"O grande erro do século XX foi acharmos que o amor era só um sentimento, que vai e vem. Na realidade, é um ato de vontade e inteligência"
Entrevista ao psiquiatra e escritor espanhol Enrique Rojas, o homem do momento em Espanha
O homem de quem se fala em Espanha, pelos seus livros de autoajuda, veio a Lisboa munido de mais um título que promete alargar os mais de três milhões de exemplares vendidos, desde que apostou na escrita sobre dirigida ao cidadão comum. SOS Ansiedade (Matéria Prima, 186 págs., €15) tem todos os ingredientes para seguir o caminho dos outros títulos editados em Portugal (Não te rendas! e Vive a tua vida). Aos 68 anos, o diretor do Instituto Espanhol de Investigação Psiquiátrica de Madrid conversou com a VISÃO sobre o que faz de nós pessoas menos ansiosas, mais felizes e capazes de amar com inteligência. Entre consultas e digressões, nuestro hermano preside ainda à Fundação Rojas-Estapé, que acompanha gratuitamente jovens com perturbações de personalidade e baixos recursos económicos.
A psiquiatria está-lhe no sangue?
O meu pai, o meu primo, a minha irmã são psiquiatras e a minha filha é psicóloga. “Rojas” é igual a “psiquiatria”.
E como é viver com isso?
Hoje
podemos dizer que o psiquiatra vende paz, tranquilidade, ilusão e
felicidade. Porém, contactar diariamente com situações pessoais duras,
graves e complicadas produz erosão. Combatê-las passa por cultivar algo
para relaxar. Eu faço pintura abstrata: quando me sinto esgotado vou
para o estúdio e dedico-me a essa paixão. Além disso ouço música e faço
desporto.
Doutorou-se com um trabalho sobre suicídio e perturbações de personalidade. Como as define?
São
desequilíbrios psicológicos decorrentes de feridas passadas não saradas
e de um baixo nível de autoestima. Na investigação que fiz, com o meu
pai, numa amostra de pessoas que tentaram suicidar-se mas não o
conseguiram, concluí que estas pessoas tinham também baixa confiança em
si mesmas, oscilações de humor e não conseguiam desfrutar da vida,
convertendo problemas em dramas. Se juntar a isso a depressão, que se
faz acompanhar de sintomas como melancolia, sentimentos negativos,
pessimismo e ansiedade, percebe-se como surge o desejo de se matar.
A ansiedade pode agravar essa predisposição?
O
problema da ansiedade é a adrenalina em excesso a circular entre os
neurónios, que se manifesta no plano físico: taquicardia, suores frios,
excesso de suco gástrico, sensação de falta de ar, tremores nas mãos. As
crises ansiosas são um tsunami de ansiedade que dura minutos em que
estão presentes vários medos: de morrer, de enlouquecer, de perder o
controlo. O último é o mais frequente.
Como se gere a ansiedade, de modo a que não tome conta da vida?
É
preciso parar e perguntar-se três coisas que constituem a base de uma
personalidade equilibrada: “Quem sou”, “para onde vou” e “com quem”. Tal
implica saber o que se quer e ter ultrapassado as feridas do passado.
Ajuda ter um projeto de vida realista, dar às coisas que acontecem a
importância que de facto têm, com sentido de humor e resiliência. Isso é
ser uma pessoa madura, que aprende com as derrotas e cresce como ser
humano. A ansiedade pode ser positiva, criativa, mas também negativa, se
impedir uma vida normal: a pessoa está sempre mal com o trabalho, os
amigos, o cônjuge.
O que fazer quando se fica enredado nas malhas desta “aminimiga”?
Se
for endógena, ou seja, resultar de um desequilíbrio bioquímico,
combate-se com fármacos e psicoterapia. Caso seja exógena, com origem no
exterior, a psicoterapia pode ajudar. Sabemos que a causa da ansiedade é
externa quando se manifesta, entre outras coisas, na constante falta de
tempo, no ritmo frenético e no vício do trabalho, do móvel ou da net. A
solução para pôr termo a isto está em aprender a dizer “não”. Cortar as
ambições excessivas também dá muita paz, tal como colocar ordem nos
horários, na casa.
Os estudos mostram que a ansiedade é
muito comum na meia-
-idade. Isso é um sintoma de que algo correu mal na
vida daquela pessoa? Ou é uma questão social?
Na Europa
avançou-se mais em 15 anos do que num século. A velocidade é muito
grande. As coisas correrão melhor se nos lembrarmos de três coisas
fundamentais, que são o amor, o trabalho, a cultura e a amizade. Não há
felicidade sem amor nem amor sem renúncia. Se amarmos o que fazemos no
trabalho sabemos que estamos na via certa. A cultura, que é
conhecimento, liberta-nos.
O problema começa quando deixa de haver
tempo para isto, só o há para as redes sociais... De modo que não se
sabe quem é Pessoa, Saramago. Quando perdemos a curiosidade ficamos mais
pobres.
Saltamos de uma coisa para outra, fica tudo mais plano, ou digitalizado, por assim dizer.
Gosto
muito dessa expressão.
O “aplanar”. A cultura é a capacidade de ir
contra a corrente e seguir a estética da inteligência. Quanto à amizade,
Dom Quixote, mais importante que Cervantes, dizia que a felicidade não
está no destino mas no meio do caminho. Sancho Pança, por seu turno,
tinha esta máxima: “Amigo que não dá e faca que não corta, se se perder
não importa.” Os verdadeiros amigos são poucos. A falta de tempo
prejudica as amizades.
É possível cultivar a felicidade e prevenir a doença sozinho no frenesim em que vivemos?
Sim,
mas é difícil na era do stresse, da depressão e do desamor. E da
apatia, que é a indiferença perante a vida. Por isso é que os
psiquiatras e psicólogos se converteram em conselheiros de cabeceira. Só
quem está pouco informado é que pensa que ir ao psi é para quem é
doente ou louco. Se a sociedade em que estamos é de fast food, a
psicologia é uma espécie de slow food. A ideia é sermos capazes de nos
encontrarmos a nós mesmos, sozinhos ou com a ajuda de alguém. Isso
requer tempo.
O mindfulness ou a atenção plena, podem combater a trilogia da ansiedade depressão-desamor da sociedade atual?
Poder,
pode, mas parece-me que necessitamos de uma visão mais abrangente,
sobretudo no que se refere à gestão do amor. O grande erro do século XX
foi acharmos que o amor era só um sentimento, que vai e vem. E que era
um monólogo. Na realidade, o amor maduro é um ato de vontade e de
inteligência.
Cultiva a inteligência amorosa na sua vida?
(Risos)
Faço por isso, sou casado há 33 anos! Se eu fosse uma águia com duas
cabeças direcionadas para o passado e para o futuro, a primeira diria
que a felicidade é ter boa saúde e má memória; a segunda, que é ter
ilusões. Ficamos velhos quando olhamos mais para trás do que para a
frente e a memória toma o lugar da ilusão.
Mas se olhar muito para o futuro pode perder o chão, ou desiludir-se entretanto, certo?
Para
que isso não suceda, há que distinguir entre metas, que são gerais, e
objetivos, que são mensuráveis e concretos. Um exemplo. Meta: quero
emagrecer. Objetivos: perder um quilo por semana, cortar nos hidratos de
carbono e nas gorduras animais, andar uma hora diariamente.
Pode dar um exemplo que envolva as relações humanas?
Imagine
uma crise conjugal. Meta: Resolver o problema com o parceiro.
Objetivos: deixar para trás as queixas do passado, aprender a perdoar,
evitar discussões desnecessárias, não converter um problema num drama,
ter uma sexualidade partilhada e sem monotonia.
Esta lógica aplica-se às adversidades e à forma de evoluir com elas, sem se ir abaixo?
Sim.
Os perdedores que assumem a derrota e começam de novo conseguem
fazê-lo. Veja o caso de Steve Jobs, que se arruinou na vida por duas
vezes e chegou a estar viciado em cocaína e heroína. Chama-se a isto
resiliência. Tal como o caso do pescador mexicano que esteve perdido no
Pacífico durante 438 dias, chegando a beber a sua urina e a comer as
próprias unhas para sobreviver. Saiu da experiência cheio de amor. E
Nelson Mandela, 28 anos de encarceramento e sujeito a tortura. Aí
escreveu uma grande obra sobre a liberdade.
Impressiona e
inspira, sem dúvida. Porém, a comparação pode ter o efeito contrário e
puxar o outro para baixo… Algo do tipo “Se eles são tão bons, serei eu
tão mau?”
A mensagem a reter é só esta: não dar o flanco
e começar de novo. O autor espanhol Unamuno, em Diário Íntimo, diz:
“Não te dês por vencido, nem a um vencido; não te mostres como um
escravo, nem mesmo a um escravo”. Fui buscar a mensagem da campanha de
Tony Blair, “não te rendas”, que por sua vez já tinha ido buscar a ideia
a Churchill. Se não se consegue fazer isto sozinho, há que procurar
alguém para que nos ajude a seguir em frente.
É possível desenvolver a resiliência com livros de autoajuda?
Em
certos casos, a psicoterapia e a farmacologia são incontornáveis. Eu
sigo um modelo de psicoterapia cognitivo e comportamental, que assenta
na ideia de que podemos mudar o nosso comportamento se modificarmos as
nossas crenças. Neste ponto da adversidade e da resiliência, creio que
os leitores beneficiam de orientações específicas que os possam
encaminhar em fases importantes da vida.
O que responde a quem lhe pergunta: “Porque me sinto tão mal se tudo me corre tão bem?”
O material não é tudo. Para estar bem tenho de estar bem comigo, saber o que quero e o que pretendo mudar na minha vida.
No seu livro afirma que a saúde é o silêncio da corporalidade e que cada corpo é um semáforo. O que quer dizer com isto?
A
cara espelha aquilo que somos. A face e as mãos anunciam a vida como
projeto. Voltando ao tema da ansiedade, ela manifesta-se por duas vias. O
caminho do corpo expressa-se através de sintomas como a queda de cabelo
(alopécia), problemas gástricos, musculares, respiratórios. O caminho
da mente traduz-se em fobia ou em obsessões. Se uma pessoa tem crises de
pânico num avião, apetece-lhe gritar e fica descontrolada, ao longo da
semana é natural que desenvolva medo de voltar a voar. O pânico
converte-se numa fobia, um medo intenso que a leva a evitar ou a adiar a
viagem. Já as obsessões levam a pessoa a querer mudar o corpo de forma
compulsiva, com tratamentos, cirurgias, em várias partes do corpo: hoje a
cara, amanhã o peito, a perna.
A obsessão com a imagem revela um problema sério na mente, nos afetos, até?
Cuidar
muito o que está fora e descuidar muito o que está dentro é um
indicador que de que algo não está bem e isso leva a outras doenças como
a vigorexia, a bulimia, a anorexia.
A questão psicossomática não é mais do que o corpo a revelar o que a mente não consegue processar?
Um
conflito psicológico crónico manifesta-se no plano físico. Se não se
resolve pode aparecer sob a forma de dispepsia, depois gastrite e, mais
tarde, culminar numa úlcera.
Porque diz que os problemas psicossomáticos são mais comuns em personalidades fortes?
Quem se considera forte não gosta de mostrar o que sente. Guarda para si, esconde, mantém silêncio.
O que significa, para si, uma personalidade saudável e madura?
Na
ultima revisão do DSM (Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais),
as perturbações de personalidade aparecem classificadas como uma
modalidade e já não uma doença. Os americanos, que mandam no mundo e
lideraram esta revisão [associação Americana de Psiquiatria], entendem
que é quase impossível diagnosticar alguém como imaturo porque, na
população, a imaturidade está em todas as partes e nenhuma. De resto, a
nova edição espanhola do livro de autoajuda de Wayne Dyer (As Suas Zonas
Erróneas, na tradução portuguesa) cujo prefácio, escrito por mim,
começa justamente assim: “O que é uma personalidade imatura?”
Jornalista e Psicóloga
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