Jesus não nos manda gostar - manda amar. Mesmo que não gostes,
ama! Tão contrário é o discurso do mundo. Amor agora significa um
sentimento lamechas que faz crescer o umbigo e dura enquanto eu gosto.
Lembra-te que és pó e ao pó voltarás! Esta é a frase que nos é
dita a nós, cristãos que vamos à Missa na Quarta-feira de Cinzas. Num
ritual simples que inicia a Quaresma, ao ouvirmos a frase do Livro do
Génesis e ao sermos marcados com a cinza imposta sobre a nossa cabeça,
recordamos algo difícil de aceitar: somos frágeis como o pó.
Depois
das máscaras de carnaval, que tantas vezes apenas exageram as máscaras
que usamos quotidianamente diante dos outros, somos chamados à
realidade. Tira as máscaras que usas diante de ti mesmo, diante dos
outros, diante de Deus e aceita-te como és: criatura frágil e mortal.
Este é, sem dúvida, um discurso do qual fugimos a sete pés. Somos
educados e, a cada momento da vida, convidados a mostrar precisamente o
contrário. O poder (económico, social, ou outro), a imagem, o sucesso, o
controlo, não passam, afinal, de máscaras que escondem a nossa
fragilidade. Não, não somos autossuficientes.
Basta um pingo de
honestidade connosco próprios para reconhecermos que, juntamente com
muita generosidade, altruísmo e preocupação com a justiça, no nosso
coração convivem excessivas preocupações com a autoimagem, mesquinhezes,
egoísmos, mentiras e injustiças. Impor cinza na cabeça, ajuda a
reconhecer essa nossa pequenez necessitada de conversão. Quem não
precisa de converter nada na sua vida, está no Céu, morreu e ninguém lhe
disse.
Mas há uma fragilidade especial que nos habita a todos,
mesmo aos arautos da autonomia absoluta. Temos um ponto fraco que se
revela a nossa maior força: o amor. O que mais desejamos no íntimo de
nós mesmos, é amar e sermos amados. E o nosso maior (único?) medo é não
sermos amados. Chamamos-lhe solidão.
Lembra-te de quem és,
lembra-te que és pó. E sabes que mais? Não faz mal seres frágil! Porque,
paradoxalmente, este ponto fraco revela-se a força mais profunda e
potente do ser humano. É a debilidade do amor que nos permite
abrirmo-nos aos outros. É o amor, esse poder frágil, que impede de nos
encerrarmos no poço da nossa pretensa autossuficiência. Se a morte é a
evidência última da finitude humana, o amor é a única força que a vence.
Mas não sai ileso. Leva a sua marca. Porque quem ama sofre. Porque amar
não é gostar.
É dramática a imatura não distinção entre o amar e o
gostar, tão própria da nossa cultura. Posso gostar ou não gostar,
gostar mais ou gostar menos. Mas não posso não amar. O gosto encontra-se
ao nível do sentimento; o amor ao nível da vontade. Os sentimentos vão e
vêm, tantas vezes sem controlo da nossa parte. Mas a vontade tem a ver
com a decisão. Nenhum casamento dura uma vida inteira porque marido e
mulher gostam um do outro 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias
por ano. Um casamento (qualquer relação) dura porque ambos decidem que
dure. Sim, porque se amam, mesmo que haja dias em que seja difícil
gostarem um do outro.
Jesus Cristo não nos manda gostar de
ninguém. Nem podia fazê-lo, porque não é sempre possível gostar dos
outros. Jesus manda amar. Manda mesmo amar os inimigos. Não é possível
gostar do inimigo. Mas, mesmo que não gostes, ama! Tão contrário é o
discurso do mundo. Essa palavra gasta já não quer dizer entrega,
serviço, ou desejo que o outro cresça como pessoa. A palavra amor agora
significa um sentimento lamechas e egoísta que me faz crescer o umbigo e
que dura enquanto eu gosto.
A cruz de Jesus continua a ser a
grande parábola real da vida. Ali se revela o Deus escondido do amor e
da entrega até ao fim. E daquela trave, que tinha tudo para ser uma
maldição, nasce uma vida nova, um novo amor, um sonho de eternidade.
Afinal, as dores de Jesus na cruz eram autênticas dores de parto. É esse
amor que se celebra daqui a quarenta dias, na Páscoa. Que bom seria se
conseguíssemos ver e viver as cruzes que a vida nos oferece ou impõe
como dores de parto, não nos encerrando em nós mesmos, mas gerando mais
vida à nossa volta. Boa Quaresma.
Por Pe. Miguel Almeida, Sacerdote jesuíta
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