Quem cuida dos idosos?

Não é fácil envelhecer em Portugal. Nunca o foi. Hoje, a realidade será ainda mais penosa. Porque os filhos têm poucas condições de se assumirem como cuidadores.
Por razões várias. E o Estado social, que deveria amparar-nos nas nossas carências, tem sido incapaz de criar âncoras protetoras. Criminalizar o abandono dos mais velhos pode não ser a melhor solução.
Ao propor um conjunto de medidas para a proteção daqueles com mais de 65 anos, criminalizando o abandono intencional em hospitais e lares ilegais bem como o aproveitamento financeiro, o CDS quererá dotar os mais velhos de alguma qualidade de vida que certamente merecem. Acontece que estamos perante um problema, acima de tudo, social e não do campo da justiça. O projeto de lei centrista, quando aplicado a casos concretos, esbarrará imediatamente na dificuldade de se comprovar a intenção de desamparo de que são alvo tantas pessoas em idade mais vulnerável. Porque haverá sempre muitas razões para apresentar a favor da impossibilidade de se cuidar dos idosos: o emprego de horário demasiado flexível, as carências financeiras, a falta de condições da habitação, os filhos menores para tratar... E o tribunal lá terá de ceder à força de argumentos que não serão fáceis de rebater. E tudo ficará na mesma.
Acontece que, em Portugal, a chamada terceira idade precisa de se constituir como uma prioridade, centrada em políticas sociais diferenciadas, consoante se pense em realidades mais rurais ou mais urbanas. Porque os problemas não coincidem. Hoje, no interior, há uma significativa população envelhecida, sem acesso a cuidados de saúde, fechada em casas sem condições de habitabilidade e quase sem contacto com os filhos que há muito partiram para meios geográficos com mais oportunidades. Estas pessoas cresceram sem cultivarem redes de cumplicidade com a sua geração que lhes permitam viver bem em lares onde partilhem com os seus conterrâneos uma rotina diária. Também são de tal modo enraizadas ao território onde cresceram que recusarão qualquer proposta de mudança. Preferem continuar em suas casas. Abandonados à sua (má) sorte. Autarquias e Estado precisam aqui de reforçar os cuidados domiciliários para monitorizar uma importante percentagem de idosos que parecem condenados a morrer sozinhos. Nas cidades, o isolamento poderá ser uma realidade, mas a proximidade das habitações decerto tornará mais fácil uma ação mais concertada em benefício de um conjunto significativo da população que envelhece.
Claro que há aqui muitas variáveis a equacionar. De natureza diversa. Por exemplo, os lares que exigem quantias avultadíssimas de dinheiro para a admissão dos idosos e, posteriormente, toda a reforma, sem que, muitas vezes, lhes consigam oferecer condições consentâneas com essa contribuição. Ou, então, o número de doentes que permanece nos hospitais depois de ter alta apenas porque ninguém aparece para os levar para casa. Nestes casos, o Estado providência deveria atuar com mais determinação. Falamos de uma população completamente vulnerável à ajuda de terceiros que fica, muitas vezes, entregue a si própria em momentos de enorme fragilidade física e emocional. Estas pessoas que permanentemente engrossam uma enorme espiral silenciosa não reivindicam, não se impõem... Muitas vezes nem são capazes de saber o que é melhor para si. Por isso, deveriam suscitar uma enorme atenção de todos. De forma transversal. Porque ninguém constrói futuro, renegando o passado.
Hoje, na Assembleia da República, os centristas vão apresentar as suas propostas. Os partidos de Esquerda já anunciaram que votarão contra qualquer medida de criminalização do abandono dos mais velhos. Convinha, porém, que o debate não se circunscrevesse ao confronto partidário. Os deputados não podem esquecer que há uma população vulnerável que, por ser silenciosa, requer ainda uma maior atenção dos seus representantes. Aqui, o Parlamento não deve falhar. Esperam-se, pois, medidas eficazes. Em prol daqueles a quem tanto devemos.

Por Felisbela  Lopes

* PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA U. MINHO

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