A escola está a chegar. E chega cheia de
mudanças. Traz a flexibilidade curricular. E a forma como a escola se
pode tornar mais autónoma naquilo que oferece: sejam novas disciplinas,
novos métodos de ensino ou nova gestão de tempos lectivos.
Traz uma ideia de “ensino especial” mais aberta, mais democrática e mais amiga das “necessidades educativas especiais” que todas as crianças, mais do que parece, acabam por ter nalgum “cantinho” do seu crescimento escolar (por mais que chamar-se inclusiva a uma medida destas seja assumir que a escola exclui mais do que devia, sobretudo se ela pretende educar com bons exemplos). Traz menos (2!) alunos por turma. Traz a (feliz) reabilitação da educação física para o ensino secundário. Traz os manuais escolares gratuitos para os alunos até ao 6.º ano de escolaridade do ensino público. Recupera a educação para a cidadania. E traz as “aprendizagens essenciais” que pode, muito rapidamente, escorregar duma boa ideia para uma deriva muito próxima dos “serviços mínimos”. A escola está a chegar. E tantas mudanças são bem vindas!
Mas tenho medo que elas possam ser interpretadas muito mais como uma reciclagem do que como várias pequenas revoluções que, todas juntas, ajudem a transformar a escola num lugar mais amigo do conhecimento. Porque:
- aquilo que todos nós continuamos a esperar da escola acaba por ser muito pouco considerando tudo aquilo que ela nos pode dar;
- a relação da escola com os professores continua, apesar de tudo, igual. E a relação dos professores com a escola não tem sido acautelada e acarinhada e, muito mais do que estarem em questão índices remuneratórios, a forma como eles são desconsiderados, todos os dias, é uma catástrofe: quer com a formação permanente, que não têm; quer no modo como vão sendo transformados em burocratas escolares em vez de serem “agentes subversivos” ao serviço da paixão de conhecer; quer no modo como as suas colocações são, hoje, publicadas e, amanhã, é suposto que mudem de cidade, de vida e de tudo o mais que isso acarreta, sem ninguém ponderar a falta de educação para a cidadania que isso comporta; quer, ainda, na forma como quem os representa não estar, muitas vezes, à altura que o respeito que eles merecem ter exigia que estivesse; quer, finalmente, no jeito como as direcções de algumas escolas os espartilham em programas, metas curriculares, rankings e outras coisas do género, “triturando” a paixão de ensinar num fogo cruzado que, “em suaves prestações”, os vai consumindo;
- aquilo que os pais esperam da escola os leva, vezes demais, a ver os seus filhos muito mais como bons alunos do que como bons estudantes. A preferir as boas notas às boas dúvidas e as notas batoteiras à consistência dos conhecimentos que eles possam ter. E a valorizar as “bolas (sempre) verdes” com que chegam a casa (que leva a que, muitas vezes, se suponha que as crianças devam aprender sossegadas, compenetradas e caladas) do que algumas asneiras com que se “pisa o risco” e se aprende a crescer.
- porque muitos vícios antigos continuam de pé: a forma como se constroem as turmas; o modo como se atribuem professores às áreas científicas e às áreas humanísticas; a naturalidade com que vivem muito poucas mudanças de escola, de turma e de professores; o jeito como os estudantes com algum tipo de insucesso são mal vividos pela escola; o modo como não se questionam todos os porquês acerca do rendimento negativo da maioria dos nossos filhos a determinadas disciplinas, etc., etc.;
- e porque os estudantes continuam a ter escola demais, escola depois da escola e escola nos “tempos livres”. Mesmo quando acumulam um “banco de horas” de infância, que não usam nem vivem, e que, em vez de isso os leva a que acumulem “juros de infância” pela vida fora , se transforma numa espécie de “crédito mal-parado” que os irá onerar para sempre.
A escola está a chegar. E chega cheia de mudanças. Mas tudo irá continuar demasiado igual aquilo que já foi se não fizermos mais. Precisamos de mudar a relação dos pais com a escola e dos professores com a família. Precisamos de assumir que se a escola serve, no limite, para que se entre na universidade, ela continuará, mesmo que traga boas mudanças, a viver com objectivos muito curtos para aquilo que ela devia ter. E precisamos de perguntar, todos os dias, se queremos que os nossos filhos sejam os bons alunos que os pais, em muitos momentos, não conseguiram ser ou se queremos que eles vão à escola buscar pessoas, laços, relações, causas, ideias, conhecimentos e autonomia para pensar por si e que, sem ela, nunca teriam. Porque, doutro modo, ficaremos a falar das mudanças enquanto tudo o resto continua na mesma. Ora, convenhamos, a escola merece melhor. Aliás, a escola merece o melhor!
Por Eduardo Sá
Traz uma ideia de “ensino especial” mais aberta, mais democrática e mais amiga das “necessidades educativas especiais” que todas as crianças, mais do que parece, acabam por ter nalgum “cantinho” do seu crescimento escolar (por mais que chamar-se inclusiva a uma medida destas seja assumir que a escola exclui mais do que devia, sobretudo se ela pretende educar com bons exemplos). Traz menos (2!) alunos por turma. Traz a (feliz) reabilitação da educação física para o ensino secundário. Traz os manuais escolares gratuitos para os alunos até ao 6.º ano de escolaridade do ensino público. Recupera a educação para a cidadania. E traz as “aprendizagens essenciais” que pode, muito rapidamente, escorregar duma boa ideia para uma deriva muito próxima dos “serviços mínimos”. A escola está a chegar. E tantas mudanças são bem vindas!
Mas tenho medo que elas possam ser interpretadas muito mais como uma reciclagem do que como várias pequenas revoluções que, todas juntas, ajudem a transformar a escola num lugar mais amigo do conhecimento. Porque:
- aquilo que todos nós continuamos a esperar da escola acaba por ser muito pouco considerando tudo aquilo que ela nos pode dar;
- a relação da escola com os professores continua, apesar de tudo, igual. E a relação dos professores com a escola não tem sido acautelada e acarinhada e, muito mais do que estarem em questão índices remuneratórios, a forma como eles são desconsiderados, todos os dias, é uma catástrofe: quer com a formação permanente, que não têm; quer no modo como vão sendo transformados em burocratas escolares em vez de serem “agentes subversivos” ao serviço da paixão de conhecer; quer no modo como as suas colocações são, hoje, publicadas e, amanhã, é suposto que mudem de cidade, de vida e de tudo o mais que isso acarreta, sem ninguém ponderar a falta de educação para a cidadania que isso comporta; quer, ainda, na forma como quem os representa não estar, muitas vezes, à altura que o respeito que eles merecem ter exigia que estivesse; quer, finalmente, no jeito como as direcções de algumas escolas os espartilham em programas, metas curriculares, rankings e outras coisas do género, “triturando” a paixão de ensinar num fogo cruzado que, “em suaves prestações”, os vai consumindo;
- aquilo que os pais esperam da escola os leva, vezes demais, a ver os seus filhos muito mais como bons alunos do que como bons estudantes. A preferir as boas notas às boas dúvidas e as notas batoteiras à consistência dos conhecimentos que eles possam ter. E a valorizar as “bolas (sempre) verdes” com que chegam a casa (que leva a que, muitas vezes, se suponha que as crianças devam aprender sossegadas, compenetradas e caladas) do que algumas asneiras com que se “pisa o risco” e se aprende a crescer.
- porque muitos vícios antigos continuam de pé: a forma como se constroem as turmas; o modo como se atribuem professores às áreas científicas e às áreas humanísticas; a naturalidade com que vivem muito poucas mudanças de escola, de turma e de professores; o jeito como os estudantes com algum tipo de insucesso são mal vividos pela escola; o modo como não se questionam todos os porquês acerca do rendimento negativo da maioria dos nossos filhos a determinadas disciplinas, etc., etc.;
- e porque os estudantes continuam a ter escola demais, escola depois da escola e escola nos “tempos livres”. Mesmo quando acumulam um “banco de horas” de infância, que não usam nem vivem, e que, em vez de isso os leva a que acumulem “juros de infância” pela vida fora , se transforma numa espécie de “crédito mal-parado” que os irá onerar para sempre.
A escola está a chegar. E chega cheia de mudanças. Mas tudo irá continuar demasiado igual aquilo que já foi se não fizermos mais. Precisamos de mudar a relação dos pais com a escola e dos professores com a família. Precisamos de assumir que se a escola serve, no limite, para que se entre na universidade, ela continuará, mesmo que traga boas mudanças, a viver com objectivos muito curtos para aquilo que ela devia ter. E precisamos de perguntar, todos os dias, se queremos que os nossos filhos sejam os bons alunos que os pais, em muitos momentos, não conseguiram ser ou se queremos que eles vão à escola buscar pessoas, laços, relações, causas, ideias, conhecimentos e autonomia para pensar por si e que, sem ela, nunca teriam. Porque, doutro modo, ficaremos a falar das mudanças enquanto tudo o resto continua na mesma. Ora, convenhamos, a escola merece melhor. Aliás, a escola merece o melhor!
Por Eduardo Sá
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