São José, homem
justo e dócil, capaz de ouvir a Deus, é recordado como Esposo de Maria e
Padroeiro da Igreja.
O seu silêncio que se opõe à palavra “gritada,
brutal e agressiva, como estamos acostumados a ver”, explica na
entrevista o biblista e presidente do Pontifício Conselho para a
Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi, “permanece um exemplo e uma
advertência constante”.
São José trabalhador, carpinteiro e
dormindo são algumas representações do pai putativo de Jesus. “Uma
presença bastante limitada”, sublinhou o purpurado, mas em seu silêncio,
extremamente eloquente:
Cardeal Ravasi: A
figura de São José tem uma presença limitada. Ele está em primeiro plano
somente em relação ao início da vida de Jesus. O Evangelho de Mateus
dedica-lhe a Anunciação do Anjo, ao contrário de Lucas que dedica a
Maria. Podemos dizer que é somente no início absoluto de sua existência,
da existência de Cristo, que apare essa figura. Aparece por duas razões
e aqui entramos também na questão da “desobediência”. Aparece, em
primeiro lugar, porque é ele quem tem essa ascendência, que naturalmente
no mundo oriental era bastante vago, com Davi, e portanto dá a linha
davídica a Jesus, introduzindo-o no grande rio do messianismo. Por outro
lado, é ele quem vive a experiência do vínculo com Maria e dessa
surpresa que abala sua vida, e ele se sentiria pronto para romper o
vínculo com Maria, como se desobedecesse a esse projeto que tinha
construído: de estar junto com essa moça, com essa mulher. Não nos
esqueçamos de que José provavelmente não era o idoso representado também
no imaginário artístico, iconográfico. Está pronto para interromper
esse projeto comum, mas é nessa escolha que irrompe a Anunciação, que
muda radicalmente o seu projeto e o torna obediente por excelência:
torna-se instrumento fundamental para o reconhecimento de Jesus no
contexto social, como pai putativo.
Numa sociedade onde a palavra conta muito, aliás, quanto mais falamos, mais gritamos, o que São José pode nos dizer?
Cardeal Ravasi: Diz uma
coisa fundamental porque, diferentemente de muitos outros personagens
dos Evangelhos, é um personagem central no início, mas é mudo: não temos
uma palavra sequer. Em relação a Maria temos seis frases, digamos cinco
frases e um canto, o “Magnificat”. Na verdade, é pouco também para
Maria, pois são frases breves as cinco palavras de Maria. Ao contrário,
para José temos o silêncio absoluto. Eu diria que o “preferir” é uma
lição constante dentro dos Evangelhos, como Jesus prefere os últimos.
Como dizia o poeta francês, Paul Valéry, preferir sempre a palavra
“moindre”, a menor, a mais delicada em relação à palavra gritada, brutal
e agressiva que estamos acostumados a ver no âmbito político, na
informática, onde domina não somente a agressividade mas também a
vulgaridade. A palavra que é acesa até ficar quente. Sabemos bem que a
palavra é uma “criatura viva”: dizia outro poeta francês, Victor Hugo, e
como tal pode também ferir, se não às vezes até matar.
O Papa Francisco é muito devoto de São José e tem uma imagem pequena sempre consigo...
Cardeal Ravasi: Sim. É a
imagem de São José dormindo. Sabemos que existe também na iconografia.
Bassano, por exemplo, representou José dormindo que recebe a anunciação
ou recebe os sonhos que, como sabemos, na linguagem bíblica são uma
maneira de representar uma comunicação transcendente, espiritual: não é
necessariamente tudo o que concebemos através da visão psicanalítica, a
leitura onírica com uma interpretação “científica”. Enquanto que para a
tradição bíblica, e para toda a antiga tradição oriental, é uma maneira
de expressar a profunda experiência religiosa, portanto, uma experiência
espiritual, ascética e mística. Essa figura já é significativa, porque
José é por excelência o homem que recebe essas mensagens à noite, nos
momentos dramáticos da existência de seu filho oficial, seu filho
jurídico. É por esse motivo que podemos dizer que seja, mais uma vez,
uma figura sugestiva, porque tem a capacidade de ir em profundidade, sem
muita conversa. Os evangelhos apócrifos acrescentam muitos detalhes,
mas há um evangelho apócrifo chamado “José, o carpinteiro” que
representa sua morte, José deitado numa espécie de névoa do fim da vida,
que tem Cristo ao seu lado. Ele diz as últimas palavras em relação a
Maria: “Eu amei essa mulher com ternura”, e depois morre.
Comentários
Enviar um comentário