Francisco e afastamento «profundo» entre juventude e Igreja

«Fala-se muito dos jovens. Jovens que não têm trabalho, que já não fazem política, que não frequentam a Igreja. E que dela se afastam sem motivo ou com razões compreensíveis. Eles tornaram-se cada vez mais um problema do que um recurso para a sociedade e para a comunidade cristã.»


É nestes termos que o papa Francisco inicia o texto de abertura do livro “Caríssimo bispo… - 100 jovens escrevem e os bispos respondem”, de Marco Pappalardo, lançado recentemente em Itália pela editora Elledici (160 páginas. 11,90 €), a poucos dias do início do sínodo dos bispos, que de 3 a 28 de outubro debate no Vaticano questões relacionadas com a juventude. Apresentamos seguidamente todo o texto.

«Quais são os motivos deste afastamento que parece insanável e cada vez mais profundo? Os adultos apressam-se a dar as suas respostas, as suas interpretações, através de inquéritos, congressos, livros. Operações absolutamente respeitáveis e dignas de atenção, sobretudo quando se tornam questionamentos e exame de consciência para nós, adultos.

Creio, todavia, que hoje a operação mais urgente é a de escutar “ao vivo” as suas vozes: muitas vezes críticas e preocupantes, outras simplesmente iluminadoras. A Igreja, e eu em primeiro lugar, juntamente com os bispos e os educadores, optámos por nos colocar em atitude de máximo acolhimento das suas opiniões porque acreditamos que têm de se tornar cada vez mais sujeitos ativos e protagonistas não só da própria vida, mas também da Igreja.

O sínodo dos bispos, que eu anunciei a 6 de outubro de 2016, tem como tema central “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Foi pensado e preparado para ativar um confronto e um diálogo, aberto e sincero, entre a comunidade cristã e as jovens gerações. Recebemos um primeiro sinal de forte interesse da sua parte com as respostas que mais de cem mil jovens fizeram chegar à Secretaria do Sínodo. Um acontecimento de grande interesse foi a reunião pré-sinodal em que tomaram parte mais de 300 jovens de todo o mundo e os muitíssimos seus coetâneos que se exprimiram através das redes sociais. Exortei os jovens a falar “sem filtros”, procurando comunicar-lhes os meus sonhos e convidando-os a profetizar, retomando a palavra do profeta Joel: “Infundirei o meu espírito sobre cada homem e tornar-se-ão profetas os vossos filhos e as vossas filhas; os vossos anciãos terão sonhos, os vossos jovens terão visões” (Joel 3, 1).

Reencontro as suas vozes nas dos 100 jovens que “falam” nas páginas deste livro e dialogam com os seus bispos. São os pensamentos, as críticas, os sonhos que fiz minhas e nas quais reencontro a sua vida, mas também o eco e o sussurro da voz de Deus.

As cartas, os “e-mails”, as mensagens recolhidas pelos autores são corajosas e diretas e superam a “distância de segurança” entre os jovens e os adultos. Nelas emergem histórias, rostos, ilusões, projetos e esperanças, e não simples abstrações, dados estatísticos e percentuais.

Toca-me o apelo lançado por vários jovens que pedem aos adultos para estarem próximos deles e de os ajudar nas opções importantes. E convencem-me também as respostas dos bispos e a sua vontade de se colocarem humildemente à escuta de todos, ninguém excluído, para compreender melhor o que Deus e a história estão a pedir através deles.

Uma vez mais, leigos e consagrados somos chamados a aprender novas modalidades de presença e proximidade como amigos que escutam, conhecem e aconselham no autêntico espírito do discernimento.

Precisamos dos jovens para sair da lógica venenosa do “fez-se sempre assim” e procurar juntos novos caminhos, tendo fixo o olhar em Jesus. A nós cabe o compromisso de sermos dóceis e chegarmo-nos ao mundo dos jovens com o entusiasmo da fé, o gosto da procura, a confiança no futuro, a profecia dos trilhos novos. Com humildade devemos colocarmo-nos no mesmo comprimento de onda, como acontece no diálogo entre os jovens e os bispos que se confrontam neste livro com franqueza e em toda a liberdade, até mesmo com “lata”.

Quem escuta e responde é chamado a sair para as periferias dos corações, levando a sério cada pulsação de quem com esforço constrói a sua história a cada dia. É o Evangelho! É o que viveu Jesus! É o olhar de todo o pastor autêntico e de toda a comunidade cristã que se sentem responsáveis pelo cuidado das novas gerações, metendo-se automaticamente em jogo, dedicando tempo e recursos, dando testemunho credível.

Só assim cada encontro com um jovem pode mudar-lhe a vida para melhor, pode mudar-nos a vida, experimentado a beleza do amor de Deus.

Se um pequeno grupo de bispos se deixou envolver por 100 jovens que tiveram a coragem de dizer o que pensam, quanto mais podemos fazer se colaborarmos todos para construir uma comunidade que dialoga, que se confronta e age em conjunto com coragem e transparência. Partilharemos um sonho comum e caminharemos com a certeza de ter ao nosso lado Jesus ressuscitado, amigo e Senhor da nossa vida, como naquele dia os dois discípulos no caminho de Emaús.»

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