O neurocientista António Damásio advertiu que “se não houver educação
maciça, os seres humanos vão matar-se uns aos outros”.
O neurocientista
português falava no lançamento do seu novo livro A Estranha Ordem das Coisas,
que decorreu esta terça-feira em Lisboa, na Escola Secundária António
Damásio, e defendeu perante um auditório cheio que é preciso
educarmo-nos para contrariar os nossos instintos mais básicos, que nos
impelem a pensar primeiro na nossa sobrevivência.
“O que eu quero é proteger-me a mim, aos meus e à minha família. E os
outros que se tramem. [...] É preciso suplantar uma biologia muito
forte”, disse o neurocientista, associando este comportamento a
situações como as que têm levado a um discurso anti-imigração e à
ascensão de partidos neonazis de nacionalismo xenófobo, como os casos
recentes da Alemanha e da Áustria. Para António Damásio, a forma de
combater estes fenómenos “é educar maciçamente as pessoas para que
aceitem os outros”.
A Escola Secundária António Damásio foi o
sítio escolhido pelo neurocientista português para lançar em Portugal a
sua nova obra, que volta a falar da importância dos sentimentos, como a
dor, o sofrimento ou o prazer antecipado.
“Este livro é uma continuação de O Erro de Descartes, 22
anos mais tarde. Em ‘O Erro de Descartes’ havia uma série de direcções
que apontavam para este novo livro, mas não tinha dados para o
suportar”, explicou António Damásio, referindo-se ao famoso livro que,
nos finais da década de 90, veio demonstrar como a ausência de emoções
pode prejudicar a racionalidade.
O autor referiu que aquilo que
fomos sentindo ao longo de séculos fez de nós o que somos hoje, ou seja,
os sentimentos definiram a nossa cultura. António Damásio disse que o
que distingue os seres humanos dos restantes animais é a cultura:
“Depois da linguagem verbal, há qualquer coisa muito maior que é a
grande epopeia cultural que estamos a construir há cem mil anos.”
O
neurocientista acredita que o sentimento – que trata como “o elefante
que está no meio da sala e de quem ninguém fala” – tem um papel único no
aparecimento das culturas. “Os grande motivadores das culturas actuais
foram as condições que levaram à dor e ao sofrimento, que levaram as
pessoas a ter que fazer alguma coisa que cancelasse a dor e o
sofrimento”, acrescentou António Damásio.
“Os sentimentos, aquilo
que sentimos, são o resultado de ver uma pessoa que se ama, ou ouvir uma
peça musical ou ter um magnífico repasto num restaurante. Todas essas
coisas nos provocam emoções e sentimentos. Essa vida emocional e
sentimental que temos como pano de fundo da nossa vida são as
provocadoras da nossa cultura.”
No novo livro o autor desce ao
nível da célula para explicar que até os microrganismos mais básicos se
organizam para sobreviverem. Perante uma plateia com centenas de alunos,
o investigador lembrou que as bactérias não têm sistema nervoso nem
mente mas “sabem que uma outra bactéria é prima, irmã ou que não faz
parte da família”.
Perante uma ameaça, como um antibiótico, “as
bactérias têm de trabalhar solidariamente”, explicou, acrescentando que,
se a maioria das bactérias trabalha em prol do mesmo fim, também há
bactérias que não trabalham. “Quando as bactérias (trabalhadoras) se
apercebem que há bactérias vira-casaca, viram-lhes as costas”, concluiu o
neurocientista, sublinhando que estas reacções são ao nível de algo que
possui “uma só célula, não tem mente e não tem uma intenção”, ou seja,
“nada disto tem a ver com consciência”.
E é perante esta evidência
que o investigador conclui que “há uma colecção de comportamentos – de
conflito ou de cooperação – que é a base fundamental e estrutural de
vida”.
Durante o lançamento do livro, o investigador usou o
exemplo da Catalunha para criticar quem defende que o problema é uma
abordagem emocional e não racional: “O problema é ter mais emoções
negativas do que positivas, não é ter emoções.”
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