jovens santos impelem-nos a
voltar ao nosso primeiro amor (cf. Ap 2, 4)».[21]Há
santos que não conheceram a vida adulta, tendo-nos deixado o testemunho
doutra forma de viver a juventude. Recordemos ao menos alguns deles, de
diferentes momentos da história, que viveram, cada um à sua maneira, a
santidade.
51. São Sebastião – no século III – era
um jovem capitão da guarda pretoriana. Contam que falava de Cristo por
toda a parte e procurava converter os seus companheiros, até quando lhe
foi ordenado que renunciasse à sua fé. Como não aceitou, fizeram cair
uma chuva de flechas sobre ele, mas sobreviveu e continuou a anunciar
Cristo sem medo. Por fim, açoitaram-no até à morte.
52. São Francisco de Assis, ainda muito
jovem e cheio de sonhos, ouviu a chamada de Jesus para ser pobre como
Ele e restaurar a Igreja com o seu testemunho. A tudo renunciou com
alegria e é o santo da fraternidade universal, o irmão de todos, que
louvava o Senhor pelas suas criaturas. Morreu em 1226.
53. Santa Joana d'Arc nasceu em 1412.
Era uma jovem do campo que, apesar da sua jovem idade, lutou para
defender a França dos invasores. Incompreendida pelo seu aspeto e a sua
forma de viver a fé, morreu na fogueira.
54. O Beato André Phû Yên, um jovem
vietnamita do século XVII, era catequista e ajudava os missionários. Foi
preso por causa da sua fé e, por não querer renunciar a ela,
assassinaram-no. Morreu, dizendo «Jesus».
55. No mesmo século, Santa Catarina
Tekakwitha, jovem leiga nascida na América do Norte, foi perseguida pela
sua fé e, na sua fuga, percorreu a pé mais de 300 quilómetros através
de espessas florestas. Consagrou-se a Deus e morreu dizendo: «Jesus, eu
te amo!»
56. São Domingos Sávio oferecia a Maria
todos os seus sofrimentos. Quando São João Bosco lhe ensinou que a
santidade implica estar sempre alegre, abriu o seu coração a uma alegria
contagiosa. Procurava estar perto dos seus companheiros mais
marginalizados e doentes. Morreu em 1857, com a idade de 14 anos,
dizendo: «Que maravilha estou eu a ver!»
57. Santa Teresa do Menino Jesus nasceu
em 1873. Com a idade de 15 anos, superando muitas dificuldades,
conseguiu entrar num convento carmelita. Viveu o «caminhito» da
confiança total no amor do Senhor, propondo-se alimentar, com a sua
oração, o fogo do amor que move a Igreja.
58. O Beato Zeferino Namuncurá era um
jovem argentino, filho dum importante chefe das populações indígenas.
Tornou-se seminarista salesiano, cheio de vontade de voltar à sua tribo
para levar Jesus Cristo. Morreu em 1905.
59. O Beato Isidoro Bakanja era um leigo
do Congo que dava testemunho da sua fé. Foi longamente torturado por
ter proposto o cristianismo a outros jovens. Morreu, perdoando ao seu
carrasco, em 1909.
60. O Beato Pier Jorge Frassati, que
morreu em 1925, «era um jovem de uma alegria comunicativa, uma alegria
que superava também as muitas dificuldades da sua vida».[22]Dizia querer retribuir o amor de Jesus, que recebia na Comunhão, visitando e ajudando os pobres.
61. O Beato Marcelo Callo era um jovem
francês, que morreu em 1945. Na Áustria, foi preso num campo de
concentração, onde, no meio de duros trabalhos, confortava na fé os seus
companheiros de cativeiro.
62. A jovem Beata Clara Badano, que
morreu em 1990, «experimentou como o sofrimento pode ser transfigurado
pelo amor (...). A chave da sua paz e da sua alegria era a total
confiança no Senhor e a aceitação também da doença como expressão
misteriosa da sua vontade para o seu bem e para o bem de todos».[23]
63. Que eles, juntamente com muitos
jovens que, frequentemente no silêncio e anonimato, viveram a fundo o
Evangelho, intercedam pela Igreja para que esteja cheia de jovens
alegres, corajosos e devotados que ofereçam ao mundo novos testemunhos
de santidade.
Capítulo III
64. Depois de observar a Palavra de
Deus, não podemos limitar-nos a dizer que os jovens são o futuro do
mundo: são o presente, estão a enriquecê-lo com a sua contribuição. Um
jovem já não é uma criança, encontra-se num momento da vida em que
começa a assumir várias responsabilidades, participando com os adultos
no desenvolvimento da família, da sociedade, da Igreja. Mas os tempos
mudam, colocando-se a questão: Como são os jovens hoje? Que sucede agora
aos jovens?
Em positivo
65. O Sínodo reconheceu que os fiéis da
Igreja nem sempre têm o comportamento de Jesus. Em vez de nos dispormos a
escutá-los profundamente, «prevalece a tendência de fornecer respostas
pré-fabricadas e receitas prontas, sem deixar assomar as perguntas
juvenis na sua novidade e captar a sua interpelação».[24]Mas,
quando a Igreja abandona esquemas rígidos e se abre à escuta pronta e
atenta dos jovens, esta empatia enriquece-a, porque «permite que os
jovens deem a sua colaboração à comunidade, ajudando-a a individuar
novas sensibilidades e colocar-se perguntas inéditas».[25]
66. Hoje nós, adultos, corremos o risco
de fazer uma lista de desastres, de defeitos da juventude atual. Alguns
poderão aplaudir-nos, porque parecemos especialistas em encontrar
aspetos negativos e perigos. Mas, qual seria o resultado deste
comportamento? Uma distância sempre maior, menos proximidade, menos
ajuda mútua.
67. A clarividência de quem foi chamado a
ser pai, pastor ou guia dos jovens consiste em encontrar a pequena
chama que continua a arder, a cana que parece quebrar-se (cf. Is
42, 3) mas ainda não partiu. É a capacidade de individuar percursos
onde outros só veem muros, é saber reconhecer possibilidades onde outros
só veem perigos. Assim é o olhar de Deus Pai, capaz de valorizar e
nutrir os germes de bem semeados no coração dos jovens. Por isso, o
coração de cada jovem deve ser considerado «terra santa», diante da qual
nos devemos «descalçar» para poder aproximar-nos e penetrar no
Mistério.
Muitas juventudes
68. Poderíamos procurar descrever as
caraterísticas dos jovens de hoje, mas, antes de mais nada, quero
registar uma observação dos Padres Sinodais: a própria «composição do
Sínodo tornou visível a presença e a colaboração das diferentes regiões
do mundo, evidenciando a beleza de ser Igreja universal. Embora num
contexto de crescente globalização, os Padres Sinodais pediram para
salientar as múltiplas diferenças entre contextos e culturas, inclusive
dentro do mesmo país. Existe uma pluralidade de mundos juvenis, a ponto
de se tender, nalguns países, a usar o termo “juventude” no plural. Além
disso, a faixa etária considerada pelo presente Sínodo (16-29 anos) não
representa um todo homogéneo, mas compõe-se de grupos que vivem
situações peculiares».[26]
69. Partindo do ponto de vista
demográfico, alguns países têm muitos jovens, enquanto outros possuem
uma taxa de natalidade muito baixa. «Outra diferença deriva da história,
que torna distintos os países e continentes de antiga tradição cristã,
cuja cultura é portadora duma memória que não deve ser perdida, dos
países e continentes marcados por outras tradições religiosas e onde o
cristianismo tem uma presença minoritária e, por vezes, recente. Além
disso, noutros territórios, as comunidades cristãs e os jovens que fazem
parte delas são objeto de perseguição».[27]Deve-se
distinguir também os jovens «que têm acesso às crescentes oportunidades
oferecidas pela globalização de quantos, ao contrário, vivem à margem
da sociedade ou no mundo rural suportando os efeitos de formas de
exclusão e descarte».[28]
70. Existem muitas outras diferenças,
que seria complexo referir aqui em detalhe. Por isso, não me parece
oportuno demorar-me a oferecer uma análise exaustiva dos jovens no mundo
atual, de como vivem e do que lhes sucede. Mas, como também não posso
deixar de observar a realidade, assinalarei brevemente algumas
contribuições que chegaram antes do Sínodo e outras que pude recolher
durante o mesmo.
Algumas coisas que sucedem aos jovens
71. A juventude não é algo que se possa
analisar de forma abstrata. Na realidade, «a juventude» não existe; o
que há são jovens com as suas vidas concretas. No mundo atual, cheio de
progresso, muitas destas vidas estão sujeitas ao sofrimento e à
manipulação.
Jovens dum mundo em crise
72. Os Padres Sinodais assinalaram, com
tristeza, que «muitos jovens vivem em contextos de guerra e padecem a
violência numa variedade incontável de formas: raptos, extorsões,
criminalidade organizada, tráfico de seres humanos, escravidão e
exploração sexual, estupros de guerra, etc. Outros jovens, por causa da
sua fé, têm dificuldade em encontrar um lugar nas suas sociedades e
sofrem vários tipos de perseguição, que vai até à morte. Numerosos são
os jovens que, por constrangimento ou falta de alternativas, vivem
perpetrando crimes e violências: crianças-soldado, gangues armados e
criminosos, tráfico de droga, terrorismo, etc. Esta violência destroça
muitas vidas jovens. Abusos e dependências, bem como violência e
extravio contam-se entre as razões que levam os jovens à prisão, com
incidência particular nalguns grupos étnicos e sociais».[29]
73. Muitos jovens são mentalizados,
instrumentalizados e utilizados como carne de canhão ou como força de
choque para destruir, intimidar ou ridicularizar outros. E o pior é que
muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e difidentes
para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas
desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos
ou poderes económicos.
74. «Ainda mais numerosos no mundo são
os jovens que padecem formas de marginalização e exclusão social, por
razões religiosas, étnicas ou económicas. Lembramos a difícil situação
de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do aborto, bem
como a propagação do SIDA/HIV, as várias formas de dependência (drogas,
jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação dos meninos e
adolescentes de rua, que carecem de casa, família e recursos
económicos».[30]E quando se trata de mulheres, estas situações de marginalização tornam-se duplamente dolorosas e difíceis.
75. Não podemos ser uma Igreja que não
chora à vista destes dramas dos seus filhos jovens. Não devemos jamais
habituar-nos a isto, porque, quem não sabe chorar, não é mãe. Queremos
chorar para que a própria sociedade seja mais mãe, a fim de que, em vez
de matar, aprenda a dar à luz, de modo que seja promessa de vida.
Choramos ao recordar os jovens que morreram por causa da miséria e da
violência e pedimos à sociedade que aprenda a ser uma mãe solidária.
Esta dor não passa, acompanha-nos, porque não se pode esconder a
realidade. A pior coisa que podemos fazer é aplicar a receita do
espírito mundano, que consiste em anestesiar os jovens com outras
notícias, com outras distrações, com banalidades.
76. Talvez «aqueles de nós que levamos
uma vida sem grandes necessidades não saibamos chorar. Certas realidades
da vida só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada um
de vós a perguntar-se: Aprendi eu a chorar, quando vejo uma criança
faminta, uma criança drogada pela estrada, uma criança sem casa, uma
criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo
pela sociedade? Ou o meu não passa do pranto caprichoso de quem chora
porque quereria ter mais alguma coisa?»[31]Procura
aprender a chorar pelos jovens que estão pior do que tu. A misericórdia
e a compaixão também se manifestam chorando. Se o pranto não te vem,
pede ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo sofrimento dos
outros. Quando souberes chorar, então serás capaz de fazer algo, do
fundo do coração, pelos outros.
77. Às vezes o sofrimento dalguns jovens
é lacerante, um sofrimento que não se pode expressar com palavras, um
sofrimento que nos fere como um soco. Estes jovens só podem dizer a Deus
que sofrem muito, que lhes custa imenso continuar para diante, que já
não acreditam em ninguém. Mas, neste grito desolador, fazem-se ouvir as
palavras de Jesus: «Felizes os que choram, porque serão consolados."
Papa Francisco
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