1. Não sou – reconheço –
muito amigo de soluções mágicas e minimalistas que, com “gotinhas” para
adormecer, “gotinhas” para aprender a controlar os esfíncteres e
“gotinhas” para estimular a atenção tem vindo a transformar o
crescimento numa espécie de felicidade sintética que me preocupa.
Nem gosto por aí além das escolas para bebés, nem das escolas de pais, nem da densidade exorbitante por metro quadrado de crianças sobredotados e de crianças «cheias de personalidade» (ou com imensa autoestima, se preferirem) que faz do crescimento um furor pouco amigo da humildade e da sensatez.
Por Eduardo Sá
(artigo publicado em Fevereiro 2012 na revista Pais e Filhos| foto publicada em Setembro 2014 no Observador)
PUMPKIN
Nem gosto por aí além das escolas para bebés, nem das escolas de pais, nem da densidade exorbitante por metro quadrado de crianças sobredotados e de crianças «cheias de personalidade» (ou com imensa autoestima, se preferirem) que faz do crescimento um furor pouco amigo da humildade e da sensatez.
Em primeiro lugar, porque sinto que essa
tendência é, em grande parte, decalcada no mundo dos adultos (que, à
custa de não o gerirem, vivem – muitas vezes – intoxicados por efeitos
especiais e inquinados por uma angústia que os corrói).
E, em segundo lugar, porque, salvo
circunstâncias muito excecionais, todo o tipo de soluções que contornem o
tempo que a educação precisa de ter para se consolidar (a educação para
a saúde, a educação para o amor, ou a educação para o conhecimento, por
exemplo) têm uma fatura incalculável – no curto e no médio prazo – que
quase nunca é estimada, de forma clara e ponderada, quando se opta por
soluções rápidas, seja para o quer for.
Afirmar que é urgente a educação pode
parecer jurássico (reconheço) mas acaba por distinguir aqueles que
delineiam um projeto de vida, e o tornam exequível, com atos de gestão
(coerentes e constantes), daqueles que reclamam – agitadamente – por
felicidade mais do que lutam, com determinação, por ela.
2. O crescimento
tem vindo a tornar-se muito amigo do silêncio e da educação tecnocrática
e as crianças são, sobretudo, educadas para a contenção. O que faz com
que elas sintam, imaginem, fantasiem, estruturam uma leitura simbólica
sobre tudo, à volta delas… mas não falem. E isso é mau! É por irmos da
emoção à palavra, e dela à complexidade das operações mentais, que se
geram os gestos empreendedores com que o mundo pula e avança. E é por
casarmos complexidade e simplicidade, e por ligarmos singular e plural,
que todas as revoluções nos apanham, justamente, desprevenidos.
Como, ainda por cima, cuidamos muito
pouco da língua portuguesa e vivemos numa velocidade tão vertiginosa
que, quando damos por isso, nos transformamos em ilhéus, numa permanente
desertificação relacional, temos vindo a educar os nossos filhos para a
iliteracia emocional. (Isto é: em consequência da forma menos hostil e
autoritária como educamos, estamos a criar crianças que parecem mais
precoces, mais inteligentes e mais personalizadas que os seus pais mas,
por outro lado, essa fabulosa competência para a sensibilidade, para o
afeto e para o pensamento é atropelada, a torto e a direito, por uma
escola, por uma família e por estilos de vida infantil que transbordam
em stress e em hostilidade e que, por isso, não escutam, não sentem, nem
criam espaços para que essa competência se formate em palavras para
que, de seguida, se traduza em gestos empreendedores. Iliteracia
emocional é uma espécie de analfabetismo educado para tudo aquilo que
compõe a natureza humana que, como se compreende, o futuro não merece.)
Um bom exemplo desta atitude tão contraditória diante do crescimento
surge quando se repete, com vaidade, que seremos A sociedade do
conhecimento, embora as crianças, mal cheguem à escola, deixem de
perguntar “porquê”…
Ora, quanto mais iliteracia emocional
mais angústia e mais hostilidade (que é um 2 em 1: depressividade, por
desamparos cumulativos, e violência contida).
Por tudo isto, e embora não discuta a
qualidade intrínseca da maioria deles, a maior parte dos pais – ao
permitirem tudo isto, ao contrário daquilo que desejam – tem um
potencial de bondade a perder de vista, mas… são maus pais.
3. De que modo podemos,
ao mesmo tempo, reivindicar o direito à indignação e desenhar
transformações que tornem o futuro das crianças melhor, mais bonito e
mais saudável?
A meu ver, chega-se lá com 10 mandamentos para o amor dos pais:
– É urgente que os pais se deixem
surpreender pela parentalidade. É precioso que se informem, claro, mas é
indispensável que percam o medo dos seus erros (sem os quais nunca
passarão da intenção de serem pais à parentalidade).
– É urgente que os pais escutem as
crianças mas que decidam por elas. É urgente que opinem mas que não
vacilem quando se trata de as obrigar a ser autónomas. Pais presos na
sua própria infância não são pais: são crianças à procura de colo. Não
educam nem são educáveis. Replicam os erros e os enredos que os
atormentaram toda a vida.
– É urgente que os pais admirem os
filhos – o seu engenho, o lado afoito que eles têm (que se renova,
todos os dias) e a sua mais versátil manhosice – mas que não percam de
vista que só a sabedoria dos pais os legitima para amar (e que a ela
nunca se chega sem dúvidas, sem dilemas entre gestos de sentido
contrário e sem contradições).
– É urgente que os pais olhem nos olhos,
sempre que falam com a voz e com as mãos, ao mesmo tempo. E que chorem,
sempre que lhes apeteça, e que resinguem e se lamuriem, que façam uma
ou outra birra e, sempre que querem mimo, que intimem (sem mais
explicações) um filho a dá-lo.
– É urgente que os pais deem colo todos
os dias. E que falem todos os dias. E que abracem e beijem todos os
dias. Que se sentem no chão, inventem uma historieta e contem graçolas
todos os dias.
– É urgente que os pais, quando não têm
nada para falar, não perguntem como correu a escola. E que sempre que
não gostam dum desenho não digam que ele é lindíssimo. E que – pelo seu
nariz, que seja – quando sentem que uma criança está mais ou menos
tristes, estão impedidos de fazer outra coisa que não seja apertá-la
(caladinhos!) com muita força, 10 minutos.
– É urgente que os pais sejam tão
reivindicativos como pais como eram como filhos – e que, apesar disso,
sejam eles a Lei – e que exijam que as crianças participem, todos os
dias, nos trabalhos da casa (sem os quais as crianças vão de
principezinhos a pequenos ditadores).
– É urgente que os pais não estejam de
acordo, entre si, em relação seja ao que for que represente mais um
problema que um filho lhes coloque. Os conflitos dos pais são os
melhores amigos de todas as crianças porque é com eles que os pais
soltam a intuição e as convicções e deixem cair tudo aquilo que,
parecendo compenetrado, não tem nem entusiasmo, nem alma, nem magia.
– É urgente que os pais falem sobre os
filhos: que desabafem sobre os seus medos e compartilhem as suas dúvidas
mais ridículas. E que percam a vergonha de falar das habilidades das
crianças e de como se sentiram no céu ao serem lambuzados com um beijo. E
que deixem de trazer, como se fosse por esquecimento, todas as
fotografias que bem entendam dos seus filhos, sobretudo aquelas que mais
os embaracem ou que mais os comovam.
– É urgente que os pais reconheçam que
jamais deixam de ser filhos e de ser pais. E que se não tiverem tido,
vários dias, em que resmunguem contra os filhos e se desapontem com eles
é porque os estão a educar à margem da sensibilidade e da fantasia, do
afeto e da sabedoria. E, se for assim, estão condenados a ler estes 10
mandamentos outra vez.
Eduardo Sá é
Psicólogo Clínico e Psicanalista. O Professor da Universidade de
Coimbra e do ISPA, é autor de artigos e de livros científicos na área da
Psicanálise e da Psicossomática, e de livros de divulgação no âmbito da
saúde familiar e da educação parental. Colabora, atualmente, na Antena
1, no Jornal Expresso e na Revista Pais & Filhos.
Publicou recentemente o livro Hoje Não Vou à Escola!
“Gosto
das crianças que, mal se levantam, irredutíveis e rezingonas, declaram:
“Hoje, não vou à escola!” Porque, por mais que não pareça, sente-se que
lutam pelo amor da escola todos os dias.
A escola é o mundo
delas, das crianças. É o mundo secreto onde os nossos filhos habitam,
tão perto e no entanto tão longe; onde as horas passam sem que saibamos
realmente como. Até ao momento mágico em que nos são devolvidos e já é
tarde demais: o banho e o jantar apressado, e a cama à espera porque
amanhã é um novo dia. E nesse mundo secreto, só raras vezes se abrem
minúsculas frinchas, através das quais, se estivermos atentos, os
conseguiremos escutar, entre colheradas de sopa ou uma história por
contar. Ouviremos então, em parcas palavras (porque há um código! e da
escola não se fala), que do “outro lado”, as aulas são demasiado longas,
os intervalos demasiados curtos – um lanche engolido, uma ida à casa de
banho – e nem sobra tempo para brincar. Mas disso não sabemos, ou
sabemos pouco. Porque quando chegam está na hora do trabalho de casa
(que na verdade é o trabalho de escola), está na hora de pesquisar na
Internet (onde na verdade pesquisamos nós); e no fim de tudo resta um
beijo, quase culpado, boa noite e até amanhã. É este o mundo deles, tão
longe do nosso. Mas se nos tornássemos melhores “escutadores”, talvez
não fosse preciso mais nada, porque eles dizem-nos tudo o que precisamos
saber. Vamos então escutá-los.”
Por Eduardo Sá
(artigo publicado em Fevereiro 2012 na revista Pais e Filhos| foto publicada em Setembro 2014 no Observador)
PUMPKIN
Comentários
Enviar um comentário