Nem sempre
conseguimos olhar para cada coisa com a clareza necessária. Falta-nos,
muitas vezes, a capacidade para ver bem, para afastar o que nos turva a
água de dentro. Outras vezes, falta-nos a coragem para querer ver.
Querer enfrentar as ondas que (nos) rebentam e os esqueletos de conchas
que nos ferem as palmas dos passos. Não é fácil ter, sempre, o sangue
frio que a vida nos exige. Muitas vezes, optamos por ver o que nos
convém, o que nos apetece, o que nos deixa mais confortáveis. No
entanto, acabaremos por perceber que essa decisão não nos levará longe.Nem sempre conseguimos olhar para os outros com a bondade necessária. Ninguém consegue ser sempre bom. E terno. E gentil. E paciente. E compreensivo. Falta-nos a leveza necessária para encarar o outro como uma pessoa igualzinha ao que também somos e tentamos ser. É muito mais fácil justificar as nossas faltas de bondade com as faltas de bondade do outro. Pensamos que é justo dar na medida do que, também, recebemos. Pensamos que os defeitos dos outros são sempre maiores e mais graves do que os nossos. Acabamos por aprender a morar dentro de uma estrutura que culpa sempre os outros e que nos desculpa, sempre, a nós. Que bonita é essa casa que construímos com as nossas perfeições imaginadas. Que bonita é essa casa que erguemos à custa do que não sabemos perdoar aos lados de lá. Que bonita é essa casa…mas tão vazia. Ou tão cheia de vento frio. Tão cheia de invernos que não passam e de nuvens que nunca deixam o sol atravessar.
Ninguém disse que ia ser fácil. E, na maioria das vezes, não vai ser. Mas temos o dever e a obrigação de olhar para as nossas fraquezas com olhos de ver. Os nossos defeitos, e aquilo que criticamos nos outros, são (quase sempre) os defeitos e as características que também temos. Numa ou noutra dimensão. Mais ou menos levemente. Na verdade, somos um espelho daquilo que vemos no rosto do outro. Nos olhos do outro. Aquilo que conta na análise que fazemos de cada uma das pessoas é aquela névoa que paira por detrás do seu olhar. Aquele brilho capaz de iluminar a noite mais escura. Cada um brilha com aquilo que pode, com aquilo que tem e com aquilo que ama. É essa luz quase invisível que vale a pena guardar. Os defeitos, as teimosias, as fraquezas, as impossibilidades e as faltas (do outro) são para ser vistos com olhos de quem sabe que também os tem.
E agora, os meus defeitos ainda são maiores que os teus?
Por Marta Arrais
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