Assim me respondeu, um menino de 8 anos, quando se falava
sobre a catequese. Foi uma resposta tão espontânea, tão natural que causou
admiração e inquietação. À primeira vista parecia que a catequese não tinha
lugar para aquela criança.
No entanto, no seu olhar e na forma como a conversa
se desenrolou, estava uma emoção, um sentimento de querer estar onde estavam
também os seus amigos... A catequese não lhe era estranho, o estranho era não
ter tempo para frequentar a catequese.
Isto deixou-me perplexo! Fez-me fazer perguntas... Por que
deixou de ser importante a dimensão espiritual na vida da pessoa!? Por que deixou
de ser uma preocupação dos pais e das famílias e formação religiosa dos seus
filhos!? Porquê esta ausência do espiritual na vida das famílias!? Só se
cultiva o corpo e a inteligência e não há lugar para o espírito, para o
transcendente!? Queremos filhos bem dotados de todas as capacidades
intelectuais e físicas, e fazendo toda a espécie de sacrifícios, proporcionamos-lhes
todas as condições, mas não damos oportunidade para desenvolverem o seu espírito,
a sua alma!!
Arrisco-me a dizer que uma pessoa sem alma é alguém sem
vontade, sem querer, sem ambições, sem desejo, sem deleite, sem a consciência
do outro... falta-lhe a compreensão de si mesmo e dos outros e o seu propósito
neste mundo... falta-lhe a consciência de que é um ser em comunicação e em
relação... Se apenas cultivamos o corpo e desvalorizamos o espírito, é porque
não temos a noção da importância de uma formação mais integral e capaz de
educar para a horizontalidade e verticalidade da pessoa.
A educação não é apenas uma transmissão de conteúdos ou de
saberes. A isso podermos chamar instrução. Pelo contrário, educar é um processo
de descoberta do mundo, dos seus valores e sentidos, feito pelo educando com o
suporte vivencial dos que lhe são mais próximos. Requer sempre muita audácia e
mestria, mas sobretudo, reclama uma visão integradora da pessoa no seu todo e
não apenas na parte. O transcendente não é o obscuro nem o inacessível ou o
impraticável só porque não é sensível aos nossos sentidos. O transcendente
abre-nos ao mistério da gratuidade humana, supera a mundanidade e busca a
compreensão de si mesmo neste mundo.
August Cury, no livro “Maria, a maior educadora da história”
escreve sobre o educador: “O maior educador não
é o que corrige comportamentos, mas o que ensina a reflectir. Não é o que
observa apenas o que é tangível aos olhos, mas o que vê o invisível.” Penso que
aqui podemos encontrar o desafio para cada educador, sobretudo para os pais e
as famílias. É verdade que a correção é necessária, mas esta nunca pode excluir
a reflexão. Curioso é também o que diz o autor ao afirmar que o educador é
chamado a ver para além do que é visível e tocável. Por outras palavras, a
educação passa também pelo cultivo da vida interior, por aquilo que o coração
anseia, pelo que nem sempre precisa de explicação científica...
Hoje nem a catequese nem a frequência dominical à Eucaristia são tidos
como momentos decisivos na vida de muitos dos cristãos. Ter tempo para parar, contemplar
e rezar é muitas vezes tido como perda de tempo. Consequentemente, não se
valoriza nem se cuida da interioridade.
Mesmo neste tempo de Natal, o que vemos!? Tudo
descaracterizado, tudo apressado, cabisbaixo e reduzido a ditames sociais quem
nada libertam. Pelo contrário, escravizam e criam dependências... Onde
encontramos aqui o transcendente!? O desejo de uma vida interior, a cultivar e
cuidar!?
“Não posso, tenho
muitas actividades!” é o sinal de uma criança de oito anos, a perguntar-nos: o
que esperais de mim!? O que desejais que eu seja!?
Como lhe vamos responder!? Paremos diante de um presépio. Olhemos
para ele demoradamente. E interiormente deixemos que o Espírito faça em nós o
seu trabalho. O menino nasceu e o mundo começa de novo!
Artigo publicado pela equipa de pastoral familiar arciprestal de Vila Nova de Famalicão, 28 de Dezembro de 2019
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