Tal como não julgo um homossexual ou um muçulmano sem o conhecer,
também se devia fazer o mesmo com os católicos praticantes. Não julgar
antes de os conhecer. Mas será que isso acontece?
Não me interpretem mal, não sou gay, mas como diria Jerry Seinfeld, “not that there’s anything wrong with that”.
Conto-vos uma história pessoal. Sou católico praticante e fui trabalhar
na meca da diversidade – Barcelona — numa multinacional de tecnologia.
Posso dizer que se respirava um ambiente diverso, sim, demonstrado em
dezenas de nacionalidades, cores de pele e formas de vestir. Um dos meus
formadores era assumidamente gay e havia uma política de inclusão de
pessoas deficientes. Todos os dias lá passava por mim com o seu sorriso
um rapaz com síndrome de down, o qual fazia variadas tarefas na empresa.
De notar, também, a política de responsabilidade social da empresa ao
organizar voluntariado periódico para todos os funcionários.
Um
belo dia, tive uma formação com uma rapariga búlgara loura, de olhos
verdes, muito simpática, experiente, poliglota e muito viajada. No fim
desta sessão, veio à conversa o tema da arte religiosa, já não sei
porquê. Ela desfez logo o seu eterno sorriso num esgar, afirmando, “acho
assustadora a arte das igrejas católicas, aquelas imagens. É entrar em
igrejas e ver Cristo na cruz, não percebo o que os cristãos veneram, um
homem morto e depois todos aqueles símbolos sinistros. Claro, e depois
lembrar as Cruzadas e a Inquisição e as riquezas todas”.
A este
comentário, logo os meus colegas concordaram. Um deles um catalão
acérrimo apoiante do Podemos e outros dois colegas de outras
nacionalidades. Acham que a minha formadora teria esta conversa de forma
tão aberta sobre outra etnia ou grupo? Não me parece, era logo
condenada por “discriminação”. O católico é o saco de pancada. Eu fiquei
um pouco perturbado pois aquela rapariga, num “simples” comentário,
esqueceu todo o legado da pintura e arte ocidental, completamente
devedora do cristianismo, desde Giotto às catedrais góticas, a Leonardo
da Vinci, a Hieronymus Bosch, Rembrandt, Bach ou, melhor, Jordi Savall,
um dos maiores intérpretes de música antiga do mundo e insigne tocador
de viola de gamba atual, catalão! E pensei que nem do comunismo se
falaria tão mal e este deu-nos tantas matanças (já para não falar em
“mamarrachos” artísticos!). Logo a seguir argumentei isto mesmo, ficaram
todos de boca aberta e gerou-se logo discussão com a formadora. No
final, fui meter “água na fervura” e conversar com ela. Falei-lhe da
Basílica da Sagrada Família, haverá maior exemplo de exotismo e fé? Bom,
e aquilo ia redundando em marcar um “date” e, como sou casado, tentei
refrear-me, pois a rapariga não era de todo pouco atraente.
Como bem disse José Manuel Fernandes,
a propósito do sururu à volta das declarações de D. Manuel Clemente,
qualquer dia proíbe-se que uma pessoa seja católica. Não vou acrescentar
mais a tudo o que já foi comentado sobre o caso do Patriarca, apenas
que o mesmo não disse nada que não tenha sido dito pelo Papa Francisco,
basta investigar um pouco mais e ler a Amoris Laetitia, uma encíclica lindíssima, reduzida tristemente pelos progressistas e tradicionalistas a uma nota de rodapé…
Hoje
em dia, nas empresas, fala-se muito de “diversidade” no local de
trabalho. Nunca tanto. É um valor universal e, diga-se, muito bom.
Tivemos tempos em que se desprezava o contributo de alguém apenas por
ser de outro país, ser mulher, preto, mais velho ou deficiente. Vivemos
no pluralismo e é completamente fora de tempo uma abordagem parcial da
riqueza do mundo. Todos nós, com a nossa diferença, podemos aportar para
um quadro maior e mais rico.
Resumindo, hoje em dia temos de
admitir isto: ser católico praticante não é fácil. Católicos não
praticantes são talvez a maioria, mas aqueles que se esforçam por não só
ir à Missa, como aprofundar os ensinamentos de Cristo e o seu legado,
como a doutrina, são aves raras. Ali naquela empresa todos respeitavam
gays, deficientes, hindus, budistas, até muçulmanos (tinha um colega
holandês muçulmano, muito respeitado!). Não nego que isto seja correto,
mas os católicos? Pode-se argumentar que acontece em Barcelona pois é
muito anti-clerical e secular? Em parte pode ser verdade, mas em
Portugal acontece-me o mesmo. Sempre que me declaro católico, as pessoas
perguntam-me logo, “a sério?”, observando-me como um espécime de outra
galáxia. E depois aparecem sempre três tipos de comentários, pelo menos:
- “pois, eu não sou contra Cristo, mas contra a Igreja”
- “sou católico, mas não praticante”
- “Só não concordo com algumas coisas sobre a sexualidade e as riquezas do Vaticano”
Há que admitir que, neste mundo secular, todo o católico, antes sequer de falar, carrega esta imagem pré feita:
- Pedófilos
- Corruptos
- Beatos
- Intolerantes
Esta minha constatação não é um juízo de valor, é um facto e
temos de o admitir. Nós católicos, em parte, temos culpa, pois muitos
foram (e são) tudo aquilo, mas esquece-se amiúde que em muitas outras
organizações também os há. Então porquê este estigma? Espera-se mais da
Igreja, provavelmente? Em suma, não é questão de haver mais na Igreja,
mas que a fasquia, estando mais alta, há mais responsabilidade. Aceito e
procuro estar à altura.
Nós católicos, também, em vez de nos
fecharmos numa concha de vitimização, não podemos abdicar da nossa
responsabilidade de “ser sal”, testemunhar a vida de Cristo, o “ecce
homo”, “eis o homem”. “Viver no mundo não sendo mundanos”, com todos os
desafios e aprendizagem que isso implica! Tão pobre seria se só me desse
com católicos. Além disso, também devemos encarar esta controvérsia
como oportunidade para esclarecer com serenidade pontos de vista,
aceitar o que está mal e desmontar muitos equívocos.
Também a fé
tem a aprender com a ciência e com o mundo e só neste diálogo nasce o
discernimento. Batalhei e consegui criar a primeira pós-graduação e
formação executiva em Portugal que liga as ciências sociais da gestão,
da psicologia, da comunicação, da economia e finanças à fé e à pastoral
católica. Não é fácil navegar nestes mundos de interseção, mas guardo
esta primeira experiência como riquíssima para ambas as partes!
Apenas
podia haver menos “preconceito” e “julgamento”, como se diz tanto de
outras minorias. Há muitos e bons católicos, respeitadores de todos, mas
que não deixam de afirmar a sua doutrina. Óbvio que um bom católico
deve ser sério com os ensinamentos, mas suave com as pessoas, senão é um
moralista ou um hipócrita. De qualquer forma, tal como eu não julgo um
homossexual, um muçulmano, sem o conhecer, também se devia fazer o mesmo
com os católicos praticantes. Não julgar antes de os conhecer. E isso,
acontece? Há verdadeira “diversidade”, na aceção do termo? Confesso que
tenho de ter coragem para me afirmar católico, pois não é “cool”.
Num
mundo em que todos querem impor (a sua) “modernidade”, que, afinal,
significa que todos pensem o mesmo politicamente correto e não haja
questionamento de ideias. Num mundo pós-moderno, pós Nietzsche, em que
“não há verdades, mas interpretações”, alguém que se mostre minimamente
seguro das suas ideias, com fundamentação até, é um “dogmático”. Como se
eliminássemos o ato de pensar, pois vivemos num mundo “plural”, cético,
mas preguiçoso e indiferente. Só interessam números, resultados e
“viver bem”.
Contudo, não há volta a dar, pois continuamos a
necessitar de dar sentido às nossas vidas, ainda sofremos da “nostalgia
do absoluto”, como dizia George Steiner (Relógio d’Água, 2003).
Basta
verificar o poder que no nosso milénio voltaram a ter as
“espiritualidades”, desde a cool e presente em todo o lado “meditação”,
aos esoterismos, reikis, iogas, etc., depois da desilusão com a
“religião da ciência”, o positivismo, no século XX e as consequentes
guerras. Basta pensar que, se alguém menciona que vai fazer “oração”, é
antiquado ou estranho. “Meditação”, ainda vá lá, pois todos estamos
legitimamente sedentos de paz na era da técnica.
Como dizia também
Steiner, depois da “morte de Deus” nietzschiana, precisámos, por isso,
de ocupar o lugar da religião com algo. Segundo ele, usámos várias
“mitologias” como explicação da nossa realidade, seja a psicanálise, o
marxismo e a antropologia de Levi-Strauss. E acreditemos que todas ainda
têm influência na forma como pensamos hoje.
Voltando à
convivência, qual então a solução? Pensarmos todos da mesma maneira?
Não. Mas vivermos em verdadeira diversidade que pressupõe elevação de
pensamento, verdadeiro respeito e integração. Desistir deste
anti-catolicismo primário. Já para não falar nas “bolhas” de pensamento
que excluem, à partida, uma pessoa por causa das suas crenças. Eu não
descarto a hipótese de ter sido rejeitado de muitas funções porque sou
assumidamente católico.
Dir-me-ão que sou incoerente pois tenho um
site de dating só para católicos que procuram casar. Provavelmente, em
parte, fomenta esta tendência atual de vivermos em “bolhas”. Por outro
lado, é uma estratégia de, neste mundo plural encontrarmos alguém que
partilha dos nossos valores.
Estamos condenados então a viver
nestas “bolhas”, pois não estamos para nos chatear com as diferenças? O
mandato cristão não é o de gostar de todos, mas o de amar todos. Temos
toda a liberdade de escolher com quem nos damos, mas nunca deixarmo-nos
acomodar. “Triste de quem fica em casa, contente com o seu lar”, como
dizia Pessoa. O risco de sair de casa é molharmo-nos, mas também podemos
avistar grandes paisagens.
A “diversidade” tem de significar uma
malha múltipla de cores, mas onde há intercomunicação e não “bolhas”.
Não é isento de tensões, mas se, no mínimo, existir um chão comum de
normas de convivência e respeito, melhor. Uniformidade, não. Unidade,
sim. Pois o mundo é belo e diferente, mas um só.
António
Pimenta de Brito formou-se em Língua e Cultura Portuguesa (língua
estrangeira) pela FL-UL e depois fez um MBA em gestão, no ISEG-UL. Tem
trabalhado em empresas nos últimos 12 anos. Fez formação em Comunicação
na Harvard Kennedy School e na European Dignity Watch, em Bruxelas.
Recentemente tornou-se empreendedor e docente ao criar a primeira
Pós-Graduação em Portugal em Gestão de Organizações Religiosas, no
ISEG-UL e é atualmente corresponsável pelo site internacional em língua
portuguesa, fundado na Áustria, www.datescatolicos.org, dá palestras e escreve sobre o tema das relações e casamento.
Por António Pimenta de Brito
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