Rezar com os sentidos

«Ó Senhor, dá-me a tua luz para que veja o teu amor. Dá-me um coração para amar-te, dá-me olhos para ver-te, dá-me ouvidos para escutar a tua voz, dá-me lábios para falar de ti, dá-me o gosto de saborear-te, dá-me o olfato para cheirar o teu perfume, dá-me mãos para tocar-te e pés para seguir-te.»

Foi bispo de uma cidade russa, Voronez, mas cinco anos depois sentiu fortemente o chamamento a voltar à vida monástica de onde provinha, e assim, também por causa da doença que o atormentava, retirou-se para o mosteiro de Zadonsk, onde morreu em 1783, aos 59 anos.
O seu nome era Tichon e a sua espiritualidade centrava-se no mistério do amor de Deus. A oração que citámos é dela um testemunho doce e intenso. Todos os sentidos são envolvidos na adoração. A sua oração não é etérea e vagamente interior, mas “somática”, capaz de tocar coração, olhos, ouvidos, olfato, gosto, tato, no seguimento de quanto advertia S. Paulo: «Oferecei os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual» (Romanos 12, 1).
Mas há um aspeto biográfico curioso em Tichon de Zadonsk: o seu caráter era terrível, colérico, intempestivo, e esse era o seu tormento. Foi precisamente através de um rigoroso exercício sobre os sentidos e sobre as emoções que conseguiu tornar-se o mestre dos pequenos e dos miseráveis, tão querido dos pobres que estava sempre rodeado e amado por uma multidão de pessoas simples, mas também capaz de tocar o coração do grande escritor Dostoievsky, que talvez o tenha retratado na célebre figura do monge Zósima, de “Os irmãos Karamazov”.
A ascese, a formação, a força consigo próprio pode transformar não só a alma, mas também o corpo, purificando-o.


P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: hiv360/Bigstock.com
Publicado em 16.09.2018


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