A verdade atrai, mas …
A verdade tem dignidade, mas não tem charme[1]. Por vezes, nos dias que correm, a falsidade, a ilusão, o poder, o sucesso fácil parecem muito mais atraentes e cativantes e, com muita facilidade, ganham vantagem em relação à verdade, com todas as consequências visíveis e perniciosas que isso implica.
Todos desejamos a verdade e todos a amamos, mas muitas vezes não conseguimos encontrar força para a querer e praticar. Como diz Bouveresse, «a falsidade tem sobre a verdade a mesma espécie de vantagem que a estupidez tem sobre a inteligência». O problema da estupidez é que ela aparece sempre muito convincente, “disfarçada” de progresso, de génio, de perfeição, de esperança e até de bem[2]!… E porque populista, é muito difícil de combater e de nos livrarmos dela. A verdade, todavia, porque exigente, em primeiro lugar com quem a deseja, não é fácil de viver nem de suportar. E tem um preço, tal como a falsidade. Todavia, o preço a pagar pela verdade é por vezes muitíssimo elevado: a morte. Recordemos que Jesus Cristo morreu numa cruz por “votação” e por maioria quase absoluta… Dá que pensar!
… a aparência também, e às vezes mais ainda…
Vivemos na sociedade da aparência, numa sociedade em crise de identidade, uma sociedade onde a palavra, a confiança no outro, a perda de sentido, o medo, a insegurança, parecem ganhar cada vez mais terreno. Todavia, como nos recorda João Paulo II, na linha dos filósofos gregos clássicos, em épocas de crise, o Educador não pode esquecer que o elemento mais importante na relação educativa continua a ser o homem e a sua dignidade moral, a qual provém da verdade dos seus princípios e da conformidade do seu viver e agir com esses princípios. Por algum motivo, na Grécia clássica o professor era escolhido para essa missão, não somente pela sua preparação técnica, mas sobretudo pela sua conduta moral, atestada e comprovada publicamente. Era requisito necessário para alguém ser candidato a professor que fosse pessoa com idoneidade moral publicamente reconhecida! Por outro lado, para os gregos, o maior cargo do Estado deveria ser o de Ministro da Educação, e a pessoa que o deveria desempenhar teria de ser o melhor de todos os cidadãos. A função do governante é, para Platão, a de acrescentar saúde moral entre os cidadãos. Como insistia o filósofo, a prosperidade económica e as vitórias militares são secundárias. A educação traz consigo a vitória, mas a vitória, por vezes, traz consigo a deseducação.
A verdade: o futuro com esperança
No contexto atual da sociedade ocidental, a contracultura do niilismo banal e a indiferença ganharam foros de cidadania e seduzem milhares de jovens, deixando-os sem recursos morais e vitais para enfrentarem o futuro com esperança. Estamos numa sociedade que privilegia o bem-estar, que se anestesia contra todo o conflito, que tem como ponto assente o descompromisso. Parece que estamos naquela sociedade sedenta da tranquilidade do redil, contra a qual Nietzsche lutava. Urge, por isso, como nos diz Barrio Maestre, que a pedagogia devolva referências de sentido, pois a ela cabe a missão de recuperar, a partir da tradição socrática, a força e o prestígio do conhecimento, isto é, a força e o prestígio da razão como capacidade de verdade.
O homem fragmentado, incapaz tantas vezes de, em discernimento, dar unidade a tanta informação que lhe chega, é o protótipo desta sociedade. O grande problema que se lhe coloca é a questão do sentido. Neste contexto, a educação deve ser entendida como recurso essencial para preparar as pessoas para um mundo que muda constantemente, e para torná-las capazes de mudar, como nos recorda João Paulo II, na base da preponderância do «ético sobre o técnico, do primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria […], da transcendência do homem sobre o mundo, e de Deus sobre o homem».
A educação não é somente, nem sobretudo, uma questão de técnicas pedagógicas e de saberes cognitivos. O facto educativo aponta para uma escala de valores. A educação tem a ver, essencialmente, com a formação da pessoa para um valor fundamental na vida de cada ser humano: a verdade. A formação da pessoa implica, por isso, relação, e, portanto, uma pedagogia do diálogo. O que se comunica é o que se vive. É por isso que toda a educação se joga, em última instância, na realidade e no exemplo do Educador, que é a ferramenta-chave de todo o processo educativo.
A educação deve assentar numa antropologia que valorize a verdade, a qual deve radicar na promoção e na defesa da inviolabilidade dos valores da vida e da dignidade humana como fundamento de qualquer cultura. A verdade, assim entendida, é caminho para a liberdade, porque traz com ela a justiça, a harmonia, a inclusão e a consequente paz social. A relação educativa, diz Bento XVI, é o encontro de duas liberdades em diálogo, e a educação só terá sucesso se preparar para um reto uso da liberdade. Por isso, a verdade não se impõe com a força da violência, mas com a força da razão. Naturalmente que se parte de um princípio que fundamenta a afirmação anterior: existe a verdade, a razão pode ajudar a descobri-la, e a verdade é uma tarefa comunitária que tem no diálogo o seu instrumento privilegiado. Se a verdade não contasse para nada, o poder seria o mais importante, e a discussão seria um puro jogo linguístico cujo desenlace não seria definido pela força da razão, mas pelas razões do mais forte.
A missão do Educador assenta, portanto, numa caraterística que lhe é
peculiar: a transmissão da verdade, já que a verdade é o bem que mais
pode satisfazer e plenificar o ser humano. A Escola não é somente uma
instituição; ela é sobretudo uma comunidade. E é em comunidade, em
comunicação e em comunhão, que a verdade deve ser construída,
partilhada, vivida e transmitida.
Para uma mente e uma consciência bem estruturadas na senda do Vaticano II, a educação parte de um pressuposto indelével: o amor e a capacidade de o homem conseguir a verdade, que faz do trabalho, do sentido crítico, da responsabilidade, da perseverança, do espírito de sacrifício, e até do martírio, um dos seus apoios fundamentais.
Ensinar, diz Buitrago, é esculpir na alma do educando o amor à sabedoria, a paixão pelo saber, a necessidade da procura da verdade, embora o ato de aprender vá sempre muito mais além do que o ato de ensinar. Por isso, para que o educando aprenda o amor à verdade, nem tudo vale a pena ser ensinado. O Educador deve ensinar somente o que une, isto é, o que integra o indivíduo, de um modo duradoiro, numa comunidade tão vasta quanto possível. O filtro real da educação é o que perdura no tempo, é o longo prazo. Depois, o Educador deve ensinar o que liberta, isto é, deve consciencializar-nos para o que nos domina e cega e nos centra exclusivamente em nós próprios. Por isso, a educação é esforço, sendo o esforço a dificuldade que o indivíduo suporta para adquirir o que vale a pena, isto é, para adquirir o valor. E a verdade, segundo Reboul, é valor que merece todo o esforço.
Por
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[1] Esta Reflexão tem por base um texto que publiquei na revista «Brotéria».
[2] Recordemos as tentações de segunda semana dos Exercícios Espirituais (n.º 10): o mal disfarçado de aparência de bem que tantas vezes nos engana nas nossas decisões.
A verdade tem dignidade, mas não tem charme[1]. Por vezes, nos dias que correm, a falsidade, a ilusão, o poder, o sucesso fácil parecem muito mais atraentes e cativantes e, com muita facilidade, ganham vantagem em relação à verdade, com todas as consequências visíveis e perniciosas que isso implica.
Todos desejamos a verdade e todos a amamos, mas muitas vezes não conseguimos encontrar força para a querer e praticar. Como diz Bouveresse, «a falsidade tem sobre a verdade a mesma espécie de vantagem que a estupidez tem sobre a inteligência». O problema da estupidez é que ela aparece sempre muito convincente, “disfarçada” de progresso, de génio, de perfeição, de esperança e até de bem[2]!… E porque populista, é muito difícil de combater e de nos livrarmos dela. A verdade, todavia, porque exigente, em primeiro lugar com quem a deseja, não é fácil de viver nem de suportar. E tem um preço, tal como a falsidade. Todavia, o preço a pagar pela verdade é por vezes muitíssimo elevado: a morte. Recordemos que Jesus Cristo morreu numa cruz por “votação” e por maioria quase absoluta… Dá que pensar!
… a aparência também, e às vezes mais ainda…
Vivemos na sociedade da aparência, numa sociedade em crise de identidade, uma sociedade onde a palavra, a confiança no outro, a perda de sentido, o medo, a insegurança, parecem ganhar cada vez mais terreno. Todavia, como nos recorda João Paulo II, na linha dos filósofos gregos clássicos, em épocas de crise, o Educador não pode esquecer que o elemento mais importante na relação educativa continua a ser o homem e a sua dignidade moral, a qual provém da verdade dos seus princípios e da conformidade do seu viver e agir com esses princípios. Por algum motivo, na Grécia clássica o professor era escolhido para essa missão, não somente pela sua preparação técnica, mas sobretudo pela sua conduta moral, atestada e comprovada publicamente. Era requisito necessário para alguém ser candidato a professor que fosse pessoa com idoneidade moral publicamente reconhecida! Por outro lado, para os gregos, o maior cargo do Estado deveria ser o de Ministro da Educação, e a pessoa que o deveria desempenhar teria de ser o melhor de todos os cidadãos. A função do governante é, para Platão, a de acrescentar saúde moral entre os cidadãos. Como insistia o filósofo, a prosperidade económica e as vitórias militares são secundárias. A educação traz consigo a vitória, mas a vitória, por vezes, traz consigo a deseducação.
A verdade: o futuro com esperança
No contexto atual da sociedade ocidental, a contracultura do niilismo banal e a indiferença ganharam foros de cidadania e seduzem milhares de jovens, deixando-os sem recursos morais e vitais para enfrentarem o futuro com esperança. Estamos numa sociedade que privilegia o bem-estar, que se anestesia contra todo o conflito, que tem como ponto assente o descompromisso. Parece que estamos naquela sociedade sedenta da tranquilidade do redil, contra a qual Nietzsche lutava. Urge, por isso, como nos diz Barrio Maestre, que a pedagogia devolva referências de sentido, pois a ela cabe a missão de recuperar, a partir da tradição socrática, a força e o prestígio do conhecimento, isto é, a força e o prestígio da razão como capacidade de verdade.
O homem fragmentado, incapaz tantas vezes de, em discernimento, dar unidade a tanta informação que lhe chega, é o protótipo desta sociedade. O grande problema que se lhe coloca é a questão do sentido. Neste contexto, a educação deve ser entendida como recurso essencial para preparar as pessoas para um mundo que muda constantemente, e para torná-las capazes de mudar, como nos recorda João Paulo II, na base da preponderância do «ético sobre o técnico, do primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria […], da transcendência do homem sobre o mundo, e de Deus sobre o homem».
A educação não é somente, nem sobretudo, uma questão de técnicas pedagógicas e de saberes cognitivos. O facto educativo aponta para uma escala de valores. A educação tem a ver, essencialmente, com a formação da pessoa para um valor fundamental na vida de cada ser humano: a verdade. A formação da pessoa implica, por isso, relação, e, portanto, uma pedagogia do diálogo. O que se comunica é o que se vive. É por isso que toda a educação se joga, em última instância, na realidade e no exemplo do Educador, que é a ferramenta-chave de todo o processo educativo.
A educação deve assentar numa antropologia que valorize a verdade, a qual deve radicar na promoção e na defesa da inviolabilidade dos valores da vida e da dignidade humana como fundamento de qualquer cultura. A verdade, assim entendida, é caminho para a liberdade, porque traz com ela a justiça, a harmonia, a inclusão e a consequente paz social. A relação educativa, diz Bento XVI, é o encontro de duas liberdades em diálogo, e a educação só terá sucesso se preparar para um reto uso da liberdade. Por isso, a verdade não se impõe com a força da violência, mas com a força da razão. Naturalmente que se parte de um princípio que fundamenta a afirmação anterior: existe a verdade, a razão pode ajudar a descobri-la, e a verdade é uma tarefa comunitária que tem no diálogo o seu instrumento privilegiado. Se a verdade não contasse para nada, o poder seria o mais importante, e a discussão seria um puro jogo linguístico cujo desenlace não seria definido pela força da razão, mas pelas razões do mais forte.
Ensinar, diz Buitrago, é
esculpir na alma do educando o amor à sabedoria, a paixão pelo saber, a
necessidade da procura da verdade, embora o ato de aprender vá sempre
muito mais além do que o ato de ensinar.
Para uma mente e uma consciência bem estruturadas na senda do Vaticano II, a educação parte de um pressuposto indelével: o amor e a capacidade de o homem conseguir a verdade, que faz do trabalho, do sentido crítico, da responsabilidade, da perseverança, do espírito de sacrifício, e até do martírio, um dos seus apoios fundamentais.
Ensinar, diz Buitrago, é esculpir na alma do educando o amor à sabedoria, a paixão pelo saber, a necessidade da procura da verdade, embora o ato de aprender vá sempre muito mais além do que o ato de ensinar. Por isso, para que o educando aprenda o amor à verdade, nem tudo vale a pena ser ensinado. O Educador deve ensinar somente o que une, isto é, o que integra o indivíduo, de um modo duradoiro, numa comunidade tão vasta quanto possível. O filtro real da educação é o que perdura no tempo, é o longo prazo. Depois, o Educador deve ensinar o que liberta, isto é, deve consciencializar-nos para o que nos domina e cega e nos centra exclusivamente em nós próprios. Por isso, a educação é esforço, sendo o esforço a dificuldade que o indivíduo suporta para adquirir o que vale a pena, isto é, para adquirir o valor. E a verdade, segundo Reboul, é valor que merece todo o esforço.
Por
[1] Esta Reflexão tem por base um texto que publiquei na revista «Brotéria».
[2] Recordemos as tentações de segunda semana dos Exercícios Espirituais (n.º 10): o mal disfarçado de aparência de bem que tantas vezes nos engana nas nossas decisões.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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