Era uma vez um homem que se
chamava Jesus e que tinha o sonho de mudar o mundo. Aborrecido e
desgostoso com a futilidade das pessoas, descontente e inconformado com
aqueles que detinham o poder e inquieto e insatisfeito com quantos se
diziam muito religiosos, decidiu sair de casa e ir tentar fazer alguma
coisa, pois não podia de maneira alguma ficar de braços cruzados ou com
as mãos nos bolsos.
A sua forma de ser, estar e falar era
fascinante e rapidamente uma dúzia de amigos se juntou a ele e
acompanhava-o para todo o lado. Não deixava ninguém indiferente e, se
muitos eram os que se apaixonavam pela forma como vivia e falava das
coisas humanas e divinas, muitos outros sentiam-se incomodados e
desprezavam-no.
Um dia, depois de ter estado a falar e a
contar histórias a muita gente que se tinha juntado a si junto a um
lago, subiu com os seus amigos a uma montanha que se erguia majestosa
ali mesmo ao lado. Como o sol já se punha, comeram alguma coisa e, após
terem estado a conversar durante muito tempo, deitaram-se no chão para
dormir.
Jesus afastou-se uns metros para rezar
um pouco antes de descansar e um ruído estranho chamou-lhe a atenção.
Depois de olhar para todo o lado, apercebeu-se de uma raposa que
vasculhava as mochilas do grupo à procura de comida. Era pequena, de
tonalidade ligeiramente alaranjada, com focinho fino e alongado, cauda
peluda e orelhas eretas.
Jesus, que sabia que as raposas eram
famosas caçadoras oportunistas e temíveis predadoras solitárias e que
gostavam de apanhar as presas vivas, não sabia por que razão andava por
ali a fazer uma mas achou-lhe graça. Como sabia que aquele tipo de
animal se alimentava, além de coelhos, aves, peixes e répteis, também de
frutos silvestres, levantou-se calmamente, apanhou um punhado de amoras
e, estendendo as mãos, ofereceu-lhas.
Sem receio algum, a raposa comeu-as
todas e foi-se embora, dirigindo-se tranquilamente para a sua toca que
era ali bem perto junto a um pedregulho coberto de silvas. Para espanto
geral, quando o sol raiou e todos acordaram, viram a raposa deitada ao
lado de Jesus. Surpreendido, acariciou-a e, após contar o que tinha
acontecido durante a noite, disse que as raposas tinham tocas e as aves
possuíam ninhos mas que ele, na verdade, não tinha onde reclinar a
cabeça.
Por incrível que parecesse, a raposa
começou a acompanhar o grupo e para onde quer que fossem lá estava ela,
como se de mais um elemento se tratasse, e tornou-se uma espécie de
mascote. Apesar da fama de traiçoeiras, interesseiras e ladras de
galinhas, a raposa era meiga, afável e simpática. De vez em quando, ia
dar os seus passeios e desaparecia durante umas horas mas, esperta e
astuta como era, nunca se perdeu e regressava sempre.
A verdade é que aquela que parecia ser
uma raposa igual a todas as outras raposas tinha seduzido Jesus e os
seus amigos pois criaram laços, passaram a precisar-se mutuamente e a
sentirem-se únicos no mundo. E Jesus falava, de vez em quando, da raposa
para referir-se à coisa mais importante do mundo: o amor. Dizia que se a
raposa falasse lhes diria que se quisessem ter amigos tinham que se
cativar uns aos outros, que o essencial era invisível aos olhos e que só
se via bem com o coração. E, sorrindo, dizia que aquelas ideias
poderiam dar um livro muito bonito e interessante.
Era frequente ver Jesus a falar às
multidões com a raposa ao colo ou deitada no chão ao seu lado e, mesmo
quando se afastava sozinho para rezar, somente ela ia com ele. Ela
tornara-se tão popular que as pessoas, quando iam escutar ou pedir ajuda
a Jesus, levavam-lhe comida e até as crianças gostavam de brincar com
ela.
Quando Jesus se foi tornando cada vez
mais desconfortável para o poder instalado por causa da sua maneira
peculiar de ver e viver a vida, começou a ser censurado e perseguido e
foi condenado à morte. Aqueles que sempre tinham estado com ele
abandonaram-no e, no momento em que deu o último suspiro, estavam apenas
junto de si a sua mãe, um amigo e a raposa. A verdade é que a raposa
desapareceu pesarosa e apenas voltou a ser vista na manhã do terceiro
dia, inexplicavelmente mais irrequieta, jovial e radiante do que nunca.
Por Paulo Costa
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