E o namoro?

Quando duas pessoas namoram são, também, duas famílias que se atravessam...
Não sei quem foi que inventou que namorar é fácil. Mas não é verdade. Namorar dá imenso trabalho. Ocupa espaço. Consome tempo e energia. Revolve, desarruma e distrai. Mas é claro que comove e entusiasma. Abre o coração e a cabeça. Encanta e faz crescer como, provavelmente, nada mais. E obriga-nos a reconhecer que uma pessoa deixa de ser nossa quando passa a ser a melhor parte de nós. E exige que se compare – em todos os mais risíveis pormenores entre quem está de chegada e quem, por mais que lá viva, foi ficando estranho aos olhos do nosso coração.
Quando duas pessoas namoram são, também, duas famílias que se atravessam. São formas de estar e de pensar cheias de solavancos por aplainar. Rituais de fim de semana que não se ligam. Pequenos gestos que uns valorizam e que os outros desconhecem. Sensibilidades e sinais que chocam e se baralham. Moções de censura e greves de zelo em relação a quem chega de novo. São manhas e são amuos de quem se sente, por isso mesmo, desamparado. Mais os enredos, os papéis, as histórias, os segredos e os mitos de duas famílias que, tudo junto, fazem com que, para quem namora, nem todas as semanas tragam dias de sol.
Namorar não é fácil! Porque, depois, há os amigos e os jantares e mais "um copo, só hoje", que não se pode negar. E o trabalho, obrigatoriamente. E as crianças, que ocupam o espaço todo. E, nalgumas circunstâncias, os "ex" e os filhos de um e do outro. E a partilha das responsabilidades que, de birra em birra, às vezes, mais parece que uma família é um time sharing parental. E a professora de um filho, a namorada do outro e as rezinguices dos dois que roubam energia até para "mensajar". E os fins de semana "sem filhos" que se tentam conciliar mas que a gripe de um deles e o teste do outro fazem com que os 15 dias que se levou a contar todos os minutos para namorar morram na praia.
Eu acho que, sempre que duas pessoas namoram, se casam mais um bocadinho. E sempre que convivem sem namorar, se divorciam um pouco mais. Acontece com todos. Na verdade, namoro e casamento andam sempre de braço dado. Se se convencionou que as pessoas, primeiro, namoram e, só depois, se casam, não é tanto porque tenha de ser assim mas porque grande parte delas não consegue viver uma relação namorando e casando ao mesmo tempo. Na verdade, ninguém se separa por acaso; mas por falta de namoro, certamente.
Escusado será dizer que a fórmula "a mãe e o pai já não são namorados" – com que os pais tentam comunicar aos filhos que se vão separar – não representa, para as crianças, uma novidade por aí além. Será, quando é utilizada, um modo para formalizar o óbvio, já que o namoro dos pais nunca passa à margem da atenção dos filhos. Quantas vezes, nos últimos tempos, terão eles visto os pais capazes de se acarinharem um ao outro? Ou cúmplices e enternecidos? Ou abraçados, só "porque sim"? Ou a tratarem-se por "meu amor" ou por qualquer diminutivo misterioso (que toda a gente percebe que tem uma história mas que um e outro resguardam só para si)? Ou a deixarem no ar uma aragem do género "és a melhor metade de mim", sempre que se tocam com o olhar? (A mim preocupam-me mais os pais que, dentro de si, acham que isso do namoro não se discute. Imaginam-se namorados mas, aos olhos dos filhos, há muito que deixaram de o ser. Posso estar enganado, mas acho que é a esses pais que uma separação os apanha, quase sempre, de surpresa.)
Em resumo: namorar não é fácil. Mas é indispensável! É, mesmo, a melhor parte de nós. Porque ninguém namora, unicamente, com uma pessoa: namora com ela... e namora com a vida. Mas é fácil que o namoro empalideça e se constipe. É fácil que uma criança seja, sem querer, quem mais faz com que os pais poupem no namoro e mais o estraguem. E é fácil, se for assim, que o amor por um filho se troque pelo namoro dos pais. Mas, por mágico que ele seja, nada substitui o namoro que falta aos pais para o amarem mais.

EDUARDO SÁ

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