Faz parte das regras básicas de sobrevivência de certos regimes.
A união dos elementos do grupo faz-se através da manutenção de um
inimigo comum. Ele é um sujeito que não merece confiança, é mau,
ingrato, e o melhor é…
A fantasia persecutória estimula até os membros mais inativos e reforça o poder do líder. A estratégia pode ser provisória e o adversário uma mera efabulação. O grupo é variável. Tanto pode ser formado por devotas senhoras que se reúnem regularmente numa sala de uma igreja ou por habitantes de um país inteiro, milhares, milhões de pessoas. Em ambos os casos, há claras vantagens para a sobrevivência do grupo na diabolização de um sujeito externo, seja o padre ou o estrangeiro.
Num grupo em que, para usar a terminologia do psicanalista britânico W. Bion, domina o pressuposto básico «ataque-fuga», a retórica populista está associada a uma campanha publicitária não raramente alimentada de «falsas notícias». Dominam também as referências apocalípticas do género «se o caminho proposto pelo nosso líder não for seguido, se estas medidas não forem aplicadas, estamos condenados. Será o fim». A desconfiança instala-se em todos os recantos da alma. A cultura do medo prevalece. Contrariar o pensamento dominante torna-se um ato de coragem invulgar. Pensar e propor abordagens alternativas às apresentadas é um risco que só um mártir é capaz de assumir.
É difícil resistir. É difícil não se deixar levar pelo impulso primeiro. A norma é procurar um refúgio na liderança segura e sábia daquele que se apresenta com características messiânicas. Proteger-se defensivamente do desconhecido, de quem nos invade.
Interrogo-me por vezes se as orientações que Jesus deu aos seus discípulos, no início da sua atividade pública, depois de ter conversado longamente com o Pai e ter escolhido os doze apóstolos, ainda se encontram dentro do prazo de validade. Se assim for, como conformar a mentalidade dominante com princípios como «amai os vossos inimigos, perdoai, sede misericordiosos»? É possível assumir a radicalidade destas propostas sem se tornar um sujeito anacrónico, um glorioso militante de um partido extremista ou mesmo um pobre diabo que ainda acredita no Pai Natal?
Que fazer com os inimigos? Amá-los?
É claro, podemos sempre usar uma espécie de artimanha interpretativa para dizer que «não era bem isso que o Mestre queria dizer», para logo apresentarmos o nosso pensamento, como se fosse Palavra Divina, quando é apenas leitura esmorecida da versão original. Será o caminho mais fácil. A porta mais larga. Mas não é essa que queremos atravessar, dizemos todos os dias.
A consciência da nossa incapacidade para abraçar sem reservas as suas orientações faz-nos pensar que tudo depende dEle. Mais do que mérito pessoal resultante de grandes esforços ascéticos, amar aquele que nos odeia é obra de Deus em nós.
Deixemos que Ele faça a sua parte.
A fantasia persecutória estimula até os membros mais inativos e reforça o poder do líder. A estratégia pode ser provisória e o adversário uma mera efabulação. O grupo é variável. Tanto pode ser formado por devotas senhoras que se reúnem regularmente numa sala de uma igreja ou por habitantes de um país inteiro, milhares, milhões de pessoas. Em ambos os casos, há claras vantagens para a sobrevivência do grupo na diabolização de um sujeito externo, seja o padre ou o estrangeiro.
Num grupo em que, para usar a terminologia do psicanalista britânico W. Bion, domina o pressuposto básico «ataque-fuga», a retórica populista está associada a uma campanha publicitária não raramente alimentada de «falsas notícias». Dominam também as referências apocalípticas do género «se o caminho proposto pelo nosso líder não for seguido, se estas medidas não forem aplicadas, estamos condenados. Será o fim». A desconfiança instala-se em todos os recantos da alma. A cultura do medo prevalece. Contrariar o pensamento dominante torna-se um ato de coragem invulgar. Pensar e propor abordagens alternativas às apresentadas é um risco que só um mártir é capaz de assumir.
É difícil resistir. É difícil não se deixar levar pelo impulso primeiro. A norma é procurar um refúgio na liderança segura e sábia daquele que se apresenta com características messiânicas. Proteger-se defensivamente do desconhecido, de quem nos invade.
Interrogo-me por vezes se as orientações que Jesus deu aos seus discípulos, no início da sua atividade pública, depois de ter conversado longamente com o Pai e ter escolhido os doze apóstolos, ainda se encontram dentro do prazo de validade. Se assim for, como conformar a mentalidade dominante com princípios como «amai os vossos inimigos, perdoai, sede misericordiosos»? É possível assumir a radicalidade destas propostas sem se tornar um sujeito anacrónico, um glorioso militante de um partido extremista ou mesmo um pobre diabo que ainda acredita no Pai Natal?
Que fazer com os inimigos? Amá-los?
É claro, podemos sempre usar uma espécie de artimanha interpretativa para dizer que «não era bem isso que o Mestre queria dizer», para logo apresentarmos o nosso pensamento, como se fosse Palavra Divina, quando é apenas leitura esmorecida da versão original. Será o caminho mais fácil. A porta mais larga. Mas não é essa que queremos atravessar, dizemos todos os dias.
A consciência da nossa incapacidade para abraçar sem reservas as suas orientações faz-nos pensar que tudo depende dEle. Mais do que mérito pessoal resultante de grandes esforços ascéticos, amar aquele que nos odeia é obra de Deus em nós.
Deixemos que Ele faça a sua parte.
P. Nélio Pita, CM
Imagem: sundaemorning/Bigstock.com
Publicado em 22.02.2019
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