Em Setembro passa a ser proibida a eutanásia nos canis como medida de
controlo dos cães e gatos vadios. Governo pode vir a estender prazo,
porque maioria dos canis não sofreu obras. Em 31 concelhos nem sequer
existem.
Os municípios portugueses abateram perto de 12 mil cães e gatos no
ano passado, o que equivale em média a mais de um bicho por hora. Apesar
de a lei em vigor determinar que em Setembro passa a ser proibida a
eutanásia nos canis municipais como forma de controlo dos animais
errantes, a quatro meses dessa data são muitas as autarquias que não
estão preparadas para deixar de o fazer. Desde logo porque existem 31
concelhos no continente que nem sequer canis têm.
Num
debate promovido há poucos dias pelo PAN – partido
Pessoas-Animais-Natureza, o director-geral de Veterinária admitiu a
possibilidade de o Governo estender o prazo de dois anos que
deu em 2016 às autarquias para que adaptassem os chamados centros de
recolha de animais ao fim dos abates – construindo-os, no caso de não os
terem, alargando-os ou melhorando as condições de alojamento. A
hipótese de os canis poderem continuar a abater animais saudáveis, em
vez de os tentarem encaminhar para adopção, levanta, porém, muitas
críticas.
“É lamentável. É quase má-fé”, critica a provedora dos animais de
Lisboa, Marisa Quaresma dos Reis, criticando quer a “inércia” das
autarquias nesta matéria quer a “negligência” do Governo, que só no mês
passado lançou um programa de incentivos financeiros de um milhão de
euros - inicialmente havia anunciado que seriam dois milhões - para
modernização dos canis. Começou por ser dado menos de um mês às
autarquias para se candidatarem a estes fundos, tendo o prazo sido
entretanto prorrogado. No ano passado o meio milhão disponibilizado para
criar condições de esterilização nos centros de recolha não suscitou
grande interesse: acabaram por só ser gastos 134 mil euros.
“Existem alternativas mais humanas do que continuarmos a abater”,
observa a provedora, apontando o exemplo de Istambul, onde são os
habitantes a cuidar dos cães que vivem na rua. “São vacinados e
tratados" e existem "disponibilizadores de alimentos" que funcionam com
garrafas que as pessoas entregam para reciclar nessas máquinas
(recebendo em troca ração).
Os dois secretários de Estado que
foram chamados à comissão parlamentar de Ambiente em Março passado para
darem explicações sobre o assunto não disseram como iriam resolver a
questão, apesar das perguntas dos deputados. “É um problema grave que
temos”, admitiu o titular da pasta das autarquias locais, Carlos Miguel,
negando existir falta de vontade política para o solucionar. Segundo um
relatório oficial de Setembro passado, há 102 câmaras que esgotaram a
capacidade de acolhimento em 2016. Destes, 41 que pretendiam concluir
obras de modernização "nos próximos dois anos".
Pelas contas do
PAN, que lançou um inquérito a nível nacional, 23% dos municípios
portugueses ainda matam cães e gatos saudáveis. Este partido também está
contra um eventual adiamento da proibição de abate: “A solução é
pressionar os municípios, que são obrigados desde 1925, há quase cem
anos, a ter centros de recolha”, preconiza a jurista Cristina Rodrigues,
apontando a externalização destes serviços como um caminho possível. É o
que sucede na Lourinhã: a câmara municipal encaminha os animais
errantes para as instalações de uma associação zoófila, que financia. E
que tem neste momento à sua guarda 200 bichos.
“Não há desculpas"
“Aqui não se eutanasiam animais desde
2005”, diz com orgulho o veterinário municipal Jorge Barros, para quem
também não existe razão para prorrogar o prazo de Setembro. “Não há
desculpas. Os municípios tiveram dois anos para se prepararem e a lei
foi votada por unanimidade na Assembleia da República”, defende.
Esta
não é, porém, a opinião da presidente da Associação Nacional de Médicos
Veterinários dos Municípios, Vera Ramalho. “Grosso modo, as autarquias
não estão preparadas. E a associação avisou o Governo disso logo em
2016: estamos a querer fazer à pressão aquilo que outros países fizeram
em 20 ou 30 anos”, avisa. “Aquilo” são campanhas de esterilização que
permitam uma redução da população errante antes de começar a proibir os
abates. “A capacidade dos canis não pode ser infinita”, observa a
veterinária, para quem este é um problema que cabe aos políticos
resolver.
Gondomar, concelho onde exerce, é um dos municípios que
não se preparou: o canil só tem capacidade para 21 animais, estando
permanentemente lotado, embora existam planos para fazer um equipamento
maior noutro local. “Enquanto não vaga uma jaula não fazemos nova
recolha. A população não percebe e pressiona-nos”, conta a médica. “Foi
preciso encontrar uma localização adequada para o novo canil, porque
hoje em dia ninguém quer ter um à porta de casa”.
Se a partir de
Setembro for mesmo proibido o abate, Vera Ramalho antevê o choque da
população perante o aumento de animais errantes a circular em ruas e
estradas. De acordo com dados da Direcção-Geral de Veterinária, em 2016
foram recolhidos nos canis 28.600 animais, tendo ficado de fora, por
falta de espaço, 8200. No ano passado as recolhas subiram para 40.674.
No que às eutanásias diz respeito, aumentaram perto de 25%: de 9462 no
ano de 2016 para 11.819 em 2017. No ano passado só 16.144 gatos ou cães
presos nos canis tiveram a sorte de ser adoptados. A líder dos
veterinários municipais lança uma pergunta: “É mais desumano ser
eutanasiado ou estar dez anos fechado numa jaula?”.
Esta é uma
causa cara ao Bloco de Esquerda, que também se bate pela proibição da
eutanásia daqui a quatro meses. O Ministério da Agricultura, porém, não
se descose sobre o que tenciona fazer. Enumerando os concursos que
lançou entre o ano passado e este ano para financiar os centros de
recolha, a tutela respondeu ao PÚBLICO que, estando neste momento alguns
deles ainda a decorrer, considera “extemporânea qualquer tomada de
decisão relativamente à moratória em causa”.
Por Ana Henriques
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