Um grito silencioso - a desnutrição do amor e dos afetos

A “desnutrição” no que respeita ao amor e aos afetos é uma realidade que não se pode mais esconder e fazer de conta que não existe, porque existe e precisa ser encarada de frente!

A falta de alimentos e uma alimentação deficiente pode conduzir a vários problemas e até à morte. E a carência de Afetos e de Amor? Que consequências poderá ter na sua vida, na sua saúde física e mental?
Será que tem plena consciência disso nas suas escolhas e decisões?
Já tinha pensado nisto?
Casados, juntos, separados, divorciados, sozinhos. Pais, filhos, avós, netos, irmãos…família, amigos!
A “Desnutrição” no que respeita ao Amor e aos afetos é uma realidade que não se pode mais esconder e fazer de conta que não existe, porque existe e precisa ser encarada de frente.
No Mundo morrem a cada segundo milhares de pessoas, especialmente crianças, por falta de alimentos. Mas será que não morrem também muitas outras em vida, ainda que continuem a sobreviver, por falta de Amor, cuidado, atenção, aceitação e valorização?
Ao não serem escutadas e as suas necessidades ignoradas, sentem-se invisíveis, e podem elas próprias deixar de se ver e acreditar merecê-lo, com todas as consequências daí advenientes.
O que estará por detrás das guerras, conflitos, desavenças… conjugais e familiares?
Será que é esta «subnutrição» de afetos, em que todos quiseram e querem ser amados e amar, mas não o foram, ou não o conseguem ser, e não sabem porquê?
Parece-me bem que sim!
Como se explica a constante tristeza e depressão em crianças, jovens e menos jovens, as adições mais variadas, a escalada de violência, os divórcios e separações a aumentar cada vez mais, as somatizações de vária ordem, os sintomas que ninguém consegue explicar, as doenças que se desconhece a origem, a «partida» antecipada que ninguém compreende quando parecia estar bem?
Será que não estamos a esquecer-nos ou a desvalorizar a importância de «realidades» que fazem parte integrante da nossa condição de seres humanos que nos caracterizam e cuja presença/ausência influencia determinantemente o nosso bem-estar emocional, psicológico e físico?
Para além da falta de alimentos, um dos maiores problemas da humanidade, fruto da imperfeição humana, das guerras de poder, dos interesses económicos, dos lobbies, do egoísmo e egocentrismo de alguns, existe um sério problema que poucos têm a coragem de falar sobre ele, porque ainda é tabu:
A sociedade das aparências e da imagem repele e exclui quem mostra emoções não contidas, sentimentos, fragilidades, vulnerabilidades. Quem o faz é considerado “out of the box”, é fraco ou está maluco e deve ser colocado à margem, porque pode contagiar os outros com a sua condição humana frágil.
A regra é a imagem perfeita. Esta consiste em ser forte e perfeito, desprovido de sentimentos e lamechices. Dizer que se está encantado, apaixonado, perdido de amores… que se quer «estar», sair, conversar, conhecer, abraçar parece mais perigoso do que atravessar o atlântico a nado, pois os tubarões parecem ter saído do mar e andarem por terra.
O medo de dizer o que se quer no que respeita ao Amor e aos afetos e a convicção que «ganha asas» cada vez maiores de que não se precisa disso, está a conduzir, inevitavelmente, esta e as futuras gerações a um «beco sem saída», e talvez à maior mentira inventada até hoje: a de que se vive muito melhor sem Amor!
Numa sociedade em que as pessoas são máquinas de ganhar e gastar dinheiro;
Pensam que comunicam mais e estão cada vez mais sozinhas, mesmo quando rodeadas de uma multidão, porque não conseguem perceber o que está a acontecer com elas, com as suas vidas, com os seus companheiros, com os seus filhos;
Em que não conseguem parar de corresponder a exigências que se lhes impõem ou que elas próprias inventam;
Em que sentem cada vez maior dificuldade em dar e sentir,
Onde está o espaço para ser a um, a dois, a três ou quatro, para construir afetos, sentir e expressar Amor?
Onde está o espaço para o outro dentro de si? O tempo para conhecer de verdade e deixar fluir as emoções e crescer o Amor?
E pergunto-me: será que o facto de o ar estar cada vez menos «respirável» e existirem um sem numero de mudanças climatéricas derivadas da inconsciência e irresponsabilidade também de alguns, isso começou a afetar as relações, os afetos e o Amor?
Há cem anos, todos pareciam saber muito melhor qual seu papel e as regras estavam definidas. A maioria dos casamentos eram «conversados», os afetos e o Amor se surgissem depois, melhor, senão ia-se aguentando. Os filhos, muitos eram concebidos sem serem desejados, alimentados com o que havia, ajudavam naquilo que era preciso, e quando não eram o que se esperava, “moldavam-se” com umas boas palmadas.
O tenho direito a ser e sentir-me amado, querido, aceite e feliz estava para lá do horizonte e poucos o reivindicavam. Aceitavam «o que era», como sendo a única verdade e conformavam-se. Especialmente as mulheres, nasciam com aquilo que hoje talvez fosse considerado como uma «estaca de tortura»: quase todas eram educadas para casar cedo, agradar o marido, depender dele, cuidar dos filhos e do lar… e ser mãe deles também.
No meio de tudo isto, porque havia mais tempo para tudo, mas não para pensar muito, ia-se vivendo o dia a dia, aceitando os dias de sol, de nuvens, cinzentos, e de chuva… e as estações sabia-se quando começavam e acabavam.
Os homens tinham os seus casos, as mulheres faziam de conta, ignoravam, focavam-se nos filhos e na sobrevivência. Porque era uma questão de sobrevivência. Emocional, mas sobretudo física. Não deprimiam como nos dias de hoje. Não tinham tempo para isso! Talvez tivessem maior capacidade de negação da realidade e de conformação. Algumas também os traíam, mas poucas tinham a coragem de o fazer. Parecia mal e corriam o risco de ir para baixo da ponte com os filhos.
Os filhos não confrontavam os pais e quando o faziam sabiam que estavam em apuros existenciais. Também não ouviam «amo-te», e muito deles nem um colo ou uma festa sabiam o que era. Os pais da maioria não tinham tempo para conversas, e as mães algumas com muitos filhos estavam sempre atarefadas. Sentiam-se sozinhos e ignorados, mas inventavam todo o género de brincadeiras para ocupar o tempo, a mente, a falta de afetos e de Amor. E assim iam crescendo, fazendo-se homens e mulheres. Alguns quando mais tarde tiveram filhos questionaram os modelos instituídos, outros repetiram-nos.
Muitos acordaram para os afetos e para o Amor como quem acorda no meio de uma trovoada, abre a janela e consegue sentir os pingos da chuva a bater no rosto. Outros continuaram sem o sentir, simplesmente porque ninguém lhes ensinou a abrir janelas e a sentir.
Como o Pai da Patrícia, do Rafael, da Isabel…
Como a Mãe do Eduardo, da Ana, do Tiago…
Como o Paulo e a Cristina…
Como o Luís e a Teresa…
Nomes fictícios mas histórias de vida tão inacreditáveis quanto chocantes.
Patrícia está em permanente conflito com o pai há mais de 10 anos. Diz que ele a culpabiliza e não quer saber dela para nada…
Rafael, nunca se sentiu amado nem querido pelos pais e agora não consegue ter uma relação estável…
Isabel tem medo de ter uma relação de compromisso, de ser rejeitada e de sofrer.
Eduardo sente-se intoxicado pela mãe e projeta tudo na companheira…
Ana, não sente que a mãe a ame e diz que ela lhe quer e lhe faz mal…
Tiago, assistiu a guerras intermináveis entre os pais, diz que não quer ninguém na vida dele e que está muito bem sozinho.
Paulo está apaixonado há quatro meses, mas tem pânico de o confessar e convidá-la para sair.
Cristina sente-se sozinha, gostava de namorar, mas receia passar pelo mesmo e sofrer.
Luís e Teresa fazem de conta que são um casal da porta para fora. Da porta para dentro, quase não se falam, cada um vive no seu mundo e conversam todos as noites com outras pessoas nas redes virtuais.
Histórias de vida destas multiplicam-se e complexificam-se cada vez mais.
As de Amor, verdadeiro Amor, são cada vez mais difíceis de encontrar e viver!
Parece que o conceito do que é o verdadeiro amor se perdeu numa mudança continua entre casas onde não se consegue encontrar nada!
Muitos ficam sentados no banco do cinema à espera da reprise do mesmo filme romântico que já virem mais de cem vezes, e que acaba sempre da mesma maneira. A vida passa-lhes à frente dos olhos enquanto esperam e procuram o tal final feliz.
Histórias de solidão acompanhada ou sozinha, invadem todo o planeta. Silenciam um grito que se ouve do outro lado do universo.
A grande diferença?
Antes, eram poucos os que pensavam, preciso me sentir amado e amar de verdade.
Hoje, muitos pensam, preciso me sentir amado e amar, mesmo que seja uma mentira e me faça perder de mim. Mesmo que fique «desnutrido» de afetos e Amor. Porque é preciso coragem para lutar e dizer não à desnutrição!
Antes, tomava-se consciência da ausência, aceitava-se e aprendia-se a viver com isso. Essa era a realidade. Não havia outra!
Hoje finge-se, fantasia-se, vê-se muitas telenovelas e anúncios publicitários de homens musculados a venderem detergentes, e vai-se vivendo, não de nenúfar em nenúfar, mas de negação em idealização, quando não se cai em depressão.
Antes, inventavam-se coisas para fazer para não pensar.
Hoje vai-se para as redes virtuais à procura do amigo ou amiga virtual que esteja a viver numa “gaiola dourada” parecida, começa por se enviar um «emoji», depois, um «olá», depois mete-se conversa e quem sabe do outro lado não está alguém tão ou mais subnutrido emocional e afetivamente, mas que num ato de desespero de se ajudar a si próprio, ajuda quem aparece e é «boia de salvação» ou quem sabe o redentor de toda uma infelicidade contida e sofrida. Ou será da subnutrição aceite e escolhida a cada momento?
Sim, nascemos todos com a necessidade de nos sentirmos amados e de amar.
Antes, embora a sentissem, não o expressavam porque poderia colocar em risco a sobrevivência enquanto seres dependentes e desprotegidos.
Hoje isso acontece com as crianças, com os adolescentes que calam a dor de ver os pais, alguns deles, uma hora por dia, e ainda assim de telemóvel na mão ou a ver televisão.
Hoje, conhecemos bem esse desejo de ser amado e de amar, embora o neguemos, e tendemos a colocar um «muro» de defesas entre nós e o outro, com receio de sofrer.
Escolhemos prescindir amar e sentirmo-nos amados e decidimos não expressar o que sentimos, a maioria das vezes, com medo de uma dor maior à qual imaginamos poder sucumbir.
Antes, era a violência física que imperava.
Hoje é a violência psicológica que reina. Sobre o outro, mas especialmente sobre si mesmo.
Existirá maior violência do que não poder expressar o que se sente e principalmente o que não se sente, tendo inscrito nos genes que precisamos senti-lo, como precisamos comer?
Existirá maior sofrimento do que «comprimir» emoções, afetos e o Amor que se sente por outro alguém?
O grito silencioso de quem não se sente aceite e amado ecoa pelas estradas e ruas da vida, a cada esquina, e é vivido por milhões, numa solidão cada vez mais só, da qual ninguém gosta ou quer falar.
Quem tem a coragem de gritar «Preciso de Amor! Preciso de Afetos, preciso Amar, porque é isso que dá sentido a tudo o mais!»
Não se trata de pedir Amor ou Afetos. Amor e Afetos, não se compram, não se vendem, nem se pedem, por enquanto! Dão-se quando se tem capacidade para dar. Sente-se, se o outro é capaz ou não de os dar.
E se chegar à conclusão que não o é, é você que tem que decidir aceitar ou partir, e não “pendurar” a sua vida num “estendal” onde não bate o Sol.
Quem é o companheiro/a, o filho, o pai, a mãe, ou a pessoa que está só que o diz e grita para se fazer sentir ouvido e amado? Poucos! Muito poucos! E sabe porquê? Porque a consciência da subnutrição de afetos e de Amor, é algo que aflige apenas quem não é forte e todos o querem ser! Quem pensa que o é, grita aos sete ventos que não precisa de nada disso.
Mas sabe, são estes os que mais precisam, porque são os mais subnutridos! Quanto mais fogem, mais sós se sentem e menos probabilidades existem de um dia virem a saber o que é o Amor e também a vida. Porque não existe vida, sem Amor!
Mas, primeiro precisam tomar consciência dessa mesma necessidade e aceitá-la. Encará-la como o sono, a fome, o ar que respiram! Depois encontrar o seu amor próprio e construir uma “casa” de afetos para si”. Só depois de o fazer, então, expressar mais do que o seu direito a amar e ser amado, o seu desejo de que essa realidade se manifeste a cada momento na sua vida.
Sim, é possível aprender a “nutrir-se” melhor no que respeita ao Amor e aos Afetos, e ensinar aos outros como quer ser afetivamente “nutrido” e como quer viver o Amor!
Basta querer!
Um Ano Novo repleto de Afetos e Amor!

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