É habitual, no dia da mulher, falar-se
da quantidade ignóbil de mulheres vítimas de violência. Do número de
dias que inúmeras mulheres têm de trabalhar a mais, durante um ano, para
que tenham direito ao mesmo salário que, em idêntica tarefa, um homem
usufrui. Do número de mulheres que são vítimas de assédio. Ou da forma
como, ainda hoje, muitas mulheres são discriminadas no acesso ao
trabalho porque são, simplesmente, mulheres. E é fundamental que se
fale. Porque é incompreensível. É vergonhoso E é injusto.
É habitual, no dia da mulher, que se fale de tudo
isto. E só por ser habitual é bem a prova dum mundo que, por mais que
seja instruído como nunca, é (ainda) muito estúpido. Mas num dia destes
pode ser importante querer mudar. E é por isso que eu gostava que, ao
mesmo tempo que é indispensável exigir que o mundo fique mais justo para
as mulheres, ele deixe de ser, genuinamente, sexista. Porque ser
demagogicamente menos sexista, como já é, não o torna, só por isso, mais
justo.
Passemos por alguns exemplos.
Por mais que a violência e o assédio que chega aos jornais
seja, grande parte das vezes protagonizado por homens, não pode ser,
perigosamente, sexista a forma como parece atribuir-se ao homem a
responsabilidade, quase exclusiva, de todo o mal que se abate sobre as
mulheres? Como se, em nome duma justiça que tem de ser feita, se fosse
passando uma ideia demasiado fracturada de bem e de mal, parecendo ser
“o mal”, sobretudo, masculino?
E, por mais que o mundo tenha assumido a orientação sexual
das pessoas adultas como uma característica que merece respeito, não se
terá deixado enredar por argumentos populistas a ponto de, vezes demais,
parecer viver a identidade de género quase como uma discriminação
sexual? E, seja a propósito dos brinquedos da MacDonald’s, que merecem
reservas, seja das secções de roupa dos rapazes e das raparigas que vão
sendo banidas por algumas grandes marcas, seja nos nomes próprios
andróginos que se vão reclamando para os bebés, ou seja na forma
envergonhada como se usa o plural (!) e se entende que ele é sexista,
não poderá estar-se a condescender com a ideia de que a identidade
sexual duma pessoa deve vir antes do respeito que a sua identidade e a
sua singularidade nos deve merecer? Não poderemos estar a ser, em nome
da inclusão, sexistas, de outra maneira?
E não se vai interpretando o cavalheirismo com um
paternalismo sexista em vez de o ver, unicamente, como delicadeza e boa
educação? Que, por isso mesmo, não obriga a que a conta do jantar ou os
ónus sobre a divisão do património, num divórcio, tenham de ser, “por
inerência”, assumidos, sobretudo, pelos homens.
E por mais que o mundo sempre pareça ter sido machista e
matriarcal, não será ainda demasiado sexista quando, em função dum
divórcio, permite, por exemplo, que haja pais que vejam os seus direitos
à parentalidade limitados, unicamente, porque são homens, sendo-lhes
dado, muitas vezes, na melhor das hipóteses, o direito de visita?
O mundo sempre foi sexista. E é mau que assim seja! Mas é,
igualmente, trágico que, vezes demais, “substitua” o sexismo por uma uma
leitura excessivamente sexualizada de tudo e de mais alguma coisa, a
ponto do amor parecer assumir uma aragem ora medieval ora, mesmo, pimba?
Pode um mundo menos sexista e mais sexualizado ser mais justo para as
mulheres e para os homens?
É habitual, no dia da mulher, falar-se da quantidade ignóbil
de mulheres vítimas de violência. Das injustiças que as mulheres vivem
no trabalho. Ou da forma como são assediadas. E - repito - é fundamental
que se fale. Porque é incompreensível. É vergonhoso E é injusto. Mas
numa altura em que a Humanidade parece estar doente, não pode ser
fundamental que a luta contra todos os sexismos faça do futuro um lugar
mais justo e mais igual?
Eu acredito que, em muitíssimos aspectos, são as mulheres que
mudam o mundo. E que, por mais sexista que isto pareça, eu acredito que
se as mulheres se insurgirem contra a estupidez o mundo pula e avança. E
que passe a existir lugar para a insubordinação desta deriva que nos
faz ir sentindo que os valores da humanidade parecem estar a definhar.
Onde não sejam precisas quotas nem recomendações para que prevaleçam
direitos. E onde, seja qual for o sexo duma pessoa, não seja supérfluo
desejar que ela tenha direito a, pelo menos, o melhor de tudo aquilo que
merece.
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