Tens sapatos? Lembra-te daqueles que não têm pés!
Temos vindo a
percorrer, desde há vários anos, um caminho de aprofundamento da nossa
identidade cristã.
Esse percurso fez-nos
crescer na relação com Cristo e transformou a nossa Arquidiocese num espaço de esperança cristã. Esta esperança
pode ser entendida como dom que acolhemos, mas também como semente lançada nos
terrenos onde é mais necessária. Caminhamos ao encontro de Cristo, que nos dará
“os sapatos” adequados ao percurso para que possamos reconhecer aos poucos o
Seu amor e as necessidades do mundo. Podemos afirmar que existem muitas pessoas
estagnadas e sem “pés” para avançar. Alguns circuitos da vida são infelizmente
dolorosos e carregados de escolhos que impedem um caminhar sereno.
A Quaresma é um
momento especial que convida o cristão a “abrir os olhos”, a ver a sociedade e
a incomodar-se com a realidade humana. Peço, por isso, que sejamos capazes de
olhar, de modo particular, para o mundo da dor e do sofrimento. Quem se
encontra numa situação de fragilidade necessita de uma presença amiga e
afectiva. O mesmo acontece com quem atravessa um período de luto ou perdeu a
alegria de viver. Os idosos experimentam longos períodos de solidão e
necessitam de companhia. Os jovens sentem dificuldade em encontrar figuras de
referência e um sentido para a vida. As famílias, que pedem para ser ajudadas
em vez de julgadas, deparam-se com dramas e incertezas. Enquanto nós estamos
confortáveis com os nossos sapatos, existe uma multidão cujos pés estão
impedidos de caminhar no mundo com alegria.
Sair do nosso
comodismo para nos encontrarmos com a vida envolta em situações dolorosas é a
caminhada proposta para a Quaresma. Esta caminhada deve tornar-se uma aventura
onde, na realidade concreta, se assume o compromisso de cuidar dos
desfavorecidos. Para isto acontecer, cada um de nós precisa de reconhecer os
“sapatos” da sua vida, que são uma imagem dos seus dons, e lutar por suprir as
deficiências de quem não tem “pés”. Não é tarefa fácil. Com a oração, a partir
da leitura da Sagrada Escritura, e o jejum livre e voluntário, que nos faz
sentir a fragilidade humana, tudo se torna mais evidente. Abrimos os olhos e
percebemos como a indignidade humana nos é próxima, e escancaramos o coração
respondendo, de forma pessoal e comunitária, aos gritos de quem não está a
caminhar na felicidade. O mundo é uma pequena aldeia e a nossa aldeia deve ser
sensível a toda a espécie de carências. A acção guiada pela solidariedade é a
identidade do cristão.
Repito, há situações
ofensivas à dignidade humana, assim como exclusões sociais que há muito
deveriam estar ultrapassadas. A Quaresma é, neste sentido, um convite para, a
partir da renúncia e do jejum, darmos forma e sentido ao secular costume do
contributo penitencial. Como habitualmente, as ofertas recolhidas nas diversas
comunidades serão orientadas para dois fins. O primeiro é concretizado através
do “Fundo Partilhar com Esperança”, que revela o amor cristão às pessoas que
não dispõem dos mínimos para uma vida feliz. O segundo traduz-se no apoio à
paróquia de Sta. Cecília de Ocua, diocese de Pemba, que aguarda pela nossa
generosidade para dispor de estruturas básicas para a promoção e evangelização
daquele povo irmão.
A caminhada do nosso
dia-a-dia pode adquirir um significado especial neste período de preparação
para a Páscoa. Rezo para que os cristãos e as comunidades criem gestos de
esperança que devolvam a dignidade à sociedade. Caminhemos! Abramos os olhos!
Respondamos com um estilo de vida cristão na certeza de que a Páscoa destrói a
morte e, passo a passo, transforma o coração das pessoas.
† Jorge Ortiga,
Arcebispo Primaz
Comentários
Enviar um comentário