Os olhos das crianças

«Olhai uma criança, olhai a aurora de Deus, olhai os olhos que vos fixam e vos amam. A um pequeno pode dizer-se tudo. Quando um destes graciosos passarinhos vos olha confiante e feliz, a alma restabelece-se.»

Há dias, quando atravessava um jardim, deparei-me com uma criança que veio ao meu encontro, oferecendo-me um doce meio comido. Os pais desculparam-se e talvez o tenham depois repreendido, porque a infâmia da pedofilia, entre os vários danos provocados, introduziu também a suspeição sistemática nas relações.
Nos olhos ficou-me durante muito tempo aquela fisionomia «confiante e feliz», tal como descreve de maneira esplêndida Dostoiévski no excerto que acima citei. O que mais me sensibiliza nas palavras do grande escritor russo está ligado a duas frases.
A primeira é sobre os olhos das crianças, «que vos fixam e vos amam»: é aquela confiança primordial que nós, adultos maliciosos e desconfiados, perdemos.
É por esta inocência em confiar no outro que Jesus escolheu precisamente os pequenos como símbolo da fé autêntica: «Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus».
A outra frase refere-se à alma restabelecida pelo encontro com estas pequenas criaturas de Deus. Estar na sua companhia, surpreender-se e divertir-se com elas, torna-nos diferentes, reconduz-nos à autêntica humanidade.
Desejo, então, concluir com as palavras de um famoso teólogo, Hans Urs von Balthasar, que deixo à vossa meditação: «Toda a criança começa na absoluta novidade do ser, na mesma maravilha absoluta, que é o ato fundamental da filosofia».


P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Kalinovskiy/Bigstock.com
Publicado em 19.02.2019


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