Aprender a dizer não, desligar o telemóvel, caminhar mais
lentamente, resistir às compras compulsivas: e se fizéssemos da
sobriedade um objetivo da Quaresma? Entrevista ao psicanalista e
biólogo médico francês Jean-Guilhem Xerri.
Entre as múltiplas solicitações sociais e digitais, a busca permanente do prazer, os objetivos de performance… Temos a impressão de nunca sossegarmos. Somos mais solicitados do que antes?
Somos infinitamente mais solicitados e distraídos – no sentido de uma profunda distração – que antes. Vivemos numa sociedade de projeto contínuo, que nos impele ao hiperconsumismo e à hiperatividade. Resultado: sentimos uma grande fatiga interior, a par de uma frustração permanente: material, mas também de ambição e visão de si próprio.
Se assim é, viver a Quaresma não implica o risco de se sobrecarregar ainda mais?
Tudo depende da nossa maneira de abordar a Quaresma. Se ela é vivida como mais uma prescrição – mais orações, mais ações caritativas –, o objetivo parece dificilmente alcançável. Antes de pensar no sacrifício e na ascese, é preciso primeiro definir as nossas prioridades e simplificar as nossas vidas. Isso significa despoluir-me, descarregar-me daquilo que não é essencial, e cuidar da minha alma. É mais um convite a mudar a minha relação com as pessoas, as minhas ocupações, Deus, do que a sobrecarregar-me.
Há métodos concretos para o recentramento?
Para procurar o caminho da nossa interioridade, precisamos de guias seguros, como os Padres do Deserto. Eles distinguem quatro pilares maiores para se despoluir e acolher esta ressurreição incrível: a preocupação com o outro, a vigilância interior, a sobriedade e as práticas meditativas.
Preocupar-se com o outro… isso exige tempo…
Com efeito, trata-se sobretudo de viver as mesmas coisas com mais atenção ao outro. «Sê vigilante – dá a tua atenção a –, abre o ouvido do teu coração», dizem os Padres do Deserto. Concretamente, isso pode muito simplesmente ilustrar-se por uma maior atenção aos meus colegas, dizer bom dia sem automatismo, deixar-me convidar a tomar o pequeno-almoço… Quanto à vigilância interior, convida a não agir em piloto automático: quando sinto que me estou a deixar levar pelas minhas ideias ou emoções (enervo-me, dobro-me sobre mim mesmo, faço um filme), tento tomar distância e identificar o que desencadeou o meu estado.
E a sobriedade, não é uma noção monacal?
Não, absolutamente! Ela é associada muitas vezes à privação, mas corresponde mais à opção por um bom equilíbrio interior, sem nos deixarmos distrair pelos nossos perturbadores. Nem sempre nos damos conta daquilo que polui o nosso dia a dia: erotização massiva das nossas relações, hipervalorização do narcisismo (para o que contribuem muito as redes sociais), SMS e notificações incessantes, mas também ditadura da disponibilidade permanente.
Como lutar contra esses perturbadores?
É preciso começar por ter consciência deles. Depois é preciso reintroduzir o retiro, a lentidão, o silêncio e a continuidade nas nossas existências.
O retiro é desligar-me do meu telemóvel, resistir às compras compulsivas, dizer não a certas solicitações, mesmo se são por uma boa causa.
A lentidão é abrandar conscientemente o meu passo, a minha maneira de falar, de fazer amor… É escutar a minha respiração durante os tempos de espera, em vez de me precipitar sobre o meu telemóvel.
O silêncio exterior, mas também interior, é tentar desligar-me do ruído.
A continuidade é acabar as minhas ações sem me deixar interromper pelos e-mails, os apelos incessantes.
Quando se identifica o principal perturbador, fazer este exercício durante 40 dias pode mudar uma vida.
A meditação opõe-se à oração?
A meditação laica não se opõe à oração, mas prepara para um verdadeiro encontro com Cristo. Não é um trabalho intelectual, mas uma mudança de relação comigo próprio: eu habito onde o meu corpo está. Concretamente, ela convida-me a sossegar, convida-me à imobilidade (quer se esteja no transporte público, numa igreja, no meu quarto…), e a conduzir deliberadamente a minha atenção para a minha respiração, as minhas sensações. É uma maneira formidável de me preparar para a oração. Jesus diz-nos: Eu estarei presente no meio de vós, no vosso coração. Por isso é preciso que nós próprios estejamos aí presentes.
Entre as múltiplas solicitações sociais e digitais, a busca permanente do prazer, os objetivos de performance… Temos a impressão de nunca sossegarmos. Somos mais solicitados do que antes?
Somos infinitamente mais solicitados e distraídos – no sentido de uma profunda distração – que antes. Vivemos numa sociedade de projeto contínuo, que nos impele ao hiperconsumismo e à hiperatividade. Resultado: sentimos uma grande fatiga interior, a par de uma frustração permanente: material, mas também de ambição e visão de si próprio.
Se assim é, viver a Quaresma não implica o risco de se sobrecarregar ainda mais?
Tudo depende da nossa maneira de abordar a Quaresma. Se ela é vivida como mais uma prescrição – mais orações, mais ações caritativas –, o objetivo parece dificilmente alcançável. Antes de pensar no sacrifício e na ascese, é preciso primeiro definir as nossas prioridades e simplificar as nossas vidas. Isso significa despoluir-me, descarregar-me daquilo que não é essencial, e cuidar da minha alma. É mais um convite a mudar a minha relação com as pessoas, as minhas ocupações, Deus, do que a sobrecarregar-me.
Há métodos concretos para o recentramento?
Para procurar o caminho da nossa interioridade, precisamos de guias seguros, como os Padres do Deserto. Eles distinguem quatro pilares maiores para se despoluir e acolher esta ressurreição incrível: a preocupação com o outro, a vigilância interior, a sobriedade e as práticas meditativas.
Preocupar-se com o outro… isso exige tempo…
Com efeito, trata-se sobretudo de viver as mesmas coisas com mais atenção ao outro. «Sê vigilante – dá a tua atenção a –, abre o ouvido do teu coração», dizem os Padres do Deserto. Concretamente, isso pode muito simplesmente ilustrar-se por uma maior atenção aos meus colegas, dizer bom dia sem automatismo, deixar-me convidar a tomar o pequeno-almoço… Quanto à vigilância interior, convida a não agir em piloto automático: quando sinto que me estou a deixar levar pelas minhas ideias ou emoções (enervo-me, dobro-me sobre mim mesmo, faço um filme), tento tomar distância e identificar o que desencadeou o meu estado.
E a sobriedade, não é uma noção monacal?
Não, absolutamente! Ela é associada muitas vezes à privação, mas corresponde mais à opção por um bom equilíbrio interior, sem nos deixarmos distrair pelos nossos perturbadores. Nem sempre nos damos conta daquilo que polui o nosso dia a dia: erotização massiva das nossas relações, hipervalorização do narcisismo (para o que contribuem muito as redes sociais), SMS e notificações incessantes, mas também ditadura da disponibilidade permanente.
Como lutar contra esses perturbadores?
É preciso começar por ter consciência deles. Depois é preciso reintroduzir o retiro, a lentidão, o silêncio e a continuidade nas nossas existências.
O retiro é desligar-me do meu telemóvel, resistir às compras compulsivas, dizer não a certas solicitações, mesmo se são por uma boa causa.
A lentidão é abrandar conscientemente o meu passo, a minha maneira de falar, de fazer amor… É escutar a minha respiração durante os tempos de espera, em vez de me precipitar sobre o meu telemóvel.
O silêncio exterior, mas também interior, é tentar desligar-me do ruído.
A continuidade é acabar as minhas ações sem me deixar interromper pelos e-mails, os apelos incessantes.
Quando se identifica o principal perturbador, fazer este exercício durante 40 dias pode mudar uma vida.
A meditação opõe-se à oração?
A meditação laica não se opõe à oração, mas prepara para um verdadeiro encontro com Cristo. Não é um trabalho intelectual, mas uma mudança de relação comigo próprio: eu habito onde o meu corpo está. Concretamente, ela convida-me a sossegar, convida-me à imobilidade (quer se esteja no transporte público, numa igreja, no meu quarto…), e a conduzir deliberadamente a minha atenção para a minha respiração, as minhas sensações. É uma maneira formidável de me preparar para a oração. Jesus diz-nos: Eu estarei presente no meio de vós, no vosso coração. Por isso é preciso que nós próprios estejamos aí presentes.
In Croire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: digitalista/Bigstock.com
Publicado em 06.03.2019
SNPC
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