É difícil imaginar hoje em dia uma pastoral que não tenha
momentos de convívio. Começa-se do catecismo, em que se festejam os
aniversários, e depois no grupo após o Crisma com a fórmula pizza +
encontro (por vezes também de forma inversa, em virtude da conhecida
propriedade comutativa e consequente resultado inalterado).
Dos grupos de casados, depois, nem sequer falo, havendo muitas vezes salas de jantar improvisadas para poder vazão a copiosos jantares que ocupam a maior parte do tempo compartilhado (recordo-me de que, quando ainda adjunto do pároco, às 23h30 pedia licença para me despedir, e o imparável Vincenzo tentava deter-me com o sedutor «vamos pôr massa na água e façamos esparguete…»).
Nem mesmo o grupo de reformados falha a este costume, à exceção de banir os nogados e crocantes que ameaçam a estabilidade das dentaduras. Num contexto deste género, pode pensar que a pastoral com as pessoas homossexuais se subtraia a esta regra?
Andei bastante pelo país e encontrei diversos grupos que organizaram os seus encontros de maneira diferente, como escolas de oração ou como momentos de verificação existencial, com capelães ou autogeridos, em paróquias e casas particulares. Parece-me que um dos poucos dados constantes que se podem registar é uma profunda dedicação ao aspeto culinário.
Dos grupos de casados, depois, nem sequer falo, havendo muitas vezes salas de jantar improvisadas para poder vazão a copiosos jantares que ocupam a maior parte do tempo compartilhado (recordo-me de que, quando ainda adjunto do pároco, às 23h30 pedia licença para me despedir, e o imparável Vincenzo tentava deter-me com o sedutor «vamos pôr massa na água e façamos esparguete…»).
Nem mesmo o grupo de reformados falha a este costume, à exceção de banir os nogados e crocantes que ameaçam a estabilidade das dentaduras. Num contexto deste género, pode pensar que a pastoral com as pessoas homossexuais se subtraia a esta regra?
Andei bastante pelo país e encontrei diversos grupos que organizaram os seus encontros de maneira diferente, como escolas de oração ou como momentos de verificação existencial, com capelães ou autogeridos, em paróquias e casas particulares. Parece-me que um dos poucos dados constantes que se podem registar é uma profunda dedicação ao aspeto culinário.
A pastoral com as pessoas homossexuais em muitos casos é um elemento
não integrado na realidade da Igreja em que está inserida. É claro que
deve ter os seus espaços de reserva e tutelar as pessoas dela usufruem
sem estarem expostas aos juízos de outros. O problema surge quando se
torna um corpo estranho em relação à vida da comunidade
À distância de anos, posso ter esquecido os nomes das pessoas que encontrei e até ter removido alguns rostos (sou pouco fisionomista, infelizmente), mas ainda me lembro do que se comeu! Somos um país dividido em tudo mas, felizmente, partilhamos uma atenção particular à comida, e eu não me sentiria preparado para fazer uma classificação para premiar uma cozinha regional em detrimento de outra.
Parece-me ser uma sensibilidade importante, que também fala de um sentimento de acolhimento entre pessoas que muitas vezes têm de lidar com quem as recusam a priori. Na verdade, talvez certas tensões dentro da Igreja, e muitas vezes internas às próprias paróquias, pudessem ser domadas mais facilmente perante um cozido ou um bacalhau, em vez de um assético conselho pastoral. É uma fórmula que funcionava já no tempo de Jesus, mesmo sendo verdade que muitas vezes aceitava convites daqueles fariseus que não perdiam oportunidade para lhe cortar na casaca.
É óbvio, porém, que a mesa não é suficiente para aplanar tudo, e, nesse sentido, é indicativo recordar o que aconteceu em Antioquia, de acordo com o que S. Paulo relata no segundo capítulo da carta aos Gálatas. Nessa Igreja, os cristãos de origem pagã e de origem judaica comiam à mesma mesa, considerando que as normas alimentares que separavam os judeus dos pagãos (e, portanto, da sua impureza) tinham sido superadas pela novidade cristã e pelo Batismo que haviam recebido. Tudo parecia funcionar pelo melhor, mas os mensageiros enviados por Tiago, chefe da Igreja-mãe de Jerusalém, quiseram voltar às duas mesas separadas.
Que família pode ser a Igreja se distingue entre filhos e enteados? E
sobretudo que família é aquela onde os mais fortes agridem [exercem
“bullying”] sobre os mais pequenos?
Até Pedro e Barnabé se inclinaram diante deste “diktat”, só Paulo tornou o assunto uma questão de princípio e recusou a ordem. Pelo que é dado entender, ficou sozinho e derrotado. Porquê voltar a evocar este facto? Porque mesmo hoje o risco nas nossas igrejas é voltar às mesas separadas.
A pastoral com as pessoas homossexuais em muitos casos é um elemento não integrado na realidade da Igreja em que está inserida. É claro que deve ter os seus espaços de reserva e tutelar as pessoas dela usufruem sem estarem expostas aos juízos de outros. Além disso, há um caminho específico, à imagem das instâncias próprias dos Escuteiros ou de outros grupos que gravitam em torno da paróquia, mas conservando uma certa autonomia. O problema, no entanto, surge quando se torna um corpo estranho em relação à vida da comunidade.
Infelizmente, são muitas as situações deste género, onde à pastoral com as pessoas homossexuais são “concedidos” espaços, mas de forma quase clandestina, como se se tratasse de reuniões de sociedades secretas, e não de momentos eclesiais. Isto não está bem, porque acaba por reproduzir no âmbito da Igreja algumas distorções da sociedade civil, onde cada um se regula como crê, bastando que não pise os pés aos outros. Mas a Igreja é outra coisa…
Se as iniciativas da pastoral com as pessoas homossexuais são mantidas escondidas para não perturbar o sono de alguns crentes bem-pensantes, há qualquer coisa que não funciona, voltámos a separar as mesas e a considerar que alguns te podem contagiar com a sua “impureza”.
Se participamos no mesmo Pão na Eucaristia, se recebemos um Batismo
que nos torna todos parentes porque filhos do mesmo Pai, então as
barreiras e divisões que se erguem sucessivamente são abusivas
Haverá sempre pessoas obtusas que se recusam a enviar os filhos para grupos da Igreja se há categorias com as quais têm problemas de relacionamento, mas ceder a essas chantagens significa dar razão às famílias que escondem os avós quando têm visitas ou que nunca te falam dos parentes com deficiência. Que família pode ser a Igreja se distingue entre filhos e enteados? E sobretudo que família é aquela onde os mais fortes agridem [exercem “bullying”] sobre os mais pequenos?
É por isso que a mesa pode tornar-se um lugar de comunhão, onde as pessoas se encontram e se acolhem por aquilo que são. Comer o mesmo pão é uma forma concreta de comunhão, porque o próprio termo deriva de “companheiro” (“cum-panis”), aquele que divide o mesmo pão.
Se participamos no mesmo Pão na Eucaristia, se recebemos um Batismo que nos torna todos parentes porque filhos do mesmo Pai, então as barreiras e divisões que se erguem sucessivamente são abusivas, são reconstruções humanas daquilo que o Filho de Deus abateu.
P. Gian Luca Carrega
Diretor do Departamento da Pastoral da Cultura da arquidiocese de Turim (Itália), encarregado de atividades pastorais para pessoas LGBT e seus familiares
In Gionata
Trad. / adapt.: Rui Jorge Martins
Imagem: monkeybusinessimages/Bigstock.com
Publicado em 08.01.2019
SNPC
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