Papa “abre” Quaresma a apontar para a ressurreição, apelo à conversão é promessa de vida feliz

Quando rezamos o Pai-nosso, a segunda invocação com que nos dirigimos a Deus é «venha a nós o vosso Reino». Depois de ter rezado para que o seu nome seja santificado, o crente exprime o desejo que se apresse a vinda do seu Reino.

Este desejo brota, por assim dizer, do próprio coração de Cristo, que começou a sua pregação na Galileia a proclamar: «O tempo cumpriu-se e o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai no Evangelho.
Estas palavras não são, de maneira nenhuma, uma ameaça; ao contrário, são um feliz anúncio, uma mensagem de alegria. Jesus não quer impelir as pessoas a converter-se semeando o medo do juízo iminente de Deus ou o sentido de culpa pelo mal cometido. Ao contrário, o que Ele traz é a Boa Notícia da salvação, e a partir dela chama à conversão. (…)
Os sinais da vinda deste Reino são múltiplos, e todos positivos. Jesus inicia o seu ministério cuidando dos doentes, seja no corpo seja no espírito, daqueles que vivem uma exclusão social – como os leprosos –, dos pecadores vistos com desprezo por todos, inclusive por aqueles que eram mais pecadores, mas fingiam que eram justos. O próprio Jesus indica estes sinais: «Os cegos readquirem a vista, os coxos caminham, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciado o Evangelho».

Deus não é como nós, Deus tem paciência. Não é com a violência que se instaura o Reino no mundo: o seu estilo de propagação é a ternura.

«Venha a nós o vosso Reino!», repete com insistência o cristão, quando reza o Pai-nosso. Jesus veio; mas o mundo está ainda marcado pelo pecado, repleto de muita gente que sofre, de pessoas que não se reconciliam e não perdoam, de guerras e de muitas formas de exploração – pensemos, por exemplo, no tráfico de crianças.
Todos estes factos são a prova de que a vitória de Cristo ainda não se cumpriu completamente: muitos homens e mulheres vivem ainda com o coração fechado. É sobretudo nestas situações que nos lábios do cristão aflora a segunda invocação do Pai-nosso: «Venha a nós o teu Reino!». Que é como dizer: «Precisamos de ti, Jesus; precisamos que em todo o lado e para sempre Tu sejas Senhor no meio de nós!». «Venha a nós o vosso Reino!».
Por vezes questionamo-nos: como é que este Reino se realiza tão lentamente? Jesus gosta de falar da sua vitória com a linguagem das parábolas. Por exemplo, diz que o Reino de Deus é semelhante a um campo onde crescem juntos a boa semente e o joio: o pior erro seria querer intervir de imediato, extirpando do mundo aquelas que parecem ser ervas daninhas. Deus não é como nós, Deus tem paciência. Não é com a violência que se instaura o Reino no mundo: o seu estilo de propagação é a ternura.
O Reino de Deus é certamente uma grande força, a maior que existe, mas não segundo os critérios do mundo; por isso parece que nunca tem a maioria absoluta. É como o fermento que se mistura na farinha: aparentemente desaparece, no entanto, é precisamente ele que faz crescer a massa. Ou é como um grão de mostarda, tão pequeno, quase invisível, que, todavia, tem em si a explosiva força da natureza, e uma vez crescido torna-se a maior de todas as árvores do horto.

Deus precede-nos sempre, Deus surpreende-nos sempre. Graças a Ele, depois da noite de Sexta-feira Santa há uma aurora de ressurreição capaz de iluminar de esperança o mundo inteiro

Neste “destino” do Reino de Deus pode intuir-se a trama da vida de Jesus: também Ele foi para os seus contemporâneos um sinal minúsculo, um acontecimento quase desconhecido aos historiadores oficiais do tempo. Um «grão de trigo», definiu-se Ele próprio, que morre na terra, mas só assim consegue dar «muito fruto». O símbolo da semente é eloquente: um dia o agricultor enterra-o na terra (um gesto que parece uma sepultura), e depois, «esteja a dormir ou acordado, de noite ou de dia, a semente germina e cresce. Como, ele próprio não o sabe». Uma semente que germina é mais obra de Deus do que do homem que a semeou. Deus precede-nos sempre, Deus surpreende-nos sempre. Graças a Ele, depois da noite de Sexta-feira Santa há uma aurora de ressurreição capaz de iluminar de esperança o mundo inteiro.
«Venha a nós o vosso Reino!» Semeemos esta palavra no meio dos nossos pecados e falhas. Ofereçamo-la às pessoas derrotadas e prostradas da vida, a quem experimentou mais ódio que amor, a quem viveu dias inúteis sem nunca compreender o porquê. Demo-la àqueles que lutaram pela justiça, a todos os mártires da história, a quem concluiu que lutou por nada, e que neste mundo domina o mal. Escutaremos então a oração do Pai-nosso responder. Repetirá, pela enésima vez, aquelas palavras de esperança, as mesmas que o Espírito colocou como selo de todas as Sagradas Escrituras: «Sim, vou já!» Ámen. E a Igreja do Senhor responde: «Vem, Senhor Jesus». «Venha a nós o vosso Reino» é o mesmo que dizer «Vem, Senhor Jesus». E Jesus diz: «Vou já». E Jesus vem, à sua maneira, mas todos os dias. Tenhamos confiança nisto. E quando rezarmos o Pai-nosso, digamos sempre: «Venha a nós o vosso Reino», para ouvirmos dizer no coração: «Sim, sim, vou, e vou já».
«Desejo a cada um de vós que viva este tempo [de Quaresma, iniciado hoje, Quarta-feira de Cinzas, e que se prolona durante 40 dias] num autêntico espírito penitencial e de conversão, como um regresso ao Pai, que a todos espera de braços abertos para nos admitir à comunhão mais íntima com Ele» [da saudação aos peregrinos de língua italiana].

Papa Francisco
Audiência geral, Vaticano, 6.3.2018, Quarta-feira de Cinzas, primeiro dia da Quaresma
In Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: amenic181/Bigstock.com
Publicado em 06.03.2019


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