A eutanásia constitui um retrocesso civilizacional nos valores de
solidariedade e de confiança em que assenta a sociedade mas também no
plano da ciência e da medicina.
A sociedade deve promover e assumir a solidariedade com os mais
frágeis como parte importante do modelo de desenvolvimento. O Estado, os
cidadãos e as famílias devem corporizar atitudes de solidariedade.
Criar condições para ajudar e acompanhar pessoas em fim de vida deve ser
uma obrigação do Estado e um compromisso de todos.
Seria uma ironia, se não fosse trágico, que as sociedades
ocidentais, fundadas em valores de solidariedade e proteção social,
sejam aquelas em que se coloca em questão o empenho para cuidar daqueles
que mais precisam de ajuda.
A eutanásia tem sido referida como ‘morte assistida’ mas na verdade
trata-se de ‘morte provocada’. ‘Morte assistida’ é aquilo que acontece
quando se apoia, acompanha e ajuda alguém em fim de vida, diminuindo a
dor, alimentando ou, por vezes, apenas com a presença que contraria a
solidão. Esta atitude solidária de cada pessoa ser capaz de dar um pouco
de si aos outros e que durante séculos se foi consolidando, será
derrubada com a eutanásia. A pretensão de condicionar um médico a
provocar a morte a alguém contraria os fundamentos milenares da
medicina. A ideia de que o médico ‘salva vidas’ é também derrubada pela
eutanásia.
O agendamento de iniciativas legislativas a favor da eutanásia
promovido por alguns partidos na Assembleia da República constitui uma
precipitação, uma irresponsabilidade e um erro. Trata-se de uma
iniciativa precipitada porque não é sustentada por compromisso eleitoral
prévio e não corresponde a uma prioridade sentida ou suficientemente
refletida pela sociedade, irresponsável porque promove consequências
muito perigosas no alcance da sua aplicação e errada porque induz o
individualismo e o egoísmo no modelo de organização da sociedade, cria
insegurança na relação entre o Estado e os cidadãos e desconfiança na
relação entre médicos e pacientes.
A discussão sobre a eutanásia está longe de ter sido esclarecedora,
não mobilizou os cidadãos e a sua defesa tem assentado em alguns mitos,
muita desinformação e numa certa ideia de ‘vanguardismo’.
O argumento de que o sofrimento físico pode ser insuportável é cada
vez menos verdadeiro à medida que a ciência vai evoluindo nas respostas
para eliminar a dor. Quanto ao sofrimento psicológico como argumento,
esse é muito perigoso e abre ainda mais as portas a todos os excessos.
A ideia de tratamentos desproporcionados e até violentos que
prolongam a vida sem nenhuma expectativa de sobrevivência já não
corresponde à prática atual da medicina que há muito abandonou a
obstinação terapêutica. Por outro lado, a existência do Testamento Vital
(ainda pouco conhecido) permite manifestar o tipo de tratamento, ou os
cuidados de saúde, que se pretende ou não receber, quando se estiver
incapaz de expressar a sua vontade.
Por fim a questão da morte com dignidade (ou vida com dignidade).
Trata-se de um argumento perigoso e até repugnante. Não é por se estar
velho, doente, diminuído ou dependente que se tem menos dignidade. Toda a
vida tem dignidade. Indigno é considerar alguma condição de vida menos
digna. Uma sociedade fundada em valores de respeito, tolerância e
solidariedade tem que contrariar a ideia de menor dignidade em função
das circunstâncias de vida.
A aposta deve ser no desenvolvimento da ciência e da medicina que
promova a vida e a eliminação do sofrimento. Em Portugal há muito para
fazer no investimento público em cuidados paliativos. O caminho deve ser
o da solidariedade e não na desistência que significa a eutanásia.
Por António Prôa
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