O Natal entristece-me mais do
que seria suposto. Não faço contagens decrescentes, não faço planos e,
na maioria das vezes, nem sequer me dedico aos enfeites e às decorações.
Julgo entender a magia mas não me sinto deslumbrada.
Vejo alguns
queixos caídos aí desse lado. É normal. Já estava à espera. Mas
alegro-me por todos aqueles que não concordarem com estas minhas
palavras. É sinal que somos diferentes e que não pensamos todos da
maneira que nos querem fazer pensar. Voltemos ao início.
O Natal entristece-me mais do que seria
suposto. Lembro-me de quem já não está. Custa-me dizer que me morreram
pessoas. Mas é essa a verdade. Lembro-me do que diziam e do que calavam.
Do que riam e do que choravam. Lembro-me do que gostavam mais de comer,
do tanto que me diziam mesmo que não proferissem palavra alguma.
Lembro-me dos lugares vazios e da impossibilidade de os substituir.
Lembro-me do embargo que fica no peito de cada vez que, à mesa do Natal,
sentimos a falta dos que nos morreram. Dos que não se despediram.
Depois, lembro-me dos postais que já não
escrevo porque as tecnologias os quiseram atirar para debaixo do
tapete. Lembro-me das pessoas que se afastaram da minha vida e dos meus
dias e que já não merecem o meu “feliz natal”. Nem mesmo por cortesia.
Lembro-me dos amigos que se contam pelos
dedos de uma mão e pergunto-me por onde andarão todos os outros com
quem troquei promessas de futuro e de para-sempres. Lembro-me do que
ficou por dizer e parece-me oportuno devolver perdão em vez de sobrolhos
franzidos e raivas de estimação.
Lembro-me de todos aqueles que não
conheço e para quem o Natal não é, senão, um dia a mais. Ou a menos.
Lembro-me dos que achariam ridícula esta minha nostalgia entristecida
perante as dificuldades da sua própria vida. Lembro-me dos que lutam
lado a lado com uma doença que julgam não conseguir ganhar. Dos que
estão à espera de uma notícia que não chega. Dos que têm saudades. Dos
que têm esperança no que já não volta. Dos que decidiram não voltar. Dos
que largaram os remos e desistiram do rio em que estavam. Dos meninos
que continuam em África sem sapatos e sem um prato de comida. Dos que
não se lembram que é Natal.
Perante os cenários que as minhas
palavras quiseram desenhar, é quase impossível não ficar ligeiramente
entorpecido de tristeza. Mas não são estas as últimas palavras que quero
deixar nesta crónica.
Quero lembrar-me (quando a tristeza me
quiser fazer esquecer) que conheço uma criança que mudou a minha vida. É
um rapaz moreno e pequenito. Tem olhos engordados de esperança e de
luz. Os cabelos despenteados. Uma camisola velha e rasgada num dos
cotovelos. Umas calças largas e rotas num dos joelhos. Ao peito repousa
uma cruz de madeira escura. Não sei que idade tem. Disse-me apenas o
nome. “Sou o Jesus do presépio”. Disse-lhe, eu, que me parecia um pouco
crescido demais para ser o menino Jesus do presépio. Explicou-me que
tinha crescido à pressa para poder correr atrás de quem não quer correr
atrás dele. Ia numa corrida desenfreada quando passou por mim mas
deteve-se. Olhou para dentro dos meus olhos e disse-me como quem
perguntava:
- Eu volto. Esperas por mim?
Ana Arrais
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