Para quem acompanha o pontificado de Papa Francisco, o que ele fez esta semana não foi nenhuma surpresa. Após a publicação do Amoris Laetitia,
em 2016, documento considerado controverso e que, ainda hoje, ganha
espaço em muitos debates intensos e acalorados em vários setores da
Igreja, o pontífice argentino resolveu “formalizar” a pastoral junto aos
casais em segunda união.
Essa realidade, a qual Francisco debateu
amplamente nessa exortação apostólica, foi contemplada no novo estatuto
do dicastério para os leigos, vida e família. O artigo 11 do
recém-aprovado documento ad experimentum, divulgado esta semana
pela Sala de Imprensa da Santa Sé, diz o seguinte: “Oferece linhas
diretivas para programas formativos para os noivos que se preparam para o
matrimónio e para os casais jovens. Exprime solicitude pastoral da
Igreja diante das situações consideradas ‘irregulares’ ”. Dentro desses
casos considerados “fora da regra”, são contemplados os namorados que
vivem juntos e aquelas pessoas que casaram-se apenas no civil ou
contraíram uma segunda união.
Se observamos bem a construção desse
artigo do estatuto em particular, a situação desses casais está
intimamente ligada à formação daqueles que pretendem se casar. Como no
Vaticano nada é feito por acaso, uma situação foi colocada junto à outra
para reforçar uma preocupação pessoal do papa, o qual vê em muitos
relacionamentos falidos o reflexo das lacunas deixadas pela formação
oferecida pela própria Igreja. Outro ponto é que, na Itália, o número de
casais de namorados católicos que se dizem praticantes e resolveram
embarcar em uma vida a dois antes de formalizar o casamento é bastante
alto. Francisco sabe dessa realidade e pretende promover entre os jovens
italianos a redescoberta do sacramento do matrimónio enquanto
instituição divina.
Francisco é um papa pastoral e todo seu
pontificado se orientará para isso, custe o que custar. Quem espera
grandes debates teológicos em torno de questões que exigem uma resposta
concreta da Igreja, certamente não será atendido em suas expectativas
durante o pontificado bergogliano. Aliás, “pastoralizar” os dicastérios
da cúria romana é um dos objetivos da reforma que Francisco tem levado
adiante. A ideia é de não reduzir os organismos da Santa Sé a espaços
para a produção de documentos sobre os grandes questionamentos da
humanidade, mas a de levar cada igreja particular a ir ao encontro de
quem faz esses questionamentos.
O papa argentino tem surpreendido
aqueles que, no início, se declaravam céticos em relação às mudanças que
ele pudesse promover. Algumas das pessoas que conheceram Bergoglio, em
Buenos Aires, não imaginavam que ele tivesse a intenção de causar uma
revolução pastoral dentro da Igreja Católica.
Nos últimos dois
anos, Francisco tem atuado de maneira mais cautelosa e discreta em seus
pronunciamentos oficiais e decisões, mas é possível que 2018 ainda
reserve algumas surpresas, haja vista a publicação da nova constituição
apostólica sobre a cúria romana, a qual poderá acontecer a qualquer
momento. Uma revolução pastoral e eclesiológica? É o que vamos ver. A
verdade é que, em cada gesto, Francisco tem levado a Igreja a se tornar o
“hospital de campo” que ele tanto almeja. Para ele, curar as feridas de
quem bate à porta de cada igreja é a melhor resposta a ser dada à crise
de fé na qual está imersa a sociedade de hoje.
Por Mirticeli Dias de Medeiros*
*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História
da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009,
cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e
na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas
como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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